schema:text
| - “Estudos de climatologia não faltam para desmascarar a eventual ação antrópica no ‘aquecimento global’”, lê-se numa publicação partilhada numa página de Facebook com mais de 13.500 seguidores. O autor da publicação elenca uma série de supostos relatórios e artigos, tentando demonstrar que o facto de existirem cientistas a negar o impacto da atividade humana no aquecimento global prova que as ações dos seres humanos não estão relacionadas com as alterações climáticas.
O indesmentível aquecimento global – comprovado pelo aumento da temperatura média nas últimas décadas – tem gerado discussão sobre as suas causas e, por vezes (embora com menor intensidade e frequência), até a sua própria existência tem sido questionada. Ao consenso científico que aponta para uma origem maioritariamente antrópica, ou seja, devido à ação humana, tem-se oposto uma corrente que reclama não haver evidência científica de que esse fenómeno seja consequência do comportamento do homem, logo considera-o de origem natural.
É neste movimento que se inscreve a publicação da conta de Facebook acima citada, que faz menção a diversas referências bibliográficas e é ilustrada por três gráficos sem contextualização. Nos últimos anos, alguns cientistas expressaram publicamente a sua discordância relativamente àquilo que se afigurava como uma evidência: a atividade humana, como agente poluidor, ser a grande responsável pela intensificação do efeito estufa, que resulta no aquecimento global do planeta e respetivo desequilíbrio ambiental.
Exemplos flagrantes deste posicionamento são as diversas declarações do climatologista referido nesta publicação (o brasileiro Ricardo Augusto Felício) ou de Judith Curry, investigadora que integrou até 2010 o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC).
Mas os estudos e dados que vão sendo apresentados são suficientes para concluir que afinal a ação humana não tem influência no aquecimento global?
Para obter resposta, o Polígrafo contactou o especialista em alterações climáticas Filipe Duarte Santos, que considera incontroverso ser o Homem o maior responsável pelo aquecimento global da Terra: “Antes da revolução industrial, o nível de ppmv [partes por milhão em volume] era de 0,028%, depois desta já vai em 0,042%. É um aumento de 50 por cento, verificável em diferentes pontos do mundo, que decorre da combustão dos combustíveis fósseis”.
O professor universitário e também presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável explica que o aumento da emissão de gases com efeito estufa (dióxido de carbono, metano entre outros) está na origem da subida da temperatura e exemplifica o seu poder: “Na terra, se não houvesse gases com efeito estufa, a temperatura média seria – 18 graus Celsius. A sua existência faz com que esse valor seja 15 graus [positivos], portanto uma amplitude de 33 graus. São estes gases que permitem a existência da vida humana, mas pela diferença de temperatura de que são responsáveis também se percebe o efeito que podem ter no ambiente, se a sua emissão não diminuir.”
Filipe Duarte Santos afirma que “o consenso da comunidade científica sobre a grande influência de origem antrópica no aquecimento global é superior a 95 por cento” e alerta para os interesses económicos, designadamente em alguns “think tank”, que alimentam conclusões em sentido contrário, convenientes para os seus financiadores, “tantas vezes da área petrolífera”.
É, assim, falso que não haja impacto da ação humana no aquecimento global, sendo inclusive este o principal fator para o aumento da temperatura na Terra, e a opinião contrária de alguns cientistas não é suficiente para “desmascarar” esta evidência.
___________________________________
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.
|