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| - Uma publicação que exibe o resultado de uma votação no Parlamento Europeu alega que foram aprovadas “alterações ao Tratado da União que retiram aos Estados poder de veto ’em mais de 65 domínios'”. Houve uma resolução neste sentido e foi aprovada pelo Parlamento Europeu em novembro do ano passado, mas uma alteração aos tratados europeus desta dimensão não é assim tão simples e não está fechada.
No texto, que está a ser partilhado por vários utilizadores do Facebook, consta que “a maioria do Parlamento Europeu votou a favor da introdução de alterações importantes no Tratado da União Europeia. A proposta exige a abolição do veto nacional em mais de 65 domínios políticos. Os dias da soberania nacional chegaram oficialmente ao fim. Isto é uma tomada de poder da UE”. Por baixo, uma imagem do resultado da resolução A0-0337/2023: 291 votos a favor, 274 contra e 44 abstenções.
A resolução em causa foi aprovada no dia 22 de novembro de 2023, como se pode ver neste vídeo do momento (no minuto 39:36), numa votação muito dividida que mostra a falta de consenso neste tema no Parlamento Europeu. Mas o que isto significa é apenas a ativação do processo para a revisão dos tratados, que está longe de estar concluído.
O Parlamento Europeu não tem poderes para fazer estas alterações, por isso o que votou e aprovou foi uma proposta de resolução a propor a diminuição significativa das decisões do âmbito europeu que exijam unanimidade dos votos dos Estados membros. Para avançar, este processo terá sempre de ser desencadeado pelo Conselho Europeu e através de uma Convenção.
De acordo com o Tratado da União Europeia, o “Governo de qualquer Estado membro, o Parlamento Europeu ou a Comissão podem submeter ao Conselho projetos de revisão dos Tratados. Esses projetos podem, nomeadamente, ir no sentido de aumentar ou reduzir as competências atribuídas à União pelos Tratados. Os projetos são enviados pelo Conselho [da UE] ao Conselho Europeu e notificados aos parlamentos nacionais”. O que isto quer dizer é que o primeiro passo já se deu, mas terão de ser os chefes de Estado e de Governo dos 27 a decidir, no Conselho Europeu, por maioria simples, a criação da Convenção para dar seguimento ao processo.
“Se o Conselho Europeu, após consulta ao Parlamento Europeu e à Comissão, adotar por maioria simples uma decisão favorável à análise das alterações propostas, o Presidente do Conselho Europeu convoca uma Convenção composta por representantes dos Parlamentos nacionais, dos Chefes de Estado ou de Governo dos Estados membros, do Parlamento Europeu e da Comissão”, refere o Tratado a este respeito.
O texto que foi aprovado pelo Parlamento Europeu faz um apelo precisamente “no sentido da alteração do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia” e “insta o Conselho [da União Europeia] a apresentar ao Conselho Europeu, de forma imediata e sem deliberação, as propostas constantes da presente resolução e refletidas no respetivo anexo”, exortando ao mesmo tempo “o Conselho Europeu a convocar, o mais rapidamente possível, uma Convenção”.
No mês seguinte à aprovação, em dezembro de 2023, o Conselho Europeu comprometeu-se a abordar “reformas internas” nas reuniões seguintes “com vista à adoção, até ao verão de 2024, de conclusões sobre um plano para trabalhos futuros”.
O que a resolução que foi aprovada propõe é o “reforço da capacidade de ação da União, aumentando consideravelmente o número de domínios em que as ações são decididas através da votação por maioria qualificada e do processo legislativo ordinário”. Há matérias em que a UE só avança se for alcançado um consenso entre todos os Estados membros, ou seja, através uma votação por unanimidade em que um só Estado membro pode bloquear todo o processo (o tal poder de veto nacional).
O número de domínios políticos obrigados a unanimidade na União Europeia foi reduzindo ao longo dos tempos, com o Tratado de Lisboa, que vigora desde 2009, a reduzir novamente esse conjunto. Hoje, as matérias sujeitas a votação por unanimidade são as relativas a fiscalidade, segurança social ou a proteção social, adesão de novos Estados membros, política externa e de segurança comum (PESC), incluindo a política comum de segurança e defesa (PCSD) e cooperação policial operacional entre os Estados membros.
A exigência de unanimidade em algumas questões tem sido apontada como um bloqueio ao avanço da UE, com os interesses nacionais a poderem travar decisões mesmo que tenham largo apoio dos restantes Estados membros. O relatório da resolução colocava estas alterações como surgindo precisamente no sentido do “reforço da capacidade de ação da União, aumentando consideravelmente o número de domínios em que as ações são decididas através da votação por maioria qualificada e do processo legislativo ordinário”.
Um dos exemplos em que a resolução pretende a mudança da metodologia é na área da política externa, de segurança e defesa da UE, onde se defende que decisões sobre sanções e algumas medidas do processo de alargamento possam ser tomadas por maioria qualificada em vez da atual unanimidade. O mesmo para a “negociação e celebração de acordos nos domínios do comércio de serviços e dos aspetos comerciais da propriedade intelectual”.
Conclusão
O Parlamento Europeu não aboliu o direito de veto. O que fez foi uma resolução para iniciar o processo de revisão dos tratados europeus que inclua a redução das matérias onde se exigem decisões por unanimidade. Este órgão não tem poderes para avançar com este processo sozinho, pelo que só pode fazer uma proposta (como esta que foi aprovada por uma estreita margem) ao Conselho Europeu que, por sua vez, terá de criar uma Convenção, composta por representantes dos Parlamentos nacionais, dos chefes de Estado ou de Governo dos Estados membros, do Parlamento Europeu e da Comissão, para avançar com alterações aos tratados. O que está em causa na resolução aprovada não é o fim do direito de veto nacional, mas apenas a revisão (já feita no passado) da lista de matérias que têm de ser decididas por unanimidade na União Europeia.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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