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  • Uma fila cerrada de polícias à porta de uma igreja. Uma multidão que aguarda cá fora e um padre que tenta entrar. Sem sucesso. Os agentes mal se mexem, mas deixam claro que não o querem deixar passar. O padre acaba por falar aos meios de comunicação social que também estão presentes: “Não temos direito a celebrar o culto na Nicarágua. Não temos direito a celebrar a Eucarista”, afirma. O vídeo que mostra esta situação foi partilhado numa conta de Instagram brasileira no dia 18 de agosto. Na legenda, descreve-se assim a situação: “Daniel Ortega, da Nicarágua, ordenou que as igrejas católicas do país sejam fechadas e que os cultos sejam proibidos. Por enquanto os padres não estão sendo presos, mas fontes locais dizem que é só uma questão de tempo até isso acontecer.” A afirmação é a de que o Presidente da Nicarágua — que depois de 11 anos no poder na década de 1980 regressou em 2006 e mantém-se no cargo desde então — estará a fechar todas as igrejas católicas do país e a proibir a celebração de missas. O vídeo, em teoria, ilustra um dos momentos em que uma das igrejas do país foi encerrada. Mas será mesmo assim? A origem do vídeo em que fiéis são proibidos de entrar numa igreja Comecemos por procurar a origem do vídeo em questão. Na imagem é possível ver que tem a marca de água do Artículo 66, um órgão de comunicação social independente do país fundado pelo jornalista Álvaro Navarro, que tem dado conta das dificuldades de exercer a profissão sob a liderança de Ortega. Uma pesquisa mais fina, porém, permite-nos descobrir que o vídeo original remonta a 2019. Partes do vídeo estão disponíveis numa publicação feita pela agência Reuters e replicada pelo jornal espanhol El País. O jornal explica, numa notícia de novembro de 2019, o contexto em que aquelas imagens foram captadas. Passa-se tudo na paróquia de San Miguel Arcángel, na cidade de Masaya, liderada à altura pelo padre Edwing Román. Naquele mês de novembro, o pároco decidiu prestar auxílio a 14 pessoas que estavam em greve de fome, exigindo a libertação dos seus familiares — a cumprir pena por terem participado nas manifestações contra o regime sandinista no ano anterior, nas quais morreram mais de 300 pessoas, sobretudo devido à repressão policial. Em reação, a polícia da Nicarágua cercou a igreja e cortou a eletricidade e água do edifício. O padre Román permaneceu dentro do edifício juntamente com os familiares dos presos ao longo de vários dias, como o próprio comprovou em fotografias que divulgou na sua conta de Twitter. He celebrado Misa Dominical a puertas cerradas en la Capilla del Santísimo de mi Parroquia; con las madres de los PP orando por la libertad de todos ellos,rodeados de policías, antimotines y paramilitares asediandonos.#SOSNicaragua pic.twitter.com/zM5Xac3emz — Edwing Román (@EdwingRoman14) November 17, 2019 O pároco também comprovou que o acesso à igreja estava a ser vedado aos fiéis pela polícia. Una mujer cargando su hijo, se le arrodilla a la “policía” de Nicaragua, para que la permita ingresar a la Parroquia San Miguel Arcángel de Masaya, el 14 de Noviembre 2019, para visitar y orar al Santísimo Sacramento, y no se le permitió. La policía de Nicaragua nos asedia. https://t.co/8uBFIigUgH pic.twitter.com/8HMgLJkYrF — Edwing Román (@EdwingRoman14) November 3, 2020 O vídeo, prova, contudo, que as imagens em causa têm mais de dois anos. Note-se ainda que o vídeo não poderia ter sido captado nos últimos dias, pois o padre Román está no exílio desde janeiro deste ano. Com uma saúde debilitada, abandonou a paróquia e está atualmente em Miami (EUA), como confirmou o arcebispo de Manágua à altura. A tensão entre o regime de Ortega e a Igreja que remonta a 2018 É por isso certo que o vídeo é verdadeiro, mas que não diz respeito ao encerramento das igrejas católicas de toda a Nicarágua — que, aliás, não foi decretado pelo Presidente Ortega. Significa isso que a afirmação é totalmente fabricada? Não exatamente. Embora as igrejas católicas se mantenham, por enquanto, oficialmente abertas, a liberdade de culto no país tem sido limitada desde que rebentaram os protestos de 2018 e vários responsáveis da Igreja Católica no país apoiaram os manifestantes. Desde então, o regime de Ortega tem acusado vários bispos e padres de estarem a auxiliar alegadas tentativas de golpe de Estado. Este verão, a tensão entre Ortega e a Igreja tem-se acentuado. Em julho, o governo encerrou a associação da Missionárias da Caridade e expulsou 18 freiras da congregação do país. Já no início de agosto, ordenou o encerramento de seis emissoras católicas, como confirma a agência de notícias espanhola EFE. A realização de vários atos religiosos tem ocorrido debaixo de vigilância policial desde então. Já este mês, o governo proibiu a realização de uma procissão e colocou um aparatoso dispositivo policial na missa que se celebrou nesse dia na catedral de Manágua. No dia 19 deste mês, a tensão subiu de tom. Vários agentes da polícia entraram no Palácio Episcopal da Diocese de Matagalpa e detiveram o bispo Rolando Álvarez e outras sete pessoas. Álvarez — um conhecido crítico de Ortega — está agora formalmente acusado de “organizar grupos violentos” com o propósito de “atacar as autoridades constitucionais” e mantém-se em prisão domiciliária. A situação é de tal forma grave que já levou à reação do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que se diz “muito preocupado” com as atitudes do Estado da Nicarágua face a organizações da sociedade civil como a Igreja Católica e destacou o caso de Álvarez. Também o Papa Francisco disse sentir “preocupação e tristeza” perante a situação no país. Conclusão: É verdade que o regime de Daniel Ortega tem disputado um braço-de-ferro com a Igreja Católica na Nicarágua desde 2018, que parece ter escalado nestes últimos dois meses, e que a liberdade de culto tem sido limitado em alguns momentos. Não foi, contudo, decretado o encerramento de todas igrejas nem formalmente proibido o exercício da liberdade religiosa. O vídeo utilizado, embora diga respeito a uma ação policial contra uma igreja que foi fechada ao público, remonta a 2019. Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é: ENGANADOR No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é: PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta. NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook.
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