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| - “André Ventura é um aldrabão e Chega”, concluiu na quarta-feira, 26 de setembro, o eurodeputado bloquista José Gusmão, através de uma imagem partilhada na sua conta de Twitter. No recorte, duas notícias de datas distintas: a mais antiga cita André Ventura contra a criação de um imposto sobre os lucros extraordinários das empresas petrolíferas, ao passo que a mais recente mostra o líder indignado com os lucros “imorais” que o obrigam a apresentar uma proposta.
[twitter url=”https://twitter.com/joseggusmao/status/1585348047013548032/photo/1″/]
Apesar da aparente contradição, é necessário ir mais a fundo em ambas as notícias de forma a perceber se Ventura foi mesmo incoerente quanto a este tópico.
Em julho de 2022, o Diário de Notícias noticiava que o presidente do Chega, André Ventura, se tinha manifestado “contra a criação de um novo imposto sobre os lucros extraordinários das empresas petrolíferas”, um desafio proposto ao Governo por comunistas e bloquistas. Ao invés disso, defendeu, “deve ser feito um desconto aos consumidores”.
As declarações foram feitas aos jornalistas na sede do partido, em Lisboa, depois de questionado sobre os lucros apresentados pela Galp (420 milhões de euros no primeiro semestre de 2022): “Nós entendemos que não é a criar mais impostos que resolvemos o problema em Portugal, nós já temos impostos a mais que todas as empresas pagam a mais. Criar o precedente de impostos para lucros inesperados é uma figura que abre um precedente grave e que dá carta branca ao Governo para continuar a taxar, taxar, taxar quando já o ano passado batemos o recorde histórico da carga fiscal em Portugal.”
“Para a esquerda isto resolve-se com mais impostos, para nós resolve-se com menos impostos nos consumidores e com ser o Estado a garantir, sobretudo através de legislação fiscal, por exemplo que não continuamos a pagar um IVA de taxa intermédia nos combustíveis e devíamos pagar menos”, acrescentou Ventura.
Fazendo uso da expressão “imoral”, Ventura considerou que os lucros das petrolíferas não deviam ser distribuídos de “forma ostensiva para os acionistas e para os sócios quando a maior parte da população é que está a pagar isto”. Assim, “parte deste dinheiro” deve ser “devolvido à classe média através de um qualquer mecanismo, através de descontos obrigatórios diretos, através de qualquer mecanismo governamental ou público mas que garanta que o dinheiro não fica nas mãos dessas empresas”.
Ventura trouxe mesmo soluções concretas para a conversa, começando por sugerir “anular uma parte dos lucros” das empresas petrolíferas. Como? “Se estivermos a falar de empresas relacionadas com energia, onde houver lucros tem que haver desconto aos contribuintes e esse desconto tem de correr por conta da própria empresa, ou seja, tem que haver um desconto que a própria empresa dá aos contribuintes nesta fase”. Além disso, pode ainda “haver uma devolução direta, mas aí tem de ser estudado juridicamente como é que é feito porque o quadro constitucional português é muito rígido”.
Já na última segunda-feira, 24 de outubro, a notícia era outra: jornal “Público” citava André Ventura, que tinha acabado de apelar aos partidos de direita (PSD e Iniciativa Liberal) para que estes reconsiderassem “a posição sobre intervir nos lucros extraordinários das grandes empresas”. Mas, ao contrário da esquerda, Ventura tinha outras fórmulas na manga.
Nesta altura os lucros da Galp já tinham subido de 420 milhões de euros para 608 milhões de euros (nos primeiros nove meses do ano), mais 86% face ao período homólogo. Ventura, que voltou a classificar estes lucros como “imorais e escandalosos”, não cedeu à criação de um imposto:
“Acho que estes lucros são imorais, são escandalosos e, neste momento, sobretudo perturbam quem anda a fazer um sacrifício enorme para conseguir sobreviver ate ao final do mês. (…) Não obstante o mercado, que a direita preza e que eu também prezo, o mercado não é tudo. E nós não podemos permitir que empresas continuem a engrossar lucros à custa da inflação e à custa da crise, sem contribuírem com nada para melhorarem a vida dos seus concidadãos.”
Como tinha anunciado em setembro, nas jornadas parlamentares do partido, Ventura insistiu na inspiração alemã. E quer distribuir os lucros excessivos pelos clientes do setor energético:
“[Defendemos uma] solução próxima daquilo que a Alemanha propõe, que é que os lucros extraordinários destas empresas revertam obrigatoriamente e directamente para a diminuição da facturação dos contribuintes. Ou seja, que haja uma espécie de canalização directa deste dinheiro, obrigatória, que não fique na disposição das empresas para a descida da facturação.”
A proposta, que ainda não foi apresentada, já conta com alguns “senãos”: primeiro, Ventura precisa de convencer PSD e Iniciativa Liberal. Segundo, o líder do Chega quer criar uma espécie de “mecanismo contabilístico para definir o que são lucros extraordinários”. Se conseguir passar, Ventura garante que a proposta vai ter um impacto nas facturas dos clientes, o que não seria garantido se fosse criado um imposto extraordinário, defendeu.
Em suma, apesar de a acusação principal de José Gusmão ter um fundo de verdade, Ventura manteve-se sempre fiel ao seu objetivo: longe de querer taxar ainda mais as empresas, o líder do Chega quer distribuir o dinheiro pelos seus clientes, de forma direta, estando pronto para entregar uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2023 nos próximos dias.O início da discussão deste documento na especialidade está marcado para dia 21 de novembro e a votação final global do diploma decorre a 25 de novembro.
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