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| - São muitas as curas milagrosas para o cancro que surgem nas redes sociais. Uma publicação feita em 2014 sobre a Fundação Champalimaud voltou a ganhar força recentemente, acumulando centenas de partilhas no Facebook: “Sinto que esta é uma daquelas informações que não se pode deitar ao lixo sem passar a TODOS amigos e conhecidos. É possível evitar muito sofrimento curar o cancro com uma só sessão, em Portugal”, escreve o autor da publicação.
“Uma radioterapia que pode eliminar o cancro numa única sessão, mesmo com o tumor já espalhado, disse o oncologista Carlo Greco. A taxa de sucesso nos tratamentos tem melhorado de ano para ano”, pode ainda ler-se na descrição de uma fotografia que mostra a Fundação Champalimaud, em Lisboa. Na publicação é acrescentado que o equipamento em questão foi testado na Universidade de Pisa, em Itália e “funciona em qualquer tipo de cancro, mesmo num dos mais resistentes à quimio ou radioterapia, como o do rim, com uma taxa de sucesso de 80% mesmo nos casos de cancro dos rins”.
A publicação em causa tem muitas semelhanças com uma notícia publicada em 2011 onde é anunciada a chegada de um equipamento inovador a esta fundação e que, à semelhança do post, também cita Carlo Greco, responsável pela unidade de Radioncologia no Centro Clínico Champalimaud (CCC). No artigo é referido que a “radioterapia que pode eliminar o cancro numa única sessão, mesmo com o tumor já espalhado, estará em breve disponível em Portugal, através de uma máquina quase única no mundo que ficará instalada na Fundação Champalimaud”.
Carlos Greco diz, segundo as citações do artigo, que se trata do “mais avançado equipamento no mundo”, explicando que a terapia foi testada na Universidade de Pisa, em Itália, e que “os resultados foram surpreendentes”, tendo apresentado uma taxa de sucesso de 80% no tratamento de cancro dos rins. “Tem de ser administrada uma dose suficientemente forte para erradicar o tumor. E já provamos que funciona em qualquer tipo de cancro, mesmo num dos mais resistentes à quimio ou radioterapia, como o do rim”, acrescenta ainda o oncologista.
Contactada pelo Polígrafo, a Fundação Champalimaud afirma ser “alheia à publicação [do Facebook]”, acrescentando que “não se revê no seu conteúdo”. Apesar de ser falso que a fundação tenha descoberto a cura para o cancro, existe um fundo de verdade nesta publicação: a Fundação Champalimaud tem sido pioneira na investigação de uma nova técnica de tratamento de tumores metastáticos.
Inspirada na técnica que é vulgarmente utilizada na radiocirurgia ao cérebro, a radioterapia de alta precisão de dose única é um procedimento que visa atingir com altos níveis de radiação tanto o tumor como as metástases de forma a matar as células cancerígenas, sem danificar os tecidos saudáveis à volta da área afetada pelo cancro. “É como uma faca ou um bisturi. É mais eficiente do que qualquer coisa que tenhamos visto antes”, disse ao Polígrafo o radioncologista Carlo Greco.
Contactada pelo Polígrafo, a Fundação Champalimaud afirma ser “alheia à publicação [do Facebook]”, acrescentando que “não se revê no seu conteúdo”. Apesar de ser falso que a fundação tenha descoberto a cura para o cancro, existe um fundo de verdade nesta publicação: a Fundação Champalimaud tem sido pioneira na investigação de uma nova técnica de tratamento de tumores metastáticos.
“Nós descobrimos há muito tempo que os tumores respondem à radiação sem que seja possível reparar os danos que esta lhes provoca”, explicou ainda. “Pensámos que se pudéssemos oferecer uma dose muito alta de radiação em poucas sessões – ou até mesmo só numa – em vez de sessões que duram semanas e meses, poderíamos, possivelmente, ter um melhor resultado.”
Foi com base nesta premissa que iniciaram no CCC da Champalimaud um estudo para analisar os resultados da radioterapia de alta precisão. Foram tidos em conta 175 pacientes com diferentes tipos de cancro e com diferentes características de tumores. Em comum tinham apenas um fator: um máximo de cinco metástases, um limite já pré-estabelecido pela comunidade de investigação desde a década de 1990. O estudo começou por comprovar que a dose única de radioterapia é mais eficaz no tratamento dos tumores do que um tratamento dividido em três doses de menor intensidade.
Porém, a principal conclusão do estudo, publicado em fevereiro de 2019, foi identificar os pacientes que mais poderiam beneficiar deste tratamento. Segundo os dados apresentados, a técnica de radioterapia de alta precisão é mais eficaz para pacientes com um máximo de cinco metástases, que tenham cancro de baixa agressividade (onde o valor do PET esteja abaixo de 6,5) e um volume conjunto máximo dos tumores abaixo de 14,8 cm3. Dos pacientes analisados que juntavam estas caracterísitcas, 89% sobreviveu mais de cinco anos. No entanto quando os níveis de agressividade da doença aumentam, a percentagem de pacientes que sobreviveu, no mesmo intervalo de tempo, desce para 58%.
“Descobrimos que os pacientes que têm um volume total abaixo de 14,8 cm3 têm uma probabilidade de 66% de não desenvolver mais doenças. Se o tumor for grande – maior do que 14,8 cm3, o que equivale a uma bola de ping pong – o número de células que estão presentes no paciente estão possivelmente – muito possivelmente – associadas com a probabilidade de desenvolvimentos no futuro. A doença vai produzir mais mutações e desenvolver-se uma doença mais agressiva”, esclareceu Carlo Greco.
No estudo desenvolvido pela Fundação Champalimaud foram incluídos pacientes com diferentes tipos de cancro, havendo um que se destacou: “O cancro da mama tem um resultado melhor do que qualquer outro. A sobrevivência dos pacientes com cancro da mama e com apenas bons metástases [volume e agressividade baixos] é de 79%.”
Ao contrário do que a publicação original faz crer, a Champalimaud não foi a única a investir nesta terapia. Em declarações ao Polígrafo, Luísa Carvalho, oncologista no IPO do Porto, afirma que esta é uma tecnologia já se utiliza em várias instituições hospitalares dos grandes centros do país, sendo o IPO uma delas: “No ano passado tivemos cerca de 340 casos”, afirma.
A radioterapia de alta precisão com dose única é um tratamento cujo processo de preparação por parte dos profissionais de saúde é bastante exigente e requer uma equipa multifacetada e altamente treinada. No entanto, para o paciente, trata-se de um tratamento de ambulatório que poderá demorar apenas meia hora, dependendo dos casos.
Ao contrário do que a publicação original faz crer, a Champalimaud não foi a única a investir nesta terapia. Em declarações ao Polígrafo, Luísa Carvalho, oncologista no IPO do Porto, afirma que esta é uma tecnologia já se utiliza em várias instituições hospitalares dos grandes centros do país, sendo o IPO uma delas: “No ano passado tivemos cerca de 340 casos”, afirma.
Em relação às indicações terapêuticas, a oncologista sublinha que a radioterapia de dose única tem indicações muito precisas: “Utiliza-se no tratamento da doença metastática de pequeno volume e metástases em pequeno número, quando a doença já está controlada ou quando há algum tratamento curativo para a doença primitiva.” E explica: “Pensa-se que aquelas metástases em pequeno número e volume ainda estão numa fase intermédia. Então pode fazer-se um tratamento dessas metástases com um intuito curativo, localizado, partindo do príncipio que a doença ainda está numa fase de transição e não de disseminação pelo corpo todo. Então faz sentido, entre esses doentes que têm poucas metástases, normalmente até 5 metástases de pequeno volume, que façam esses tratamentos em doses altas.” Porém, nem todos os doentes podem fazer uma só dose: “Idealmente, e por comodidade, é feita uma só dose. Mas nem sempre é possível, se as lesões estiverem na proximidade de orgãos normais, visto que não podemos exceder os limites de toxicidade desses mesmos orgãos. Depende muito onde estiver localizada a lesão”, refere.
Luís Passos Coelho, diretor do Centro de Oncologia do Hospital da Luz de Lisboa, afirma que a radioterapia de dose única não pode ser utilizada em qualquer caso: “Depende do volume da doença, da sensibilidade à radioterapia, da agressividade com que se manifesta e da sua extensão. Normalmente é mais utilizada no tratamento de metástases que sejam localizadas em um ou poucos focos. Por exemplo, usa-se em lesões localizadas em doentes com más condições para fazer cirurgia para remover essas metástases”, esclarece o médico.
Mas ainda há investigações a decorrer, recorda Luísa Carvalho, reforçando que “nos tumores primários esta técnica só se utiliza em casos muito selecionados e ainda no contexto de estudos, porque ainda não está provado o seu benefício”. “Há casos que estudam a fração única no cancro da próstata, mas ainda está tudo em investigação”, conclui.
Luís Passos Coelho, diretor do Centro de Oncologia do Hospital da Luz de Lisboa, afirma que a radioterapia de dose única não pode ser utilizada em qualquer caso: “Depende do volume da doença, da sensibilidade à radioterapia, da agressividade com que se manifesta e da sua extensão. Normalmente é mais utilizada no tratamento de metástases que sejam localizadas em um ou poucos focos.
Além do estudo da Fundação Champalimaud, recentemente foram publicados outros artigos científicos sobre o tema: Um estudo de maio de 2019, que teve como base uma amostra aleatória de pacientes, concluiu que a utilização da radioterapia de alta precisão é mais eficaz do que a quimioterapia, o tratamento mais comum em casos de cancro; outro publicado em outubro de 2018 aborda a utilização desta técnica no cancro da mama concluindo que há pacientes que sobrevivem mais de uma década; e atualmente está também em curso um novo estudo que pretende descobrir se é possível tratar pacientes com até dez metástases. Mas estes são só alguns exemplos.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Falso: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
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