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| - O que estão compartilhando: que o governo federal teria suspendido o Plano Safra por ter percebido fraudes do agronegócio. Os fazendeiros pegariam dinheiro a “juros negativos” por meio de um “plano mentiroso”: eles plantariam apenas metade de um terreno para alegarem quebra de safra da outra parte. Com isso, teriam desconto de 50% a 100% do empréstimo.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Ao contrário do que afirma a postagem, a suspensão de novas contratações de financiamentos do Plano Safra anunciada pelo Tesouro Nacional na última quinta-feira, 20, não ocorreu por supostas fraudes de fazendeiros do agronegócio. Na verdade, o governo comunicou que a alta da taxa Selic e a não aprovação do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) motivaram a decisão.
Além disso, a suspensão não é definitiva, como sugere o vídeo. Na noite da segunda-feira, 24, o governo publicou uma Medida Provisória (MP) para liberar R$ 4,18 bilhões em crédito extraordinário para o Plano Safra e, assim, evitar sua descontinuidade.
O autor do vídeo analisado aqui desconsidera que as taxas de juros não são iguais para todos os segmentos da produção agropecuária. Dessa forma, ele desinforma ao generalizar e afirmar que o governo empresta dinheiro a juros negativos para todos os fazendeiros.
O vídeo omite, ainda, que, para perdas de safra comprovadas de grandes produtores, são as seguradoras privadas que costumam arcar com os custos.
A reportagem entrou em contato com o perfil responsável pela publicação, mas não obteve retorno até o encerramento da checagem.
Saiba mais: no último dia 20, o Tesouro Nacional anunciou a suspensão de novas contratações de financiamentos com subvenção federal pelo Plano Safra 2024/25, com exceção das linhas de custeio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Conforme o glossário do Congresso Nacional, a subvenção econômica é uma “transferência destinada a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril para cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas”.
Saiba mais
Após a decisão anunciada pelo Tesouro, um vídeo no TikTok viralizou parabenizando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo fim do programa, o qual a peça chama de “Plano Safada”. A gravação, que apenas contém imagens genéricas de plantação, é narrada por um homem que atribui a suspensão a atitudes dos agricultores, o que não é verdade. Entenda mais abaixo.
“O governo percebeu a canalhice do agro e suspendeu o Plano Safra. Está de parabéns. E por quê? O que é o Plano Safra? O Plano Safra é um plano permanente governamental, que empresta dinheiro a juros negativos para os fazendeiros”, diz o vídeo.
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O que é o Plano Safra e como funcionam as taxas de juros
O pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV Agro) Felippe Serigati explica que o Plano Safra busca fornecer recursos a alguns segmentos do agronegócio que têm maior dificuldade de acessar outras fontes de financiamento, como é o caso da agricultura familiar, ou que geram externalidades positivas – por exemplo, o incentivo de práticas mais sustentáveis.
De acordo com o Ministério da Fazenda, as taxas de juros são diferentes para os diversos segmentos da produção agropecuária.
“Para os agricultores familiares, as taxas de juros variam de 0,5% a 6% ao ano. Para os médios produtores, as taxas de juros são de 8% ao ano”, explicou, em nota ao Verifica.
Em relação aos grandes produtores, a pasta afirma que a taxa de juros de operações equalizadas pelo Tesouro Nacional variam entre 7% a 12% ao ano, sendo a maioria superiores a 10% ao ano. A taxa de 7% é concedida apenas para dois programas especiais de investimento: Programa de Construção de Armazéns (PCA) e Programa de Produção Sustentável (Renovagro).
Para algumas linhas, portanto, é fato que os juros reais fiquem negativos, considerando uma inflação de 4,83% ao ano, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 2024. Isso ocorre porque os juros reais resultam da taxa nominal descontada da inflação.
A peça verificada, no entanto, erra ao generalizar e sugerir que grandes produtores também estejam suscetíveis a juros negativos. Conforme explicado pela Fazenda, os juros reais são negativos para os agricultores familiares no crédito rural.
Para os médios produtores, em termos reais, essa taxa fica em 3,17% ao ano. Para os grandes produtores, com exceção do PCA e Renovagro, levando em conta apenas a parcela de recursos equalizados pelo Tesouro Nacional, as taxas de juros reais são superiores a 6% ao ano.
O mesmo é ressaltado por Serigati, que destaca que o que fica negativo são os juros reais, e não os nominais. “Para algumas linhas, por exemplo, para o Pronaf, a taxa de juros é menor que a inflação. Com isso, os juros reais ficam negativos, mas não os juros nominais", explicou.
Sem provas, vídeo acusa produtores de fraudarem financiamento
O narrador sugere que produtores fraudam a plantação para obter vantagens no financiamento: “Eles [os fazendeiros] apresentam um plano mentiroso com muitos hectares de terra, jogam algumas sementes vazias em metade e na outra metade eles plantam. Compram caminhonete nova, mandam seus filhos para viajar na Europa, fazem de tudo. No final, alegam quebra de safra da parte daquele terreno que eles só jogaram algumas sementes e tem um desconto de 50% a 100% do empréstimo.”
A alegação está incorreta porque desconsidera que, para perdas de safra comprovadas de grandes produtores, são as seguradoras privadas que costumam arcar com os custos, segundo informado pelo Ministério da Fazenda.
Para perda de safra por motivos climáticos, há um seguro público chamado Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), em que os produtores pagam um “prêmio” para segurar seus financiamentos de custeio. O prêmio do seguro, em outras palavras, é o valor pago pelo contratante à seguradora.
O Proagro, no entanto, é limitado a operações de custeio de até R$ 270 mil por ano, por produtor. Por este motivo, ele atinge majoritariamente os agricultores familiares e parte dos médios produtores. Segundo a Fazenda, são poucos os grandes produtores que acessam este seguro.
A pasta explicou ao Verifica que, para atender os grandes produtores, há uma subvenção – uma transferência corrente a uma determinada entidade para cobrir despesas de custeio – ao prêmio do seguro privado. O governo federal gasta cerca de R$ 1 bilhão por ano para ajudar a cobrir parte do prêmio do seguro.
“Em caso de perdas comprovadas, são as seguradoras que arcam com os custos. Como todo seguro, sempre é possível existir fraudes, mas como o pagamento dos sinistros são realizados pelas seguradoras privadas, elas próprias criam estruturas de acompanhamento e fiscalização”, explicou.
Postagem afirma que dólar será substituído por ‘moeda do Brics’
O narrador diz que “o Brasil caminha para substituir as vendas internacionais de dólar para o dinheiro do Brics”. Ele sugere que essa mudança acabaria definitivamente com o financiamento do governo federal aos grandes produtores. Em janeiro deste ano, o Verifica desmentiu a criação de uma moeda do bloco de países, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
À época, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) afirmou que o bloco dos Brics não pretende criar uma moeda. Negou, ainda, que o grupo tenha um projeto de “desdolarização”.
Governo liberou crédito extraordinário para Plano Safra
Ao contrário do que alega o vídeo, o Plano Safra não chegou ao “fim”. Nesta segunda-feira, 24, o governo publicou uma MP que libera R$ 4,18 bilhões em crédito extraordinário para garantir a execução do Plano Safra 2024/2025. Sob justificativa, o governo destacou a urgência pela possibilidade de impactos na produção de alimentos e de risco à segurança alimentar.
Os recursos são destinados da seguinte forma pela MP:
R$ 3,5 bilhões para operações de custeio, comercialização e investimento;
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R$ 645,7 milhões para o Pronaf.
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