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| - “Quanto a isso ele [juiz de instrução, Ivo Rosa] não diz que não acredita [na teoria dos empréstimos]. Vamos lá ver, ele considerou que havia indícios para levar o caso para tribunal. Quer dizer, discutam isso em tribunal. A defesa tem um ponto de vista, mas eu nunca pude apresentar outras provas para me desfazer dessa imputação”, afirmou José Sócrates, antigo primeiro-ministro (acusado de crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documento no âmbito da “Operação Marquês”), na entrevista de ontem à TVI.
Na sessão em que apresentou a decisão de instrução, a 9 de abril, o juiz Ivo Rosa declarou: “Quanto às quantias entregues em numerário feitas pelo arguido Carlos Santos Silva ao arguido José Sócrates, bem como quanto ao pagamento de algumas despesas, ambos os arguidos referiram em sede de instrução que as quantias em causa traduziram-se em empréstimos realizados pelo arguido Carlos Santos Silva e por iniciativa deste, face às necessidades financeiras do arguido José Sócrates. De acordo com ambos os arguidos, esses empréstimos atingiram o valor global de 567.500 euros e que deste montante o arguido José Sócrates já liquidou o montante de 250.000 euros”.
Contudo, a tese dos empréstimos não convenceu o juiz de instrução. “Quanto a esta explicação e tendo em conta os montantes envolvidos, a forma como foram realizadas as entregas e o destino que era dado aos mesmos, suscitam-se dúvidas quanto à realidade do alegado por ambos os arguidos. Com efeito, as entregas feitas pelo arguido Carlos Santos Silva ao arguido José Sócrates eram em numerário e, em regra, com interposição de terceiros, o que contraria em termos de normalidade a realização de um verdadeiro empréstimo“.
“O que não pode ser qualificado como normal, à luz dos critérios da razoabilidade e da experiência, é que esses empréstimos tenham sido realizados, sobretudo pelos montantes envolvidos, na forma como o foram. Nada impedia que os mesmos tivessem tido lugar por transferência bancária, tanto mais que ambos os arguidos são titulares de contas bancárias”, sublinhou.
“Da análise feita às conversações telefónicas mantidas entre os arguidos Carlos Santos Silva e José Sócrates, denota-se um cuidado traduzido no recurso a uma linguagem codificada mantida entre os mesmos arguidos, quando falam sobre entregas de quantias em numerário, o que indicia, também, um conteúdo ilícito subjacente a essas entregas. Com efeito, os arguidos, por forma a evitar a utilização de palavras como dinheiro, recorreram à utilização de palavras como ‘documentos’, ‘fotocópias’ e ‘livros'”, fundamentou.
De resto, “muitas das entregas em numerário feitas pelo arguido Carlos Santos Silva ao arguido José Sócrates tiveram como destinatários terceiros, como é o caso das entregas às testemunhas Célia Tavares, Maria João Rodrigues e Lígia Correia, o que contraria o argumento avançado pelo arguido José Sócrates de que esses empréstimos estavam relacionados com as suas necessidades económicas decorrentes da sua deslocação para Paris, enquanto estudante”.
Na decisão instrutória da “Operação Marquês”, as conclusões do juiz Ivo Rosa tornam-se ainda mais evidentes. “Mostra-se indiciado (…) a existência de entregas em numerário e pagamentos feitos pelo arguido Carlos Santos Silva ao arguido José Sócrates que, quer pela forma como foram entregues, quer pelos montantes envolvidos e perante a ausência de elementos de prova que sustentem a versão do alegado empréstimo por parte do arguido Carlos Santos Silva, indiciam uma aceitação de vantagem patrimonial por parte do arguido José Sócrates, na qualidade de primeiro-ministro, por parte do arguido Carlos Santos Silva”, escreveu o juiz de instrução.
“O modo como a entregas em numerário, bem como os pagamentos, foram realizadas, o modo como foram usufruídas, nomeadamente com a interposição de terceiros, e o facto de o arguido Carlos Santos Silva exercer funções no domínio da angariação de obras, projectos e solução de dificuldades do Grupo Lena junto de clientes, levam-nos a presumir que as entregas em numerário tinham como objectivo criar um clima geral de simpatia ou de permeabilidade por parte do primeiro-ministro, ou aquilo a que o Ministério Público designou em sede de debate instrutório, de ‘compra da personalidade‘”, salientou.
“Com efeito, apesar da relação de amizade que existia entre os arguidos Carlos Santos Silva e José Sócrates, as entregas em numerário, pelas razões referidas no parágrafo precedente, não podem ser concebidas no contexto da pessoalidade, mas apenas no âmbito da funcionalidade. Foi o facto de o arguido José Sócrates ser primeiro-ministro que conduziu àquelas entregas“, concluiu.
Noutra parte da decisão reiterou essa mesma conclusão: “Em face do exposto, indicia-se que as quantias em causa não correspondem a um empréstimo, mas sim a entregas relacionadas com as funções de primeiro-ministroexercidas pelo arguido José Sócrates e como contrapartida pela disponibilidade por este manifestada perante o arguido Carlos Santos Silva”.
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Avaliação do Polígrafo:
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