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| - “Acha que António Costa vai ficar até ao fim do mandato dele e seu?” A questão foi colocada por Francisco Pinto Balsemão, fundador do “Expresso” (e do PPD, atual PSD, do qual foi líder, tal como Marcelo Rebelo de Sousa), ao entrevistar o atual Presidente da República, na edição de 15 de julho (no âmbito do podcast “Deixar o Mundo Melhor”). Os caminhos cruzados de Balsemão e Rebelo de Sousa não se cingem ao PPD/PSD (dois ex-líderes), mas ao próprio semanário “Expresso”, onde Rebelo de Sousa trabalhou como jornalista, editor e diretor.
Daí, talvez, o ambiente propício a uma provocação carregada de ironia – quando Balsemão pergunta se “nunca ninguém lhe chamou ‘lelé da cuca’” -, por entre alguns momentos de tom quase confessional – por exemplo, quando Rebelo de Sousa diz que é “providencialista. Além de católico e ‘fatimista’. (…) Vou a Fátima de 15 em 15 dias“.
Mas voltando à questão inicial que motiva a presente verificação de factos, sobre o cumprimento do atual mandato de primeiro-ministro por António Costa, colocado em dúvida pela possibilidade de vir a assumir um cargo na União Europeia em 2024. Qual foi a resposta exata de Rebelo de Sousa? “No discurso de posse [Costa] foi muito claro quando disse que estava para cumprir o mandato e eu, que o conheço desde os 19 anos, acho que o que ele disse é para levar a sério.”
Terá sido assim tão “claro”?
Nem por isso. A cerimónia de tomada de posse do XXIII Governo Constitucional realizou-se no dia 30 de março (pode consultar aqui a gravação em vídeo) e Costa não foi o único a discursar. O próprio Rebelo de Sousa foi o primeiro a tomar a palavra, no Palácio de Belém, e não deixou de “amarrar” o primeiro-ministro aos quatro anos (e meio) de mandato, através de uma ameaça mais ou menos velada:
“Os portugueses deram a maioria absoluta a um partido, mas também a um homem, V. Exa., um homem que, aliás, fez questão de personalizar o voto, ao falar da escolha entre duas pessoas para a chefia do Governo. Agora que ganhou e ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza que V. Exa. sabe que não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições, possa ser substituído por outro a meio do caminho.”
Seguiu-se o discurso de Costa que, em vários momentos, olhou diretamente para Rebelo de Sousa, a poucos metros de distância, sentado numa cadeira, rosto escondido por uma máscara. E foi um discurso pautado por desafios e objetivos para os próximos quatro anos, mas sem deixar claro, de forma explícita ou literal, que será ele o protagonista em todo esse caminho até ao final. Referiu-se sempre ao Governo, ao PS e à “maioria absoluta”, mas sem personalizar a figura do primeiro-ministro.
“Os portugueses resolveram nas eleições a crise política e garantiram estabilidade até outubro de 2026“, declarou Costa, numa das passagens em que mais se aproximou da garantia (implícita) de permanecer no cargo de primeiro-ministro até outubro de 2016, precisamente. “Estabilidade não é sinónimo de imobilismo, é sim, exigência de ambição e oportunidade de concretização”, ressalvou.
Posteriormente evocou garantias de “normalidade” e “continuidade” que também podem ser interpretadas nesse sentido: “O Presidente da República é o mesmo e o primeiro-ministro também. Os portugueses podem contar com normalidade constitucional e a continuidade da saudável cooperação e solidariedade institucional, que tanto têm apreciado e que são um inestimável contributo para o reforço das instituições democráticas e o prestígio de Portugal no exterior.”
A partir das palavras proferidas por Costa no discurso da tomada de posse não fica “muito claro” que “vai ficar até ao fim do mandato”, como alegou Rebelo de Sousa na entrevista ao “Expresso”. Mas a conclusão inversa também não parece ter fundamento, pelo que optamos pela classificação intermédia (e mais segura, neste caso que envolve uma leitura mais subjetiva do discurso político e não uma análise estritamente factual) de “Impreciso”.
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Avaliação do Polígrafo:
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