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| - Depois de gastar algum do seu tempo útil de intervenção a expressar solidariedade com os órgãos de comunicação social do grupo Impresa, alvo de um ataque informático, António Costa foi ao tema que abriu o debate deste domingo, na SIC:
“Nós temos, ao longo destes seis anos, feito um esforço muito grande para recuperar o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em primeiro lugar, na primeira legislatura, conseguimos recuperar todos os cortes que tinham sido feitos na legislatura anterior. Nestes dois anos fizemos já dois reforços muito significativos, ainda antes da Covid-19, e em termos líquidos nós temos hoje mais 28 mil profissionais no SNS do que em 2015″, introduziu o primeiro-ministro e secretário-geral do PS.
“O que aconteceu com os médicos de família, é verdade que esse nosso objetivo não foi alcançado ainda, mas não foi alcançado por dois motivos”, justificou Costa. “Por um lado, porque o número de utentes aumentou significativamente e isso é positivo. Por outro lado, nós temos que tornar mais atrativa a carreira de Medicina Geral e Familiar. E é por isso que temos dois compromissos muito importantes: a criação de incentivos para a locação de médicos de família nas zonas mais carenciadas; generalizar o modelo de Unidade de Saúde Familiar (USF) para cobrir 80% da população”.
Será que a correlação estabelecida pelo primeiro-ministro entre o aumento do número de utentes e de utentes sem médico de família tem fundamento?
O número de utentes inscritos em Cuidados de Saúde Primários (CSP) variou substancialmente nos últimos anos, a par com o número de utentes sem médico de família. Mas será que a corda que os puxava era a mesma?
Em janeiro de 2016, no início da primeira legislatura de António Costa, havia em Portugal 10.235 milhões de utentes inscritos em CSP. Desses, apenas 750.767 não tinham médico de família. Um mês depois, e apesar da diminuição do número de utentes inscritos para perto de 10 milhões, a fatia que continua sem médico de família aumentou, passando a ser de mais de um milhão de portugueses.
Este valor só voltou a baixar no final de 2016 e início de 2017, a par de uma diminuição do número total de utentes, como se verifica nos gráficos apresentados neste artigo (recolhidos a partir do portal Transparência do SNS). Desde então, não houve mudanças significativas nem períodos de correlação que possam corroborar inteiramente a afirmação de Costa. Excepto em 2019 e nos primeiros meses de 2020, quando uma subida ligeira do número de utentes inscritos parece coincidir com uma subida dos utentes sem médico de família atribuído.
Entre outubro de 2019 e setembro de 2020 registou-se um aumento quase constante que culminou em 1.022.678 pessoas sem médico de família, um número que baixou de forma abrupta em outubro desse mesmo ano, quando foram registados 860 mil utentes sem acesso a essa especialidade.
Quanto ao número de utentes inscritos, no mesmo período houve subidas e descidas frequentes que não permitem traçar uma correlação evidente entre as duas variáveis. Ainda assim, e atentando no gráfico, é notório o aumento de utentes desde dezembro de 2017, um valor que tem atingido novos máximos desde meados de 2019.
A partir de maio de 2020 e até dezembro de 2021, nunca se verificou uma descida do número de utentes inscritos em CSP, sendo que no último mês do ano passado alcançou-se um total de 10.477.387 utentes inscritos, dos quais 1.139.340 sem médico de família atribuído.
Desde junho de 2021 que o país ultrapassou a barreira de um milhão de pessoas sem acesso a médico de família, um número que Costa tinha prometido igualar a zero no início do seu primeiro mandato como primeiro-ministro.
Também podemos analisar os números sob o ângulo da proporcionalidade. Há agora mais 242.084 utentes inscritos e mais 388.573 utentes sem médico de família. Em janeiro de 2016, o número de utentes sem médico de família representava 7,3% do total de utentes inscritos nessa altura. Em dezembro de 2021, o número de utentes sem médico de família passou a equivaler a cerca de 10,9% do total de utentes inscritos.
Em suma, Costa tem alguma razão quando invoca um “aumento significativo” do número de utentes em Portugal, mas o número de utentes sem médico de família registou um aumento bastante mais significativo e passou de uma proporção de 7,3% para 10,9% do total. Por outro lado, não se vislumbra uma correlação evidente entre as duas variáveis, na medida em que até houve períodos em que a primeira subiu ao mesmo tempo que a segunda baixou.
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Avaliação do Polígrafo:
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