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| - No debate de ontem na Assembleia da República, pressionado por Rui Rio, líder do PSD, no que concerne aos encargos para o Estado com o processo de venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star, em 2017, o primeiro-ministro António Costa sublinhou que “o Novo Banco ou era vendido ou era liquidado” e defendeu que a venda “evitou um desastre” financeiro para Portugal.
Mais concretamente, segundo Costa, “protegeu o interesse público, garantiu a estabilidade do sistema financeiro e evitou o risco sistémico da liquidação do Novo Banco”.
Nessa mesma intervenção, o primeiro-ministro exibiu depois um gráfico com a evolução da taxa de juro das obrigações da dívida pública de Portugal entre janeiro de 2017 e maio de 2021. Dirigindo-se a Rio, afirmou: “Peço-lhe um segundo da sua atenção para ver este gráfico. Este gráfico é a evolução da taxa de juro da República. Sabe qual é o momento em que se dá a inversão da taxa de juro e se inicia esta descida constante e muito acentuada? Foi imediatamente a seguir à venda do Novo Banco e a garantia internacional de que as finanças públicas portuguesas não seriam oneradas com uma nova crise do sistema financeiro”.
A implicitamente sugerida relação de causa/efeito (entre a venda do Novo Banco e o início de uma “descida constante e muito acentuada” da taxa de juro da dívida pública) tem algum fundamento?
Começando pelo gráfico empunhado pelo primeiro-ministro no debate parlamentar, os dados estão corretos (pode conferir aqui), mas importa desde logo ter em atenção que a venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star só foi concretizada em outubro de 2017, ao passo que a taxa de juro da dívida pública já estava a diminuir acentuadamente desde março do mesmo ano.
Aliás, em fevereiro e maio de 2018 registaram-se dois aumentos circunstanciais da taxa de juro que voltou então praticamente ao mesmo nível de outubro de 2017, o que também contraria a ideia de “descida constante” (supostamente iniciada em outubro de 2017, “imediatamente a seguir à venda do Novo Banco”) que Costa defendeu ontem no Parlamento.
Por outro lado, a alegação do primeiro-ministro revela-se ainda mais enganadora ao analisarmos os dados anteriores a 2017 (pode conferir aqui).
Ora, recuando até 2012, a escala do gráfico (com os mesmos dados entre 2017 e 2021) apresenta uma perspetiva da realidade dos números completamente distinta: a taxa de juro da dívida pública começou a diminuir acentuadamente no início de 2012, após um pico histórico registado a 23 de janeiro desse ano; a descida verificada em 2017 foi muito menor e, aliás, baixou para um nível que já tinha atingido momentaneamente em março de 2015.
Não por acaso, recorde-se, foi no dia 26 de julho de 2012 que o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, disse estar preparado para fazer “tudo o que for necessário” para garantir a sobrevivência da moeda única. “Durante o nosso mandato, o BCE está preparado para fazer o que for necessário para preservar o euro e acreditem que tal será suficiente“, assegurou. Desde então que esta declaração do presidente do BCE tem sido apontada como o momento-chave de inflexão da escalada das taxas de juro, possibilitando superar a crise das dívidas soberanas na União Europeia.
Outro momento-chave foi no dia 22 de janeiro de 2015, quando o BCE lançou o mecanismo quantitative easing de compra de dívida soberana dos países da Zona Euro à banca comercial, exponenciando a diminuição das taxas de juro.
Questionado pelo Polígrafo, Ricardo Cabral, economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa, aponta no mesmo sentido, considerando que a relação de causa/efeito sugerida pelo primeiro-ministro não parece ter fundamento.
“Provar uma razão de causalidade é o mais difícil que existe. Foi uma coincidência, não tem nada a ver. Isso só mostra que o primeiro-ministro está sob pressão. Até pode ter ocorrido essa diminuição, mas provavelmente explica-se por outros fatores, nomeadamente a política monetária do BCE, ou o programa de compras da dívida. O facto de duas coisas acontecerem ao mesmo tempo não quer dizer que exista uma relação de causalidade”, afirma.
Por sua vez, João Luís Duque, economista e professor catedrático do ISEG, sublinha que a alegada causalidade é muito difícil de “confirmar ou desmentir”.
“É evidente que há uma componente que é o crédito do país e portanto, eventualmente, uma falência de um banco importante e sistemático como o Novo Banco traria uma consequência reputacional que poderia eventualmente expressar-se em termos de aumento de custo de capital para a República”, ressalva.
No entanto, Duque conclui que “é muito difícil António Costa provar que, se houvesse insolvência do Novo Banco, os juros não continuavam a descer“.
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Avaliação do Polígrafo:
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