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| - No contexto de uma grande controvérsia pública, o passado de Diogo Pacheco de Amorim como militante do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), movimento armado de extrema-direita dos tempos do Processo Revolucionário em Curso (PREC), tem sido apontado como o principal motivo para a previsível rejeição do seu nome como candidato do partido Chega a uma das vice-presidências da Mesa da Assembleia da República. Mas as declarações que proferiu a 7 de fevereiro, na rádio Observador (à tarde) e na SIC Notícias (à noite), não terão contribuído para desanuviar a tensão. Muito pelo contrário.
Na rádio Observador, questionado sobre o conteúdo de um artigo de opinião que publicou na página do Chega em dezembro de 2019 – no qual defendeu “a necessidade de fazer frente” à “invasão” dos “movimentos migratórios”, embora ressalvando que são “bem-vindos os de todas as raças desde que respeitem a nossa raça” e “os de todas as cores desde que respeitem a nossa cor” -, Pacheco de Amorim afirmou que “a nossa cor de origem é a cor branca” e “a nossa raça é a raça caucasiana“. Algumas horas mais tarde, na SIC Notícias, reiterou a mesma ideia, assegurando que “é um facto objetivo que há raças e há cores“.
Essas alegações sobre a “cor” e a “raça” dos portugueses têm algum fundamento científico?
O Polígrafo procurou respostas junto de Paulo Rodrigues Santos, investigador no Instituto de Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, e de Luísa Pereira, geneticista do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde. Ambos chegam à mesma conclusão: não faz sentido dizer que os portugueses são de “raça caucasiana“.
Paulo Rodrigues Santos explica que “a população portuguesa é uma mistura de diversas populações que foram residindo no nosso território” e, por isso, “não temos uma população homogénea“. Como tal, “não podemos afirmar que é uma população, por definição, caucasiana, que veio do Cáucaso e que tem essa pureza, como tem sido afirmado”.
Por sua vez, Luísa Pereira, investigadora e autora do livro “O Património Genético Português” (Gradiva, 2016), sublinha que “as populações humanas são altamente dinâmicas“, porque “desde a sua origem como espécie, estiveram sempre a migrar, a trocar genes“.
“Somos uma espécie tão recente e conseguimos rapidamente um sucesso geográfico tremendo. Estamos em todos os cantos do mundo, em todos os habitats. Isto é graças a uma mobilidade muito grande e a uma troca de genes muito acentuada. Portanto, uma população não é uma coisa fechada, está sempre a receber fluxo genético de muitas origens e a nossa população mostra isso”, sustenta.
A investigadora do i3S recorda que “o termo caucasiano foi um termo introduzido no século XVIII por um antropólogo, Johann Friedrich Blumenbach, quando andavam a medir crânios, e é um termo que não se adequa, geneticamente não tem validade nenhuma“.
“O que é que é ser caucasiano? É um tipo standard da região do Cáucaso? Essas populações são muito enriquecidas em ancestralidade da Ásia Central e da Ásia do Sul. A população portuguesa assenta nesse tipo? Nem por isso“, conclui.
“Ser português é abarcar todas essas migrações”
E que povos tiveram influência genética nos portugueses? Para responder a esta questão, Luísa Pereira começa por salientar que “a Europa começou a ser colonizada e habitada pela nossa espécie há cerca de 45 mil anos e, portanto, desde essa altura que tem havido várias migrações”.
Posto isto, “no período histórico temos bastante conhecimento de todas as migrações que enriqueceram a Ibéria e Portugal, nomeadamente. São portugueses os judeus sefarditas que chegaram e que já cá estavam no século VI, os árabes que invadiram o Norte de África e que vieram com os berberes e invadiram a Península Ibérica, os africanos que foram introduzidos em Portugal muito acentuadamente no período pós-Descobertas… E o nosso genoma reflete tudo isso“. Em suma, “ser português é abarcar todas essas migrações que vieram e que trocaram genes entre toda a população”.
Paulo Rodrigues Santos aponta no mesmo sentido, indicando que “os investigadores que se dedicaram ao estudo genético e linguístico das populações da Península Ibérica demonstram que há influências de populações vindas do Norte de África, do Norte da Europa, populações mediterrânicas“. Ou seja, “a população portuguesa resulta de contributos ao longo do tempo, com diferentes fluxos migratórios, de populações que vêm destes territórios”.
“O conceito de ‘raça’ não tem validade nenhuma”
Cientificamente, o conceito de “raça” continua a fazer sentido? Também nesta questão, a resposta dos investigadores é unânime: o conceito de “raça” não tem qualquer validade científica no que diz respeito à população humana. Paulo Rodrigues Santos sublinha que este termo “foi abandonado, porque não é rigoroso e porque não representa o conceito do que é uma espécie diferente”.
O investigador conclui que “em termos científicos, é a espécie que deve ser referida e somos todos da espécie Homo sapiens sapiens… E é isso que interessa”.
Na mesma linha de pensamento, Luísa Pereira assegura que “o conceito de raça não tem validade nenhuma“, visto que “somos uma espécie muito recente” e que, “em média, dois seres humanos diferem apenas em 0,1% do seu genoma, uma coisa mínima“. Por isso, na visão da geneticista, “valorizar essa pequena percentagem e esquecer os 99,9% do genoma que partilhamos não tem qualquer validade”.
A autora do livro “O Património Genético Português” reitera que “as populações não são estanques” e utiliza um exemplo “paradigmático e importante” para suportar esta tese:
“Descobriu-se há pouco tempo um esqueleto no Reino Unido datado de há 10 mil anos, que ficou conhecido como ‘o homem de Cheddar‘, e foi possível recolher o genoma destas ossadas e inferir algumas características. Este homem tinha olhos azuis e a sua pele era muito escura. Portanto, há 10 mil anos, um habitante de Inglaterra tinha a pele muito escura. Isto ensina-nos muita coisa sobre o dinamismo temporal destas características.”
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Avaliação do Polígrafo:
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