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| - O que estão compartilhando: vídeo em que um homem apresenta manchetes sobre decisões de soltura de pessoas presas, todas elas relacionadas ao tráfico de drogas. Ele faz comentários como “se você é mais um daqueles que defende os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça), afirmando que eles são defensores da democracia, assista esse vídeo” e “Você que defende essa corja toda, faz apologia a tudo isso”.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. De seis manchetes listadas no vídeo, três são apresentadas sem detalhes que expliquem a legalidade das solturas. Uma das manchetes está desatualizada e outra engana ao sugerir algo que não consta na decisão judicial.
O autor da postagem disse ao Estadão Verifica que “não fez um vídeo na intenção de mostrar quem foi solto e quem foi preso novamente”, mas que quis “mostrar o que realmente o STF e o STJ fazem”.
Leitores solicitaram checagem deste conteúdo por meio do WhatsApp do Estadão Verifica, pelo número (11) 97683-7490.
O Verifica analisou cada manchete apresentada no vídeo e identificou que, dentre as seis listadas, cinco foram descontextualizadas. Veja abaixo:
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Condenados em regime semiaberto, integrantes de quadrilha estavam encarcerados
A primeira manchete apresentada pelo autor do vídeo é uma notícia do portal de notícias G1, que informa que o STF mandou soltar 15 integrantes de uma quadrilha que operava o tráfico de drogas em Campinas (SP).
Isso de fato ocorreu, mas o autor do vídeo omite a informação, inserida na reportagem, de que o ministro Edson Fachin revogou as prisões preventivas porque as pessoas já haviam sido condenadas em primeira instância e as penas fixadas deveriam ser cumpridas em regime semiaberto.
Neste regime, enquanto cumpre a pena imposta, o preso tem autorização para sair do presídio durante o dia para trabalhar e deve voltar à penitenciária à noite e durante fins de semana e feriados.
A reportagem não cita os nomes dos beneficiados pela decisão, mas informou se tratar do caso relacionado a Claudemir Antonio Bernardino da Silva, o Guinho, alvo de uma operação desencadeada em 2023 pelo Ministério Público de São Paulo.
Com base nisso, o Estadão Verifica identificou o processo em que ele é réu no Tribunal de Justiça de São Paulo e localizou os nomes de mais 23 acusados e encontrou a decisão que beneficiou as 15 pessoas citadas na reportagem do G1.
O documento estendeu para os 15 acusados os efeitos de uma ordem anterior, que atendia ao pedido de um dos réus. No primeiro pedido, Fachin observou que o homem foi condenado por organização criminosa a uma pena de reclusão em regime semiaberto.
Ocorre que o juiz que o condenou manteve uma prisão preventiva que havia sido decretada enquanto houvesse a possibilidade de o réu recorrer da sentença. A prisão preventiva é uma medida cautelar que mantém uma pessoa investigada ou acusada encarcerada enquanto o processo tramita.
O réu então recorreu da decisão, solicitando à Justiça a substituição da prisão preventiva por outras medidas cautelares. A argumentação era que havia incompatibilidade entre a prisão preventiva e o regime semiaberto imposto na sentença condenatória.
Ao analisar o caso, Fachin explicou que a decisão do juiz local, de negar ao réu o direito de recorrer em liberdade, embora tenha fixado o regime semiaberto para o início de cumprimento da pena, é incompatível com a jurisprudência da Corte.
Segundo Fachin, há entendimento da Segunda Turma do STF de que não há como conciliar a manutenção da prisão preventiva com a imposição de um regime penal menos grave que o fechado.
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Plenário do STF votou para manter a prisão de ‘André do Rap’, solto por um único ministro
Outra manchete citada pelo autor do vídeo foi publicada pela revista Veja, em maio do ano passado. Ela informa que, solto pelo STF, o traficante André do Rap completava naquele momento três anos foragido.
O vídeo omite, entretanto, que a decisão que soltou André Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos líderes da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), foi assinada por um único ministro do STF e revogada no dia seguinte pelo presidente da Corte. Após isso, o Plenário do STF votou pela manutenção da prisão. Atualmente, André do Rap é considerado foragido.
Como informado pelo Estadão, o acusado estava preso há mais de um ano quando o ministro Marco Aurélio Mello concedeu, em 2020, habeas corpus a ele. No dia seguinte, a decisão foi suspensa pelo ministro Luiz Fux, então presidente do STF, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em seguida, por maioria de votos, o Plenário do STF referendou a decisão de Fux.
A prisão temporária de André havia sido decretada em 2014. Ele permaneceu cinco anos foragido até ser preso, em 2019. Ao atender o pedido de habeas corpus, o ministro Marco Aurélio entendeu que houve excesso de prazo na prisão, pois um ano depois da detenção ele não havia recebido uma sentença condenatória definitiva. Até aquele momento, André havia sido condenado em segunda instância a dez anos de prisão, mas havia possibilidade de recurso.
Na decisão de Fux, referenciada pelo Plenário, prevaleceu o entendimento de que André deveria ser mantido preso em razão da periculosidade dele e a gravidade do crime (tráfico internacional de mais de quatro toneladas de cocaína).
O ministro Marco Aurélio, responsável por André estar fora da prisão atualmente, não integra mais o STF. Ele se aposentou em 2021.
Traficante solto por ministro do STJ retornou à cadeia por decisão colegiada do mesmo tribunal
A notícia da emissora CNN, que informa que o STJ soltou um chefe do PCC por considerar uma abordagem da Polícia Militar ilegal, foi publicada em junho de 2023. No vídeo checado, ela está desatualizada porque o caso sofreu alteração desde então. A pessoa envolvida está novamente presa.
Como relatou o Estadão, em junho de 2023, o ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, realmente anulou a condenação de Leonardo Vinci Alves de Lima, conhecido como Batata. Lima considerou que as provas utilizadas na condenação foram irregulares. Leonardo havia sido condenado a 10 anos de prisão, em 2020, por tráfico de drogas, após ser flagrado com 2 kg de cocaína por policiais militares de São Paulo.
Após passar cerca de um ano livre, o traficante retornou para a cadeia por decisão da Sexta Turma do STJ, que decidiu restabelecer a condenação. Para a anulação da condenação, o ministro entendeu que a busca pessoal feita pelos policiais foi motivada apenas pelo “nervosismo (do acusado) ao avistar a viatura policial”. Já a avaliação do colegiado foi de que a “fundada suspeita” justificaria a busca pessoal.
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Gilmar Mendes seguiu jurisprudência ao soltar preso com 188kg de cocaína
A manchete “Gilmar Mendes manda soltar traficante preso com 188 kg de cocaína” apresentada no vídeo é do site GP1. O texto informa que o ministro decidiu pela soltura, em dezembro de 2020, de uma pessoa presa pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) com grande quantidade de droga. Segundo a publicação, a decisão foi baseada em bons antecedentes e por o homem ser réu primário.
Não fica explicado um detalhe sobre a decisão, citado na notícia do site Antagonista sobre o caso: o acusado é apontado no processo como “mula”, como é chamada a pessoa que transporta a droga, e não a está comercializando.
Segundo o site, Mendes afirmou que “embora efetivamente a quantidade de droga apreendida seja expressiva, nos termos da jurisprudência da Segunda Turma deste STF, isso, por si só, não afasta a aplicação do redutor de tráfico privilegiado, se o caso caracterizar uma situação de ‘mula’, o que pode ser a hipótese dos autos. Assim, resta desproporcional a imposição de prisão preventiva”. A soltura, inclusive, foi mantida posteriormente pela Segunda Turma.
O Verifica consultou a decisão. O ministro afirmou ter se baseado em manifestação do Ministério Público Federal, favorável ao direito do homem de responder ao processo em liberdade mediante a imposição das medidas cautelares alternativas. Além disso, uma mulher presa junto ao homem, em circunstâncias semelhantes, já havia recebido o direito à prisão domiciliar.
A jurisprudência da Segunda Turma sobre casos envolvendo “mulas" é de que há a possibilidade da concessão do benefício do tráfico privilegiado para essas pessoas, a despeito da apreensão de grande quantidade de droga.
O tráfico privilegiado é aquele previsto no 4º parágrafo do artigo 33 da Lei de Drogas. Nele, as penas podem ser reduzidas em um sexto a dois terços do tempo total. Isso desde que a “mula” seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e nem integre organização criminosa.
O STF vem entendendo que a atuação no transporte de entorpecente, ainda que em grande quantidade, não significa, de modo automático, que o acusado seja parte da estrutura de organização criminosa ou que se dedique ao tráfico. Isso é considerado em outros habeas corpus julgados nos últimos anos pela Segunda Turma (2022, 2023 e 2024).
Confira:
STJ não alegou que 311kg de cocaína não são ‘suficientes’ para manter prisão
A manchete “STJ solta traficante alegando que posse de 311kg de cocaína não é ‘suficiente’ para prisão” foi publicada pelo Diário do Poder. O site informa que a Sexta Turma do STJ mandou soltar um réu, revogando sua prisão preventiva, sob a alegação de que não havia motivos suficientes para mantê-lo recolhido.
Apesar da sugestão no título de que o STJ teria considerado a quantidade de droga apreendida pequena, não é isso que diz o habeas corpus. Consta na decisão que “a prisão preventiva baseada tão somente na quantidade de droga apreendida (311 kg de cocaína), elementar do tipo penal, não é suficiente para ensejar a segregação cautelar, se não houver a demonstração de forma objetiva de que o paciente, primário, se dedique à prática criminosa”.
Ou seja, conforme o texto, ainda que a quantidade de droga apreendida seja expressiva, caso não se verifique nenhum outro elemento que justifique a prisão, não há fundamentos válidos para que seja decretada.
A legislação que apoia esse entendimento é detalhada na decisão. O relator do habeas corpus, o desembargador Olindo Menezes (convocado do Tribunal Regional Federal - TRF 1ª Região), explica que a prisão preventiva somente pode ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, conforme o artigo 312 do Código de Processo Penal.
Ele acrescenta que a lei que aperfeiçoa a legislação penal e processual penal, de 2019, também determina que para ser mantido preso, a liberdade do indivíduo precisa gerar algum perigo, o que não foi percebido no caso.
Consta no processo que pai e filho estavam em um veículo contratado para transportar droga. A decisão do STJ é sobre o filho, que acompanhava o pai e alegou desconhecer que estavam transportando a droga. O pai, por sua vez, assumiu que receberia R$ 50 mil pelo serviço quando foi preso. Em fevereiro deste ano, o filho foi absolvido das acusações e o pai condenado em primeira instância em regime aberto. Ele pode recorrer em liberdade.
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