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| - “Parece ficção, mas o iraniano Alaedin Qasemi garante que inventou um sistema que utiliza água potável como combustível de automóveis. Com 60 litros de água, o cientista conseguiu que o protótipo percorresse 900 quilómetros, a uma velocidade de 90 km/h, em cerca de 10 horas. Mais: com praticamente ‘zero emissões‘, uma vez que do escape é apenas libertado vapor de água’, lê-se no artigo publicado na página “Sempre Questione?” e partilhado por milhares de pessoas nas redes sociais.
“Segundo o cientista iraniano, a água do depósito é submetida a uma reação química em que se separa o hidrogénio do oxigénio – sem que seja necessário carregamento elétrico. O hidrogénio, por ser um gás facilmente inflamável, serve de combustível para alimentar o motor“, acrescenta-se no mesmo artigo.
É verdade que um cientista iraniano inventou um carro que anda 900 quilómetros com 60 litros de água?
Em primeiro lugar, é necessário perceber como se separa o oxigénio do hidrogénio. Para o fazer, utiliza-se um recipiente com água e com dois elétrodos de cada lado que passam corrente elétrica através de uma fonte de alimentação. A partir deste método é possível separar o oxigénio do hidrogénio, como demonstra a figura em baixo. Este processo é denominado como eletrólise da água.
O problema na criação de motores que se movem a hidrogénio é que a energia que se gasta neste processo é muito superior à que o hidrogénio consegue produzir.
A invenção evocada no artigo sob análise não é original. Stanley Meyer, um inventor norte-americano, afirmou ter criado um dispositivo a que chamou de water fuel cell, que permitiria fazer com que os motores de combustão interna funcionassem à base de água. Este dispositivo faria a separação dos componentes da água, o hidrogénio e o oxigénio, através da eletrólise, mas utilizando menos energia do que aquela que a ciência convenciona. Vários cientistas denunciaram a invenção de Meyer como sendo uma fraude, pois se tal fosse possível estariam a ser violadas a primeira e segunda leis da termodinâmica.
O Polígrafo contactou Rui Costa Neto, investigador no Instituto Superior Técnico e pós-doutorado em Engenharia Mecânica, o qual reconheceu não ser a primeira vez que se depara com estas questões: “É impossível. É um truque de imagem. Na prática viola logo a primeira lei da termodinâmica”, garante.
E explica: “O que ele faz é um eletrolisador caseiro. O hidrogénio e o oxigénio produzidos são injetados no motor de combustão interna e o motor é alterado. Na zona do injetor de gasolina põe-se um injetor mais fino para adaptar a combustão para o gás e, em vez de queimar gasolina, passa-se a queimar o gás. Então esse eletrolisador caseiro alimenta o motor e aquilo funciona. Acaba quando acabar a energia da bateria”.
A bateria que é usada para produzir o hidrogénio é carregada pelo motor do carro. Acontece que a energia gasta no processo de produção do hidrogénio, tal como já se salientou anteriormente, superior à que é produzida pelo motor. O resultado é a bateria não ser carregada e o motor parar quando esta se esgotar.
As teorias de conspiração acompanham muitas vezes este tipo de artigos, denunciando que invenções revolucionárias são silenciadas pelos media e pelo lobby do petróleo: “Se isto fosse possível, o lobby do petróleo iria fazer eletrolisadores e pôr nos carros. E ia alimentar toda a gente, porque também não temos petróleo na Europa. Se isto fosse viável, era fácil pegar na ideia dele e replicar em qualquer lado”, comenta Rui Costa Neto.
Estas invenções são patenteadas, pelo menos, desde 1976. E continuam a atrair seguidores. Contudo, trata-se de uma fraude. Apesar de existirem protótipos de carros a hidrogénio, nenhum deles poderia funcionar a partir da eletrólise da água, uma vez que se gastaria muito mais energia do que aquela que se produz. A publicação em análise difunde assim uma falsidade.
Outro elemento a ter em conta é que a publicação inclui um vídeo de demonstração, com o cientista iraniano Alaedin Qasemi a explicar a sua invenção. Esse vídeo está alojado na plataforma YouTube, no canal “TED” (de “Ted Lee”) que apresenta um logotipo quase similar ao das TED Talks, o que pode induzir os leitores em erro e conferir-lhe uma aparência de credibilidade que, como acabamos de verificar, não se confirma na realidade.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Falso: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
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