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| - Oficializado como candidato à Presidência da República pelo PSOL em convenção que ocorreu no último sábado (21), Guilherme Boulos repetiu em seu discurso informação imprecisa sobre as mortes de mulheres ocasionadas por abortos clandestinos precários no país. O candidato também falou de tributação sobre herança e aeronaves e embarcações.
Aos Fatos checou também afirmações ditas pelo candidato no programa Hora do Voto, da TV Gazeta, que foi ao ar no último domingo (22). Veja o que checamos.
As mulheres estão morrendo. Sobretudo as mulheres mais pobres e negras. São quatro que morrem por dia por abortos precários.
Não é a primeira vez que o pré-candidato Guilherme Boulos afirma que o número de mortes de mulheres por conta de abortos realizados é de quatro casos ao dia. Como já foi investigado por Aos Fatos, não há no Brasil uma base de dados consolidada sobre qual seria o real número de mortes nesses casos. Uma das razões para isso é, por exemplo, o fato do aborto ser considerado crime — exceto em casos como estupro, anencefalia do feto ou risco de vida para a mulher.
Dados do Datasus mostram que, em 2016, último ano disponível para consulta, ocorreram 493 mortes de mulheres durante gravidez, parto ou aborto. Em média, uma mulher por dia morreu dentro dessas condições no período. Apesar de constar dados sobre aborto, não há como saber se as mortes foram decorrentes de abortos precários, espontâneos ou até mesmo os que constam como legais, nos casos especificados pela legislação.
De acordo com a assessoria do pré-candidato, a fonte da declaração é uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo em dezembro de 2016. Como foi informado em reportagem anterior do Aos Fatos, o número informado é o mesmo que o dito por Boulos. Os dados teriam sido enviados, segundo a reportagem, pelo Ministério da Saúde. Entretanto, o órgão afirma que esses números, em sua totalidade, não poderiam ser totalmente atribuídos ao procedimento, já que problemas de saúde e causas adversas a interrupção da gravidez poderiam ter causado as mortes também. Uma outra matéria, dessa vez mais recente, da BBC Brasil, também atribuiu o número de quatro mortes de mulheres ao dia por complicações em abortos clandestinos ao Ministério da Saúde.
Aos Fatos enviou os links das duas reportagens ao Ministério da Saúde para pedir um posicionamento oficial. Por e-mail, o órgão afirmou não possuir dados sobre abortos clandestinos no Brasil. O órgão afirmou ainda que em 2016 foram realizados 1.680 abortos legais no Sistema Único de Saúde. Em 2017, foram registrados 1.636 casos. Com relação às mortes, dados do Sistema de Mortalidade informam que 63 mulheres morreram em decorrência de aborto em 2016. O números de 2017 ainda não estariam consolidados, de acordo com o ministério.
Pela inexistência de dados oficiais exatos sobre o número de mortes de mulheres por abortos mal-sucedidos e pela incongruência entre os dados encontrados, a declaração foi considerada INSUSTENTÁVEL.
Imposto sobre herança, o máximo no Brasil é 8%. Nos Estados Unidos, é 40%.
Os números mencionado pelo pré-candidato para defender a taxação de heranças e grandes fortunas são parte de um levantamento realizado pela consultoria Ernst & Young. Segundo a última atualização do relatório, feita em dezembro de 2017 a pedido do site Poder 360, o Brasil é um dos países que menos tributa heranças e doações no mundo. Por aqui, a alíquota máxima de imposto sobre a herança é de 8%, enquanto nos Estados Unidos ela realmente chega a 40%.
Vale ressaltar que, como forma de compensar parte da receita perdida durante a crise econômica, nos últimos três anos, 14 estados brasileiros elevaram a alíquota de ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação). Em 2018, dez deles estão cobrando a alíquota máxima, de 8%: Santa Catarina, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Tocantins, Bahia e Rio de Janeiro. Em 2015, eram apenas 3: Bahia, Ceará e Santa Catarina.
O pré-candidato citou o dado para defender a importância de uma reforma tributária que taxe grandes heranças e fortunas no Brasil. Boulos propõe medidas como a criação do imposto sobre fortunas, o aumento da taxação de heranças, uma nova alíquota de imposto de renda para pessoas físicas e a retomada da cobrança de tributo sobre dividendos. A discussão no entanto, não é consenso entre os especialistas, sobretudo quanto à forma que essa elevação deve ser feita.
Para o especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas Victor Ribeiro Ferreira, a premissa da baixa taxação no Brasil não é verdadeira. Segundo ele, em artigo publicado no site Conjur, o levantamento da Ernst & Young compara apenas as alíquotas de alguns países, e não o valor efetivamente arrecadado ou o impacto sobre o patrimônio do contribuinte. Além disso, o estudo não considera a diferença entre os sistemas tributários dos países comparados, ignorando as hipóteses de incidência, isenções e abatimentos. De acordo com o advogado, comparando os sistemas tributários do Brasil e outros países e considerando o tamanho do patrimônio a ser herdado e o número de herdeiros, há casos em que haveria taxação apenas no Brasil.
O economista irlandês Marc Morgan Milá, que investiga dados sobre a concentração de renda no Brasil, defende a implementação de um sistema de impostos de herança "progressivo" e de uma reforma do sistema tributário como um todo justamente para que a taxação não seja “erodida”, como aconteceu nos Estados Unidos, com as brechas da legislação. “Hoje [nos EUA], há várias lacunas que possibilitam aos mais ricos evitarem pagar um imposto maior”, afirma.
Especialista em contas públicas brasileiros, como o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, também defendem a redução dos impostos indiretos e a elevação da taxação sobre renda, propriedade e herança. Ele afirma que seria uma questão de justiça tributária, mas observam que isso não teria impacto relevante em termos de arrecadação, já que uma parcela muito pequena da população tem rendas tão altas.
Aos Fatos não levou em consideração a afirmação desses especialistas a respeito da qualidade da proposta de Boulos nem qual seria o modelo ideal de tributação. Ateve-se apenas à afirmação sobre a tributação no Brasil e nos Estados Unidos.
Quem tem carro pagou IPVA no começo do ano. Quem tem jatinho, helicóptero e iate não paga um real de imposto.
Essa declaração já foi checada por Aos Fatos após ser dita por Boulos em outra ocasião. Desde uma decisão do STF no Recurso Extraordinário 379572 RJ, em 2007, o IPVA (Imposto de Propriedade de Veículo Automotor) deixou de incidir sobre aeronaves e embarcações. Naquela ocasião, votaram contra a cobrança o relator Gilmar Mendes e os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Sepúlveda Pertence, Cezar Peluso e Cármen Lúcia.
Vale destacar que o então ministro Joaquim Barbosa era favorável à incidência do imposto sobre esses tipos de veículos, já que a expressão “veículos automotores” seria suficiente para pelo menos abranger meios de transporte aquáticos. Além dele, Marco Aurélio foi o único a se posicionar contra o recurso. Os principais argumentos contra a cobrança dizem que o imposto substituiu a Taxa Rodoviária Única e, portanto, serve para manutenção e custeio de rodovias, e que os helipontos e aeroportos já cobram pelos serviços prestados.
Tramitam apensadas na Câmara dos Deputados duas propostas de emenda à Constituição (PEC 283/2013 e PEC 140/2012), que propõem que o imposto incida sobre veículos automotores terrestres, aéreos e aquáticos. Elas estão aguardando a criação de comissão temporária no Congresso.
Em junho deste ano, cálculos feitos pelo Sindifisco Nacional (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) a pedido do UOL mostraram que o país poderia arrecadar cerca de R$ 4,7 bilhões por ano a mais com a ampliação do tributo. O IPVA arrecadou, no ano passado, cerca de R$ 40 bilhões. O novo tributo, portanto, poderia incrementar em cerca de 10% a arrecadação destinada a estados e municípios.
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