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| - Circula nas redes sociais uma publicação que alega que Israel tem um plano secreto para “expulsar” todos os palestinianos dos territórios de Israel e da Palestina e para os enviar “para os EUA e Europa”.
A publicação fala de uma alegada “fuga de informação do plano do governo israelita: expulsar todos os palestinos e enviá-los para os EUA e Europa”.
“Um documento vazado do Ministério da Inteligência de Israel revela que o objetivo da guerra com Gaza é limpar etnicamente a população palestina e enviar os refugiados sobreviventes para a Europa e América do Norte”, alega ainda o texto.
A publicação inclui ainda uma imagem, uma captura de ecrã de uma suposta notícia em inglês com um título semelhante e ilustrada com uma imagem do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a discursar na assembleia geral das Nações Unidas empunhando um cartaz com o desenho de uma bomba.
A publicação contém ainda o link para a suposta fonte de informação — a tal “notícia” em inglês, publicada no site thepeoplesvoice.tv — e a tradução integral para um português de fraca qualidade do conteúdo daquele artigo.
Trata-se, contudo, de uma informação bastante manipulada e descontextualizada. Vejamos porquê ao detalhe.
Em primeiro lugar, a própria fonte da informação levanta suspeitas. O site thepeoplesvoice.tv é uma já conhecida fonte de notícias falsas e teorias da conspiração — um sucedâneo das páginas YourNewsWire e NewsPunch.
O Poynter Institute for Media Studies, que coordena a Rede Internacional de Fact-Checking (de que o Observador faz parte), já identificou esta página como uma das principais fontes de desinformação online, tendo já dezenas das suas publicações sido desmentidas por múltiplos meios de comunicação que integram a rede.
O artigo alega que em causa está um documento de 10 páginas, com data de 13 de outubro de 2023 e timbrado com o logótipo do “Ministério da Inteligência” de Israel, que “avalia três opções relativas ao futuro dos palestinianos na Faixa de Gaza”, propondo “uma transferência total da população como a sua linha de ação preferida”.
A principal recomendação, diz ainda o texto, é a de “evacuar a população civil [sic] para o Sinai”, estabelecendo “cidades de tendas e mais tarde cidades mais permanentes no norte do Sinai que absorverão a população expulsa”.
“Ao mesmo tempo, os governos de todo o mundo, liderados pelos Estados Unidos, devem ser mobilizados para implementar esta medida”, diz ainda o texto. “O documento também diz que os Estados Unidos deveriam ser incluídos no processo para exercer pressão sobre o Egito para absorver os residentes palestinos de Gaza, e que outros países europeus – particularmente Grécia e Espanha – bem como o Canadá deveriam ajudar a absorver e resolver os refugiados palestinos.”
Como em vários casos de desinformação online, esta publicação recorre a alguns elementos verdadeiros, mas tira-os do contexto, distorcendo a realidade da história.
Efetivamente, os meios de comunicação israelitas divulgaram, no final de outubro, o conteúdo de um documento elaborado por um gabinete de estudos do governo israelita sobre o assunto. Trata-se, segundo a Associated Press, de um documento com data de 13 de outubro (seis dias depois do ataque lançado pelo Hamas contra o território israelita) elaborado pelo Ministério das Informações, um gabinete de pequenas dimensões responsável pela elaboração de estudos, mas não pela implementação de qualquer política.
Nesse documento, são exploradas três hipóteses de solução estrutural para a Faixa de Gaza: apoiar a jurisdição da Autoridade Palestiniana sobre a Faixa de Gaza, apoiar um novo governo local em Gaza ou então a tal deslocação dos cerca de 2,3 milhões de habitantes de Faixa de Gaza para “cidades de tendas” no norte do Sinai, no Egito.
A divulgação do documento aprofundou as já graves tensões entre Israel e o Egito, que há vários anos teme que uma expulsão em larga escala dos palestinianos por parte de Israel crie uma crise de refugiados em território egípcio.
Efetivamente, o documento admite a possibilidade de os refugiados palestinianos não ficarem definitivamente no Egito no caso da implementação daquela terceira hipótese: países como a Turquia, o Qatar, a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes Unidos poderiam ser envolvidos no plano, contribuindo financeiramente para o realojamento dos palestinianos ou recebendo-os. O documento fala também da possibilidade de a política migratória bastante permissiva do Canadá ser aproveitada para o projeto.
Por outro o lado, o documento reconhece que o projeto de realojamento dos civis palestinianos seria “complicado em termos de legitimidade internacional”, embora contribuísse para a redução das “vítimas civis” nos combates na Faixa de Gaza contra o grupo extremista Hamas. São também referidos os Estados Unidos, a Grécia, Espanha e o Canadá como países que deveriam ajudar a pressionar no sentido da implementação do plano — mas não é certo o papel concreto que poderiam ter nesta proposta.
Depois da divulgação do documento na imprensa internacional, o gabinete de Benjamin Netanyahu desvalorizou o texto, classificando-o como um “documento conceptual, como os que são preparados em todos os níveis do governo e das agências de segurança” — e afirmando que não havia qualquer debate oficial em curso sobre o futuro de Gaza, estando Telavive focada em “destruir as capacidades de governo e militares do Hamas”.
O grupo extremista Hamas, que controla a Faixa de Gaza, lançou um ataque terrorista contra o território israelita no dia 7 de outubro. Estima-se que tenham morrido cerca de 1.200 pessoas nesse ataque, em que o Hamas raptou mais de 200 cidadãos israelitas, muitos deles libertados nos últimos dias ao abrigo de acordos para a troca de reféns por prisioneiros palestinianos.
Desde esse dia, Israel deu início a uma guerra de retaliação contra o Hamas na Faixa de Gaza que, de acordo com os números mais recentes, já matou perto de 16 mil pessoas.
Conclusão
É verdade que existe um documento interno do governo de Israel, preparado por um gabinete de estudos, que analisa várias opções para o futuro da Faixa de Gaza — incluindo a possibilidade de realojar os habitantes de Gaza no Egito e em países árabes e outros que, como o Canadá, tenham políticas migratórias mais permissivas. O documento reconhece, ainda assim, que a implementação desse cenário traria complicações em termos de “legitimidade internacional” ao país. É, contudo, abusivo classificar esse estudo incluído num documento de trabalho que explora vários cenários como um “plano do governo israelita”, dado como adquirido ou já decidido. O próprio governo israelita admitiu a existência de um “documento conceptual” sobre o assunto entre os muitos produzidos pelos departamentos do executivo, mas rejeitou a existência de qualquer decisão ou discussão formal.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALTA DE CONTEXTO: Conteúdos que sugerem uma declaração falsa sem a afirmar diretamente.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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