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| - Num ano em que Portugal volta a atravessar um período de seca, a notícia – avançada por diversos meios de comunicação social – tornou-se polémica: em Paços de Ferreira há quem abra as torneiras para poder poupar na fatura.
Ao Polígrafo, vários leitores colocaram a questão: é ilegal cobrar serviços mínimos de água, luz, gás ou outros serviços considerados essenciais?
Sim. Segundo o artigo 8.º da lei 23/96, de 16 de julho, “são proibidas a imposição e a cobrança de consumos mínimos”. O mesmo artigo proíbe a cobrança aos utentes de qualquer importância – seja preço, aluguer, amortização ou inspeção periódica – “pelos contadores ou outros instrumentos de medição dos serviços utilizados, assim como “qualquer taxa que não tenha uma correspondência direta com um encargo em que a entidade prestadora do serviço efetivamente incorra” – “à exceção da contribuição para o audiovisual”.
Segundo o artigo 8.º da lei 23/96, de 16 de julho, “são proibidas a imposição e a cobrança de consumos mínimos”.
A lei em questão aplica-se aos serviços de fornecimento de água, energia elétrica, gás natural e petróleo liquefeitos canalisados, comunicações eletrónicas, recolha e tratamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos, transporte de passageiros e serviços postais.
Segundo o tarifário aplicado no município de Paços de Ferreira – que está em vigor desde 2019 –, um cliente com um contrato doméstico que tenha acesso às redes de água e saneamento, mas não consuma água de abastecimento, paga uma taxa fixa de 17,47 euros pelo serviço de águas residuais. Se o contrato for “não doméstico” – aplicado a comerciantes e negócios – o valor da taxa, nas mesmas condições, sobe para 37,25 euros. No entanto, se os utentes gastarem um metro cúbico de água de abastecimento e um metro cúbico de saneamento, a soma dos dois parâmetros dá 10,65 euros para domésticos e 21,40 euros para não domésticos.
“O consumidor sente que lhe está a ser cobrado um valor que não consome. Tendo em conta esta interpretação, que nós temos, haverá aqui um ‘consumo mínimo’”, afirma Ernesto Pinto, fiscalista na Deco Proteste, ao analisar o tarifário. “O que paga quem não consome absolutamente nada será superior ao que paga quem consome um metro de água. Está a pagar o mesmo que paga quem consume sete a oito metros cúbicos de água”, prossegue.
“O consumidor sente que lhe está a ser cobrado um valor que não consome. Tendo em conta esta interpretação, que nós temos, haverá aqui um ‘consumo mínimo’”, afirma Ernesto Pinto, fiscalista na Deco Proteste, ao analisar o tarifário.
Para a Deco Proteste, esta cobrança poderá ser interpretada de duas formas: ou estão a ser cobrados consumos mínimos ou há uma desproporcionalidade no pagamento de serviços. “Se não estão a ser cobrados consumos mínimos, então que seja demonstrado que não estão a ser cobrados consumos mínimos. Se [a empresa] disser que aquilo é relativo a uma tarifa fixa, então existe desproporcionalidade. Eu enquanto cidadão não posso estar a pagar uma tarifa fixa pela disponibilização de um serviço, diferente de um consumidor que tenha as mesmas características que eu”, afirma Ernesto Pinto.
Contactada pelo Polígrafo, a Águas de Paços de Ferreira, uma empresa privada que tem a concessão do serviço no concelho, nega que estejam a ser cobrados serviços mínimos aos utentes. No entanto, remete para a autarquia a responsabilidade pelo tarifário atualmente em vigor: “A Águas de Paços de Ferreira é obrigada, por lei, a aplicar o tarifário que é determinado pela Câmara Municipal de Paços de Ferreira. É a autarquia que determina o tarifário e a concessionária aplica-o.”
“A Águas de Paços de Ferreira é obrigada, por lei, a aplicar o tarifário que é determinado pela Câmara Municipal de Paços de Ferreira. É a autarquia que determina o tarifário e a concessionária aplica-o.”
Por sua vez, a Câmara Municipal afirma que o tarifário foi proposto pela concessionária no âmbito de um processo negocial para a redução do custo de água em 50%, tendo sido posteriormente aprovado pela autarquia. Humberto Brito, presidente da Câmara de Paços de Ferreira, garante ao Polígrafo que os habitantes do concelho não têm de pagar se não consumiram, podendo contestar as faturas ou introduzir um caudalímetro – aparelho que mede o caudal – para contabilizar o saneamento usado.
“Quem propôs este tarifário foi as Águas de Paços de Ferreira, no âmbito de uma negociação para a redução do tarifário em 50%. Deu de um lado, impôs do outro. Quem não gastar água vai pagar saneamento, impôs-nos isso. E nós – não vou dizer que de forma errada – entendemos que havia pessoas com rede privada de água [poços ou furos artesianos] que deviam pagar saneamento. Mas isso atinge um conjunto de pequenos comércios que, efetivamente, não têm fontes alternativas de água a não ser a rede pública. Mas esses podem introduzir um caudalímetro e se não gastaram, efetivamente não pagar”, afirma Humberto Brito.
“Quem propôs este tarifário foi as Águas de Paços de Ferreira, no âmbito de uma negociação para a redução do tarifário em 50%. Deu de um lado, impôs do outro. Quem não gastar água vai pagar saneamento, impôs-nos isso. E nós – não vou dizer que de forma errada – entendemos que havia pessoas com rede privada de água [poços ou furos artesianos] que deviam pagar saneamento”.
O autarca sublinha que este valor de saneamento cobrado – cujo preço é superior ao aplicado a quem gasta 15 metros cúbicos de saneamento, tanto para domésticos como para não domésticos – foi uma das condições apresentadas pela empresa privada e que representa a cobrança de um montante mínimo de saneamento. Reconhece que as pessoas que usam água de poços e furos artesianos também injetam caudal no saneamento e, por isso, têm de pagar o serviço.
No entanto, o autarca afirma que a Câmara Municipal “está de mãos atadas” para resolver este problema, uma vez que qualquer tentativa de renegociar o tarifário resulta num aumento dos pedidos de compensação por parte da concessionária.
O contrato de concessão do serviço de águas e saneamento foi celebrado em 2004, no entanto, segundo o presidente, a empresa tem vindo a pedir reequilíbrios económico-financeiros desde o primeiro ano de funcionamento. Atualmente, o valor pedido ronda os 150 milhões de euros. A aplicação desta taxa fixa de saneamento para clientes que não consomem água foi fruto de uma negociação entre a câmara e a empresa para reduzir o tarifário de água cobrado aos munícipes e acabar com a taxa de disponibilidade.
“Para conseguir reduzir a água mais cara de Portugal houve concessões à empresa. Eles obrigaram a fixar um montante mínimo de saneamento para pessoas que não consome água e estão ligadas à rede. Sem isso não havia acordo”, explica Humberto Brito ao Polígrafo.
“Para conseguir reduzir a água mais cara de Portugal houve concessões à empresa. Eles obrigaram a fixar um montante mínimo de saneamento para pessoas que não consome água e estão ligadas à rede. Sem isso não havia acordo”, explica Humberto Brito ao Polígrafo.
O autarca acusa a empresa de ter voltado atrás com a palavra sobre o acordo alcançado com o município e o caso está atualmente no Tribunal Arbitral. O objetivo do executivo camarário é reverter o processo de concessão e retomar a gestão do serviço de água e saneamento para o município. “A Câmara Municipal está a fazer todas as diligências para reverter o processo e acabar com isto. Não podemos manter a negociar com uma empresa que não é de bem, que não honra a sua palavra”, garante o autarca.
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Avaliação do Polígrafo:
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