schema:text
| - Na entrevista que concedeu à CNN, no início da semana, João Rendeiro colocou em cima da mesa um cenário hipotético que o faria ponderar o regresso a Portugal. “Se [fosse] ilibado ou com [concessão de] indulto do Presidente”, então o antigo banqueiro poderia equacionar voltar ao país. Marcelo foi rápido a responder e, à mesma CNN, disse que “não é possível sequer examinar” a concessão de um indulto a Rendeiro, “porque há muitos outros que estão em fila” e é preciso “respeitar o prazo” para avaliação do pedido. Neste momento, “já é tarde” para a avaliação. Mas o calendário atual impede que um pedido de indulto presidencial seja avaliado?
Presidente da República diz que “já é tarde” para conceder indulto a Rendeiro
Há, de facto, uma condicionante de calendário na apreciação de pedidos de indulto. Os pedidos podem ser apresentados em qualquer momento, sendo certo que, para serem analisados pelas várias instâncias chamadas a participar nesse processo — Governo, Ministério Público, Tribunal de Execução de Penas, Presidente da República — e decididos e anunciados publicamente até 22 de dezembro de cada ano, têm de ser formalizados até ao dia 30 de junho desse mesmo ano. Por exemplo, os indultos que Marcelo venha, eventualmente, a conceder dentro de um mês foram requeridos até ao último dia de junho de 2021.
Foi precisamente esse processo que Marcelo descreveu, quando questionado sobre a possibilidade de conceder um indulto a João Rendeiro. Portanto, sim, o Presidente da República tem razão quando diz, nas mesmas declarações à CNN, que a questão “já vem tarde”, se o que estava em causa era que o pedido fosse avaliado e decidido até às vésperas do Natal deste ano.
Mas a formulação podia induzir em erro. Porque nada que impede que um pedido de concessão de indulto formalizado hoje não seja avaliado com vista à sua concessão, ou não, no próximo ano. Na prática, a 1 de julho, voltou a abrir-se uma janela de oportunidade que só se encerra no último dia de junho de 2022. A esse respeito, a lei diz apenas que “o pedido ou a proposta é dirigido ao Presidente da República e pode ser apresentado até ao dia 30 de junho de cada ano”.
Esta é a questão formal (neste caso, de calendário), que também engloba a avaliação sobre a “legitimidade” de quem requer o indulto. E ele pode ser requerido “pelo próprio, pelo cônjuge, por um unido de facto, um familiar ou pelo representante legal, o advogado”, enumera o advogado Paulo Saragoça da Matta. Mas também pode ser “proposto pelo diretor do estabelecimento a que está afeto o recluso”, como refere a alínea b) do artigo 223º do Código de Execução de Penas.
João Rendeiro revela que não está no Belize, mas vai à praia e faz a vida normal. E que vai pedir indemnização de 30 milhões
Um breve parêntesis para esclarecer uma dúvida paralela: da formulação da lei, depreende-se que não é necessário que esteja a cumprir pena para que um condenado — ou alguém em seu nome — possa requerer a concessão de um indulto. Basta que alguém tenha sido condenado para que o pedido de avaliação possa ser feito.
Tudo isso são questões formais. Mas as palavras de Marcelo suscitaram outra dúvida, ainda que não decorram diretamente da ideia expressa pelo Presidente da República nas declarações que prestou à CNN.
Questionado sobre se concederia o indulto a Rendeiro, Marcelo disse: “Como sabe, o indulto tem se ser pedido pelo próprio até 30 de julho [a data-limite é 30 de junho]. Já passou. E, depois, tem de ter o processo acompanhado pelo Tribunal de Execução de Penas, passa por pareceres vários, se o tribunal entender, [passa] pela posição da ministra da Justiça e [termina na] decisão do presidente. Mas aqui há um problema. Nesta altura, em novembro, já é tarde.” A jornalista insiste se essa é a única razão para que o indulto não seja concedido. E Marcelo responde que “não é possível sequer examinar [o pedido] porque há muitos outros que estão na fila e respeitaram o prazo”.
E a dúvida que nasce destas declarações é a de saber se o momento em que o indulto é apresentado é o fator determinante para a sua análise. Na verdade, há outros fatores a ter em conta nesse processo — e o comportamento do requerente é central para o desfecho.
“O indulto é um ato de clemência, de graça”, explica Saragoça da Matta, especialista em Direito Penal, em declarações ao Observador. “Se bastasse o pedido” para que o indulto fosse concedido, então “todos os condenados apresentavam esse pedido e ele teria de ser dado — mas ele não tem de ser dado, o condenado tem de ser merecedor da clemência”, sublinha o advogado.
Não sendo obrigatório, são consideradas “razões de saúde, o comportamento do condenado depois da condenação ou feitos excecionais”, refere Saragoça da Matta. Um exemplo de um “feito excecional” pode ser uma situação em que, durante um incêndio numa prisão, um recluso salve a vida a 20 ou 30 outros reclusos. É um mero exemplo, porque não há uma lista das situações a considerar para a concessão de um indulto, e cada caso é avaliado de forma individual.
Numa análise mais casuística, Saragoça da Matta olha para a situação do ex-presidente do BPP e não tem dúvidas: “Se temos de levar em conta o comportamento de João Rendeiro após a condenação, ele é de completo afrontamento à autoridade pública porque, logo de início, escapou à aplicação da justiça e desafiou a autoridade pública.” Neste caso, “tudo se encaminha no sentido de que o indulto nunca lhe seja concedido”, considera o advogado. Porque há um conceito fundamental sobre o qual assenta a concessão do indulto: o de “merecimento”.
João Rendeiro. “A minha ausência é um ato de legítima defesa”
João Rendeiro, recorde-se, saiu do país em algum momento nas primeiras semanas de setembro. Partiu de Lisboa de avião, num voo com destino a Londres. Não há, até agora, qualquer informação pública sobre o trajeto que seguiu a partir desse ponto nem se viajou num avião comercial ou numa aeronave privada. Certo é que Rendeiro tinha sido condenado a uma pena de prisão efetiva de cinco anos e oito meses, uma sentença que transitou em julgado em meados de setembro — próximo do momento em que o ex-banqueiro abandonou o país.
Conclusão
Para que um indulto fosse concedido até ao fim do presente ano, o pedido teria de ter de sido apresentado até ao dia 30 de junho. Se for apresentado agora nada impede que o processo venha a ser analisado no ano civil seguinte. O certo é que não basta para a concessão de um indulto que o pedido seja feito em prazo legal — se assim fosse todos os condenados poderiam ter um indulto. E o que pode levar a uma decisão positiva do Presidente da República são, por exemplo, questões de saúde ou feitos extraordinários.
Por isso, um hipotético indulto a Rendeiro não estaria condenado ao fracasso por não ter sido apresentado até 30 de junho — poderia sempre ser analisado no próximo ano –, mas por, na opinião de Saragoça da Matta, não reunir condições e por ter tido uma atitude de afronta à justiça.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
|