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| - No dia 17 de maio, assinalou-se o Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia (IDAHOT). Na Assembleia da República, a sessão plenária foi dedicada à votação dos projetos de lei e de resolução do PS, sobre o regime de atribuição do nome próprio promovendo a autodeterminação da identidade e expressão de género e a consagração do Dia Nacional da Visibilidade Trans.
Rita Matias, deputada do Chega, realizou uma intervenção em que criticou abertamente os temas em discussão na sessão que decorria. “Se falamos de visibilidade trans, falemos então até ao fim, nomeadamente do que tentam tornar invisível. Um estudo realizado em 2021 na Universidade do Porto diz-nos que 55% dos inquiridos que reverteram o seu processo de transição não receberam uma avaliação adequada por parte do seu médico”, assegurou.
A deputada acrescentou conclusões do estudo: “38% concluiu que afinal, a suposta disforia de género era na verdade uma manifestação de um trauma, de um abuso, ou de uma doença mental”.
Questionada pelo Polígrafo sobre a origem deste estudo, Rita Matias remete para um artigo do jornal “Nascer do Sol”, de 25 de janeiro de 2023, intitulado “Ser trans em Portugal. ‘Nós devemos ser aquilo que queremos'”. Na peça jornalística é utilizada como fonte uma dissertação de candidatura ao grau de Mestre em Medicina, submetida ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar – Universidade do Porto, por Eduarda Rosas, em 2022.
A dissertação “Supressão Pubertária em Crianças e Adolescentes Trans”, que pode consultar aqui, é apresentada como uma “análise de artigos de investigação e de revisão dos publicados após o ano 2000 relativos à utilização de supressão pubertária para o tratamento da disforia de género em indivíduos em idade pediátrica“. Ou seja, o primeiro ponto que importa esclarecer é que estamos perante uma revisão sistemática de artigos e não um estudo original.
Um dos capítulos da dissertação é dedicado ao “arrependimento“, apresentado como “um dos principais argumentos para limitar o acesso de crianças, adolescentes e adultos trans a terapêuticas de afirmação de género, sejam estas farmacológicas ou cirúrgicas”. Indica-se que as razões por detrás da escolha de reverter o processo transicional “foram estudadas através de um inquérito realizado em 2021 e preenchido por 100 indivíduos que decidiram reverter a sua transição”. O inquérito citado pela deputada do Chega.
Ora, este inquérito, publicado no “PubMed“, foi realizado nos Estados Unidos da América (EUA) e não em Portugal. De facto, alega-se que a maioria da população em estudo (55%) refere achar que não recebeu uma avaliação adequada por parte do seu médico antes de iniciar o processo de transição. Também se conclui que 38% dos inquiridos identificaram a causa da sua disforia de género relacionada com motivos distintos da incongruência de género, nomeadamente trauma, abuso ou uma doença mental.
Mais, na dissertação mencionada por Rita Matias, conclui-se também que, tendo em conta a evidência até agora disponibilizada, “a frenação pubertária com recurso aGnRH parece ter um impacto significativamente positivo na saúde mental dos jovens trans e estar associada a baixas taxas de arrependimento“. Indica-se que apesar de controversa, “a incidência de efeitos adversos significativos a longo prazo ainda não foi comprovada” e que “de acordo com o atual estado da arte, parece plausível utilizar esta terapêutica em pessoas trans em idade pediátrica”.
Em suma, conclui-se que é notória a falta de contextualização na declaração de Rita Matias, quando menciona um “estudo realizado na Universidade do Porto”. Faltou referir que se trata de uma revisão sistemática e que o inquérito foi realizado nos EUA e não em Portugal. Além disso, as conclusões finais do estudo apontam no sentido de considerar os potenciais casos de arrependimento como pontuais e que os efeitos adversos da transição em idade pediátrica não estão comprovados.
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Avaliação do Polígrafo:
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