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  • A endogamia no Governo tem marcado a atualidade das últimas semanas e já serviu de bala na ocasional troca de disparos entre Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente da República, em reação aos sucessivos casos de relações familiares no Executivo de António Costa, chutou a responsabilidade das nomeações para o seu antecessor. A resposta chegou esta tarde pela voz do próprio Cavaco Silva, argumentando que a atual composição do Governo “não tem comparação” com aquela a que deu posse. No fim, adiantou que enquanto foi primeiro-ministro nunca houve uma relação familiar nos seus executivos. “Por curiosidade, fui verificar a composição dos meus três governos durante os dez anos em que fui primeiro-ministro e não detetei lá – espero não me ter enganado – nenhuma ligação familiar”, disse. O Observador fez o mesmo exercício e encontrou pelo menos três: a mulher de Marques Mendes foi nomeada adjunta do gabinete do ministro Álvaro Amaro quando o agora comentador era Ministro Adjunto; Durão Barroso era Secretário de Estados dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação quando o seu tio Diamantino Durão assumiu o Ministério da Educação; e Leonor Beleza, então Ministra da Saúde, além de ter feito parte do mesmo Governo que o seu irmão, Miguel Beleza, delegou competências na sua mãe, Maria dos Prazeres Lançarote Couceiro da Costa. O que está em causa? O ex-Presidente da República Aníbal Cavaco Silva esteve esta tarde na Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã, para falar da construção europeia e do futuro do Euro. À saída, tinha alguns jornalistas à espera. Mais do que o interesse que o evento podia eventualmente suscitar, a comunicação social procurava uma reação às acusações lançadas na terça-feira por Marcelo Rebelo de Sousa. Na primeira reação à polémica relacionada com as ligações familiares existentes no atual Executivo, na terça-feira, o Presidente da República afirmou que se limitou a aceitar as nomeações feitas por Cavaco Silva em 2015, aquando da tomada de posse do Executivo. Marcelo Rebelo de Sousa referia-se “aos quatro membros do Governo com relações familiares com assento no Conselho de Ministros”. “Parti do princípio de que o Presidente Cavaco Silva, ao nomear aqueles governantes, tinha ponderado a qualidade das carreiras e o mérito para o exercício das funções”, disse ainda. A declaração só ficou completa quando o Chefe de Estado tentou lavar as mãos de nomeações de familiares seus. “Tenho sobre essa matéria uma posição muito pessoal. Tive-a ao longo da minha vida política e também agora no exercício da presidência, que é o entender de que a família de Presidente não é Presidente. Portanto, nisso peco por excesso”, disse. Era a reação a estas declarações que os jornalistas presentes na UBI pretendiam captar. E ela chegou. Em declarações registadas pela RTP, Cavaco Silva começou por dizer que não existe comparação entre a composição do Governo a que deu posse e o atual elenco. Seguiu-se um ataque indireto à prática endogâmica de nomeações: “Pelo que li, parece que não há comparação com nenhum outro país democrático desenvolvido”. Cavaco Silva responde a Marcelo: “Não há comparação possível em relação ao governo que dei posse em 2015” A resposta a Marcelo estava dada, e feita a crítica ao Governo. Mas o ex-primeiro-ministro não quis ficar por aqui. Deu mais um passo para provar que, no seu tempo, esta dose de nomeações de familiares de governantes não existia. “Por curiosidade, fui verificar a composição dos meus três governos durante os dez anos em que fui primeiro-ministro e não detetei lá – espero não me ter enganado – nenhuma ligação familiar”, revelou. Nem uma? Quais são os factos? Como o ex-Presidente da República notou, liderou três governos ao longo de dez anos, entre 1985 e 1995. E foi logo no primeiro, que durou até agosto de 1987, que se detetou o primeiro caso de nomeações de figuras com ligações familiares a membros do Governo. A então Ministra da Saúde, Leonor Beleza, delegou as competências de “modificar, nos termos legais, os estatutos das fundações de solidariedade social com fins principais ou exclusivos de promoção e proteção da saúde” na própria mãe, Maria dos Prazeres Lançarote Couceiro da Costa Pizarro Beleza, então secretária-geral do Ministério da Saúde. O despacho data de dezembro de 1986, cerca de um ano depois da tomada de posse do primeiro Governo de Cavaco Silva. E é assinado pelo própria Ministra da Saúde, filha da pessoa em quem delega competências. O Executivo acabaria por cair pouco mais de oito meses depois depois de aprovada uma moção de censura no Parlamento. No entanto, o PSD venceria com maioria absoluta as eleições legislativas seguintes e Leonor Beleza seria reconduzida no cargo. Entretanto, em 1989, é noticiado que tinha havido vários registos de doentes hemofílicos que tinham sido contaminados com sangue infetado com o vírus da SIDA e Hepatite C. Foi um caso altamente polémico que paralisou o país e que conduziu à saída de uma das ministras em quem Cavaco Silva mais confiava – de resto, havia de a levar para o Conselho de Estado em 2008, durante a sua Presidência da República. Para a substituir, o então primeiro-ministro promoveu uma remodelação. E é aqui que surge o segundo caso familiar relacionado com a família Beleza. Além da Ministra da Saúde, que é substituída por Arlindo Carvalho, são substituídos mais quatro ministros. Um deles Miguel Cadilhe, que passa a pasta das Finanças para Miguel Beleza, irmão de Leonor. Ou seja, no mesmo dia em que a governante deixa o ministério, a família Beleza continuará a estar representada na mesa do Conselho de Ministros pela mão do novo Ministros das Finanças. É no último Executivo de Cavaco Silva que se verificam mais dois casos de relações familiares. O primeiro diz respeito ao agora comentador da SIC Luís Marques Mendes, que no último domingo considerou que a “overdose de familiares no Governo é um abuso”. Quando o terceiro governo de Cavaco Silva tomou posse, Marques Mendes ficou com a Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, respondendo diretamente à tutela do primeiro-ministro. Mas não teve muito tempo para aquecer essa cadeira. Cinco meses depois da tomada de posse, houve nova remodelação e o governante subiu a Ministro-Adjunto. Foi já no exercício dessas novas funções que viu a sua mulher entrar para o mesmo Governo. Em junho de 1994, e segundo pode ler-se em Diário da República, é publicado o despacho, de maio desse ano, em que Rosa Sofia Pinto Martins Salazar Marques Mendes, mulher do comentador, é nomeada pelo então Secretário de Estado da Agricultura, Álvaro Amaro, para adjunta do seu gabinete. O também ex-presidente do PSD já tinha, aliás, sido atacado por, Carlos César, que recordou que a irmã do comentador é deputada, tal como o seu pai. No entanto, o presidente do PS, talvez por desconhecimento, não referiu o caso da nomeação da mulher de Marques Mendes, o mais semelhante aos que têm vindo a público nos últimos dias. PS responde e acusa Bloco de ter “abundantes relações familiares” na sua bancada O último caso diz respeito a Durão Barroso. A 31 de outubro de 1991, na tomada de posse do terceiro e último governo de Cavaco Silva, fica com Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Um pouco mais acima no organigrama governamental – e na sua árvore genealógica -, estava o seu tio Diamantino Durão, que tomou posse no mesmo dia como Ministro da Educação. A sua passagem pelo ministério seria curta: durou apenas quatro meses e meio, já que saiu do cargo em março de 1992. Durante esses meses coexistiram no mesmo Governo tio e sobrinho. Não chegaram a estar sentados ao mesmo tempo na mesa do Conselho de Ministros porque Durão Barroso só chegaria a Ministro dos Negócios Estrangeiros em novembro desse ano, depois da saída de João de Deus Pinheiro do cargo. Conclusão: errado Cavaco Silva disse que em nenhum dos seus “três governos durante os dez anos” em que foi primeiro-ministro tinha havido casos de ligações familiares. Bastava um caso para verificar que a frase está factualmente errada. Ora, durante esses dez anos houve pelo menos três nomeações de pessoas que tinham relações familiares com membros dos seus executivos. Desta vez, o político a quem ficou colada a fama de que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas… enganou-se mesmo.
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