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| - É um artigo que está a ser partilhado nas redes sociais e no qual se acusa os médicos e farmacêuticos portugueses de serem “corruptos” por esconderem “das pessoas remédios realmente eficazes e ao mesmo tempo baratos” e prescreverem “remédios muito caros e procedimentos degradantes” para o tratamento da prostatite e do cancro da próstata.
“Em Israel, eles aprenderam a tratar a prostatite de uma vez por todas, em apenas 2-3 semanas”, garante-se desde logo no título da publicação. “Enquanto isso, em Portugal: médicos corruptos e farmacêuticos anualmente escondem das pessoas remédios realmente eficazes e ao mesmo tempo baratos, em vez disso prescrevendo remédios muito caros e procedimentos degradantes!”
“É muito fácil determinar se um homem tem a prostatite, mesmo sem o mínimo conhecimento médico, pois a maioria dos sintomas é inerente a esta doença”, lê-se no artigo que enumera um conjunto de sintomas associados à infeção da próstata. “A descoberta da prostatite necessita um acompanhamento regular de um urologista, que provavelmente irá aliviar os sintomas agudos usando remédios, ‘recomendados por farmacêuticos’. Como resultado o paciente não irá curar a doença! Se ele parar de tomar os medicamentos prescritos, os sintomas retornarão imediatamente”, prossegue o texto, assegurando que os medicamentos prescritos têm efeito de “placebo”.
A solução apresentada no artigo – supostamente utilizada em Israel – consiste num medicamento milagroso que pode ser adquirido na farmácia. “Naturalmente, esse remédio é uma ameaça ao negócio de nossas empresas farmacêuticas gananciosas, porque é muito mais lucrativo ter uma pessoa que todos os anos precisa eliminar os sintomas de sua doença comprando sempre caros ‘placebos’, do que aqueles que curam prostatite graças a um remédio barato, porém eficaz”, garantem os autores da publicação em análise.
O artigo tem o mesmo formato que outras publicações criadas para vender produtos fraudulentos: apresenta um produto milagroso para um problema de saúde, com um especialista da área a atestar a veracidade do produto, e termina com um link para a página de comercialização do referido medicamento. Neste caso surge ainda uma promoção de 50% associada à venda do medicamento que dá ao utilizador 15 minutos para proceder à compra. No entanto, o dia de término da promoção que surge no texto é sempre o dia em que está a ver a página e a contagem até ao fim da promoção recomeça sempre que a página é atualizada, mostrando tratar-se de um esquema fraudulento. Mesmo assim, analisemos o conteúdo do artigo e a sua veracidade.
Antes de mais, é necessário ressalvar a diferença entre a prostatite e o cancro da próstata: a primeira refere-se a uma inflamação da glândula da próstata, seja bacterial ou não-bacterial, enquanto o segundo resulta da multiplicação anormal das células da próstata, resultando num tumor cancerígeno.
A próstata tem tendência a aumentar de tamanho a partir dos 45/50 anos de idade, sendo aconselhável fazer rastreios anuais para diagnosticar precocemente situações de cancro, alerta José Santos Dias, responsável clínico do Instituto da Próstata, citado pela Agência Lusa. “Há doentes novos com tumores na próstata que, por não terem feito este rastreio anual, perderam a possibilidade de eliminar a doença”.
O toque retal e a avaliação do PSA – que consiste na análise do líquido expelido pela glândula – são os dois exames de diagnóstico para problemas da próstata. Em casos específicos podem ainda ser realizadas ecografias trans-rectal, cistoscopias ou biópsias. Esta informação é contraditória com o que está afirmado no artigo sobre os “muitos exames” pedidos pelos médicos, sendo que “alguns deles não têm sentido prático”.
José Santos Dias reforça a importância de não se fugir ao diagnóstico: “Mais vale fazer só o PSA do que não fazer nada”. E, continuou, o estigma associado ao toque retal não se deve sobrepor à importância deste exame por haver “alguns casos de tumores que não são diagnosticados ainda com o PSA, só outros exames, pois ou são muito localizados ou muito diferenciados e não produzem PSA”.
A Associação Portuguesa Doentes da Próstata aponta quatro razões para os homens não procurarem apoio médico quando se trata de assuntos relacionados com a próstata. A primeira é por terem a “noção errada de que os sintomas urinários são um acontecimento normal da idade”. Por outro lado, poderá ser também por “medo de um diagnóstico de cancro”, por “medo da cirurgia e das suas potenciais complicações” ou mesmo por “relutância e embaraço em discutir os sintomas urinários e de esfera sexual com o médico de família, especialmente se este for do sexo feminino, e até receio de ser submetido a um toque retal”.
Ao contrário do que é referido no texto, “muito frequentemente o cancro da próstata evolui de uma forma assintomática, totalmente silenciosa”, alerta o Instituto da Prótese e Incontinência Urinária. Por isso é “recomendada a realização de uma avaliação anual através do toque retal e análises, para excluir a presença desta doença, mesmo quando ainda não produz quaisquer sintomas”.
Uma vez feito o diagnóstico, o médico estabelece o tratamento indicado para o paciente. No caso da prostatite, se for identificada a presença de uma bactéria, será tratada com antibióticos. Mas, caso seja não-bacteriana, a situação poderá ser mais complicada de resolver. Pode ser necessário fazer-se um tratamento por “massagens da próstata, banhos de assento, biofeedback, medicamentos”, entre outros procedimentos, explica-se no Manual MSD.
Já o tratamento do cancro da próstata pode implicar cirurgia, radioterapia ou hormonoterapia. Existem também casos, segundo a Liga Portuguesa Contra o Cancro, em que o paciente fica sob observação. Isto acontece “quando os riscos e os possíveis efeitos secundários da cirurgia, da radioterapia, ou da hormonoterapia não compensam os possíveis benefícios”.
O cancro da próstata é um dos tumores com maior incidência em Portugal. Segundo dados da Direção-Geral de Saúde, morreram 1.723 pacientes com tumores malignos na próstata em 2015. Os dados mais recentes referentes à frequência dos diferentes tipos de tumor remontam a 2010, ano em que o cancro da próstata surgiu em primeiro lugar da tabela com 22,2% dos casos de tumores em pacientes do sexo masculino e uma taxa de incidência de 120,3 tumores malignos na próstata por cada 100.000 habitantes.
No artigo em análise é referido que “mais de 55% dos homens que têm mais de 40 anos, têm problema com a próstata”. Contudo, não existe nenhum relatório do Ministério da Saúde que indique esses números. José Santos Dias, responsável clínico do Instituto da Próstata, disse à Agência Lusa que este tipo de cancro é a segunda causa de morte oncológica nos países industrializados.
Em Israel, o processo de tratamento do cancro da próstata é muito semelhante ao realizado em Portugal, contrariamente ao que se indica na publicação em análise. Por exemplo, no hospital Sheba Medical Center Tel HaShomer, em Ramat Gan – considerado como um dos melhores hospitais do mundo em 2019 -, os tratamentos utilizados para o cancro da próstata são a radioterapia, a braquiterapia, a quimioterapia e a hormonoterapia.
Por fim, um fact-checking incidindo sobre a médica a quem é atribuída esta descoberta no texto: “Isa Kaufman, chefa do Instituto Israelense de Biomedicina de Paul Enrich, professora do Departamento de Urologia”. Para começar, Paul Ehrlich – e não Enrich – foi um bacteriologista alemão que recebeu o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina em 1908 e cujo legado poderá ser encontrado na cidade alemã de Langen, onde está sediado o Paul Ehrilch Institut. Em Israel não existe qualquer referência à existência de um instituto com o nome do galardoado bacteriologista.
Analisando os trabalhos académicos assinados por investigadores de nome Kaufman, é possível identificar diferentes académicos com este apelido na área da urologia. Em alguns casos surgem estudos onde é testada a eficácia de determinada substância na cura de infeções da próstata. Nestes estudos clínicos é referido o uso de “placebo” no grupo de controlo, de forma a identificar se os efeitos do medicamento são ou não reais – uma técnica muito comum nos ensaios clínicos. Esta informação poderá ter servido de inspiração para a afirmação feita no texto de que os médicos portugueses prescrevem “os medicamentos com efeito ‘placebo’”.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam naquela rede social.
Na escala de avaliação do Facebook este conteúdo é:
Falso: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo este conteúdo é:
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