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| - “O senhor ministro é ministro da República e devia ter mais solidez jurídica. O aborto em Portugal não criminalizava a mulher desde 1984. Tenha atenção. A lei n.º 6/84, cujo título é ‘exclusão de ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez’, vinha descriminalizar a mulher. Quem era criminalizado era quem, por qualquer motivo e sem consentimento da mulher grávida, fizesse abortar. Ou seja, quem era criminalizado era o perpetrador do aborto e não a mulher”, argumentou Pedro dos Santos Frazão, deputado do Chega, durante a audição do ministro da Saúde no Parlamento, a 5 de abril.
Em intervenção anterior, Manuel Pizarro tinha enaltecido os efeitos da descriminalização do aborto em Portugal após o referendo de 2007 que aprovou essa alteração legislativa. Ao refutar o ministro da Saúde, o deputado Chega recordou até as célebres declarações de Marcelo Rebelo de Sousa (quando ainda não tinha sido eleito Presidente da República) sobre o tema.
“Os senhores deputados até se lembrarão, em 2007, quando houve a discussão do aborto, o professor Marcelo veio dizer: ‘O aborto faz mal? Faz. É crime? Não? Pode-se fazer? Não’. Em 2007, o que aconteceu não foi a descriminalização do aborto para a mulher, foi a legalização do aborto no Serviço Nacional de Saúde. E os senhores deputados deviam ter mais solidez jurídica e não terem que passar pela vergonha de vir aqui um médico veterinário dar-vos uma lição de Direito“, sublinhou.
As palavras de Frazão geraram risos mas também expressões de indignação. Em resposta, o ministro da Saúde classificou o deputado como “um caso incurável”, já que “combina ignorância com arrogância“. E explicou: “A lei a que o senhor deputado se refere despenalizou a prática da Interrupção Voluntária da Gravidez em casos muito específicos, como risco comprovado de malformação, de morte da mãe ou de violação. Portanto, só com o referendo de 2007 é que houve descriminalização da prática da Interrupção Voluntária da Gravidez a pedido da mulher. Sobre isso não resta nenhuma dúvida.”
Afinal, quem tem razão?
Em Portugal, de facto, a prática de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) ou aborto foi descriminalizada com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2007, que excluiu a ilicitude da IVG e permitiu às mulheres o aborto seguro e gratuito até às 10 semanas de gravidez. A lei a que Frazão se refere, a Lei n.º 6/84, determinou que “quem, por qualquer meio e sem consentimento da mulher grávida, a fizer abortar será punido com prisão de 2 a 8 anos”. Por outro lado, “quem, por qualquer meio e com consentimento da mulher grávida, a fizer abortar, fora dos casos previstos no artigo seguinte, será punido com prisão até 3 anos”.
E que casos são estes? Aqueles em que o aborto “constitua o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida”; em que “se mostre indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez”; em que “haja seguros motivos para prever que o nascituro venha a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação, e seja realizado nas primeiras 16 semanas de gravidez”; e/ou em que “haja sérios indícios de que a gravidez resultou de violação da mulher, e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez”.
Apesar de não ser punível nestes casos, todos os outros continuavam sujeitos a pena de prisão. E, ao contrário do que disse Frazão, esta pena não se aplicava apenas ao perpetrador, mas também à mulher grávida: “Na mesma pena incorre a mulher grávida que, fora dos casos previstos no artigo seguinte, der consentimento ao aborto causado por terceiro, ou que, por facto próprio ou de outrem, se fizer abortar.”
Em 2007, após o referendo, a despenalização foi concretizada de forma geral. Segundo a nova lei, “não é punível a interrupção da gravidez efetuada por médico, ou sob a sua direção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida“.
Isto quando “houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo”, ou ainda quando esta “for realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez”.
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Avaliação do Polígrafo:
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