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| - Os vídeos com dicas para uma alimentação mais saudável e equilibrada são uma constante no feed dos utilizadores do Instagram. É habitual a partilha de refeições e compras de supermercados por parte de influencers e até de profissionais de saúde que utilizam esta rede social como plataforma para a divulgação do seu trabalho e da promoção de hábitos alimentares mais saudáveis. No entanto, nem todos os conteúdos deste tipo têm como base a evidência científica.
Num post, datado de 1 de agosto, é divulgado um vídeo em que se questiona qual é, afinal, “a melhor fruta para consumo diário“. Numa visita ao supermercado, a escolha é ponderada entre mangas, uvas, bananas e, por fim, maçãs. Na descrição do vídeo, alega-se que as primeiras três frutas não devem ser consumidas diariamente. O motivo apresentado? “Estas frutas nascem principalmente em países mais quentes e nas alturas mais quentes do ano. Rapidamente conseguimos confirmar que o seu principal efeito biológico é de baixar a temperatura do corpo para poder aguentar as temperaturas do clima”, alega-se.
Acrescenta-se ainda que “o problema surge quando comemos fruta tropical em climas amenos“, uma vez que “estamos a colocar dentro do nosso corpo um alimento que baixa muito a temperatura, num clima em que não é tão quente como os trópicos”. Por fim, aconselha-se a quem sofre de “problemas como ansiedade, pânico, pés frios, queda de cabelo, insónias, cansaço”, descritos como sintomas “Ying”, a evitar o consumo das frutas tropicais e passe a dar preferência à maçã, identificada como “uma fruta mais ‘Yang’“.
Questionado pelo Polígrafo, Vitor Hugo Teixeira, professor da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto e co-fundador da “Nutriens Academy”, garante que a informação difundida nesta publicação é “obviamente falsa” e que “advém da teoria da medicina tradicional chinesa de que há alimentos quentes e frios, que não tem qualquer base científica à luz da medicina moderna ocidental”.
Segundo o nutricionista, não existe relação científica entre o consumo de frutas tropicais e a descida da temperatura do corpo, referindo que esta teoria é digna de “argumentistas de Hollywood em crise de criatividade”.
“O absurdo da afirmação – que algumas frutas baixam a temperatura corporal – é facilmente desmontável, bastando medir a temperatura corporal após a ingestão destes alimentos e perceber que não se altera“, sublinha.
Teixeira assinala ainda que a alegação esbarra no facto de os habitantes que produzem estas frutas tropicais também “terem amplitude térmica ao longo do ano, o que limitaria o seu interesse”, assim como “colocaria em causa a termorregulação dos habitantes dos principais importadores: União Europeia, Estados Unidos da América e República Popular da China”.
“Temo até que os filipinos, que consomem 60 quilogramas de banana por ano, ultrapassem a quantidade ‘segura’ de banana e fiquem com hipotermia“, ironiza o professor.
Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição, tem o mesmo entendimento. “Não existe evidência científica que corrobore de forma consolidada nenhuma destas informações”, afirma, referindo-se ao conteúdo da publicação.
A nutricionista esclarece que, segundo as orientações apresentadas pela Roda da Alimentação Mediterrânica, o guia alimentar português, “devemos consumir 3 a 5 peças de fruta por dia, em função da idade, género e atividade física diária”.
“Desta forma, o consumo de fruta deve ser o mais variado possível, de forma a que consigamos consumir a maior diversidade de nutrientes presentes em quantidades diferentes nas frutas, nomeadamente as vitaminas e os minerais. Desta forma, ao longo do dia deveremos procurar consumir frutas de cores diferentes e até mesmo dentro do mesmo tipo de frutas, procurar consumir variedades diferentes para obter uma maior potenciação nutricional”, recomenda a profissional de saúde.
No entanto, Real alerta para uma questão que deve ser considerada em paralelo: a sustentabilidade alimentar. “Neste campo, deveremos privilegiar o consumo de frutas na sua época, ou seja, respeitando a sua sazonalidade, que sejam produzidas na proximidade e preferencialmente provenientes de uma produção sustentável“, aconselha. E acrescenta que, desta forma, “frutas provenientes de países distantes, eventualmente tropicais, poderiam não ser selecionadas quando comparadas com as mesmas frutas ou outras produzidas em proximidade, podendo, assim, promover a redução da pegada de carbono associada ao consumo alimentar”.
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Avaliação do Polígrafo:
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