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| - Um vídeo partilhado recentemente no Facebook recupera uma teoria da conspiração já com largos anos que defende que as bolachas Oreo têm, no seu design, símbolos maçónicos e/ou satânicos — e que o simples ato de as comer pode trazer consequências nefastas.
Partindo de um outro post, que lê em voz alta, antes de pegar num pacote das bolachas mais vendidas em todo o mundo — “Legião de demónios na bolacha Oreo. Está repleto de sinais! Fiquei sabendo disso… Será que é por isso que eu passo mal?” —, o utilizador de Facebook passa a explicar os tais símbolos ocultos nas faces das bolachas.
“Esta cruz dupla, em cima da Oreo, é uma cruz satânica”, diz, apontando para a parte superior da bolacha, onde pode ver-se o símbolo da Nabisco, a nova-iorquina National Biscuit Company, que em março de 1912 comercializou pela primeira vez as Oreo, cópia descarada das Hydrox, postas no mercado quatro anos antes pela mais modesta Sunshine Biscuits, de Kansas City — mas decididamente não uma Cruz de Leviatã, como sugere a imagem que inseriu sobre o vídeo.
“O que é que ela significa?”, pergunta, para de seguida dar uma resposta pouco elaborada — “Significa que ‘a gente viverá no mundo satânico para toda a eternidade'” — e passar ao símbolo seguinte, desta feita na parte de baixo da bolacha.
“Esse daqui é o símbolo da maçonaria”, pode ouvir-se no vídeo, a que entretanto é acrescentado uma imagem do esquadro e do compasso — que só com as melhores intenções do mundo é possível descortinar nas bolachas em questão, decoradas a toda a volta com o relevo do que aparentam ser trevos de quatro folhas ou qualquer outra espécie de motivos florais, que por sua vez serão, segundo o vídeo, as 12 rodas do zodíaco.
Ao contrário do que pode ler-se noutras publicações entretanto tornadas virais nas redes sociais, que chegam a defender que a cada bolacha comida uma parte da “alma” será “devorada pelos cães de fogo que guardam os portões do deserto de enxofre, onde Lúcifer impera”, o autor do vídeo deixa uma espécie de advertência no final, a garantir que não quer, com a publicação, incentivar ninguém a deixar de comer Oreo, nem o inverso.
“Aí vai da fé de cada um e da crença de cada um”, diz. “Informação nunca é demais e é importante você saber o que está ingerindo e o que está mandando para dentro do seu corpo”.
Mas, será mesmo informação?
Esta parte já ficou demonstrada: os símbolos que supostamente seriam visíveis no design da bolacha, não são de todo iguais aos símbolos satânicos e maçónicos sugeridos pelo autor do vídeo.
Ainda assim, para conseguir perceber se existe ou não algum fundo de verdade sobre o assunto, só mesmo falando com a empresa que comercializa as Oreo (que entretanto, em 2012, se tornou propriedade da Mondelēz International).
Apesar de não ter respondido ao Observador até à data de publicação deste artigo, no final de 2022 a marca responsável pelas bolachas fez referência ao assunto através de um post no então Twitter em que, não dizendo diretamente que se trata tudo de uma conspiração sem sentido, diz que se trata tudo de uma conspiração sem sentido.
You: OREO Cookies have hidden symbols.
Us: Do they?
You: DO they?
Us: ???? pic.twitter.com/IoXDe2g69T
— OREO Cookie (@Oreo) December 19, 2022
Ainda antes disso, em 2016, a revista digital Mental Floss publicou um artigo sobre “o duradouro mistério do design das bolachas Oreo”, em que entrevistou Bill Turnier, professor de Direito na Universidade da Carolina do Norte e filho de William Adelbert Turnier, que já morreu, creditado como o designer da Nabisco que em 1952 foi responsável por desenhar as novas faces das Oreo.
“Não se sabe qual foi a orientação dada a Turnier, se é que houve alguma, quando chegou a altura de fazer um facelift às Oreo. A única coisa que se manteve foi o nome da bolacha no centro. No lugar das coroas, Turnier colocou um conjunto de flores de quatro pétalas. À volta da palavra ‘Oreo’ havia um colofão, ou emblema, que era um círculo com duas linhas cruzadas no topo. Era o mesmo desenho que a Nabisco tinha utilizado para adornar o logótipo da empresa”, pode ler-se no artigo, onde se conta como William, que aos 18 meses teve poliomielite e ficou coxo para a vida, desistiu da escola depois de ser vítima de bullying e só foi para a universidade já em adulto e a trabalhar como paquete na Nabisco, onde permaneceu entre 1923 e 1973.
“A ideia foi dele. Este desenho remonta aos monges que o utilizavam na parte inferior dos manuscritos que copiavam na época medieval. Era um sinal de perícia — dizendo que tinham feito o melhor que podiam. A Nabisco gostou muito disso”, explicou o filho à Mental Floss, garantindo que todas as escolhas que o pai fez na decoração das famosas bolachas foram “de natureza estética”.
Mais do que isso: revelando que ficava verdadeiramente atrapalhado quando o procuravam para lhe perguntar insistentemente por que tinha desenhado assim as Oreo e que significados tinha escondido nas bolachas.
“Ele gostava do aspeto das flores. Nunca conseguiu entender quando as pessoas o localizavam exigindo algum tipo de explicação. ‘Porque é que usaste uma flor de quatro pétalas? Não existem flores de quatro pétalas!’ E ele já era um homem nos seus 80 anos, que me telefonava muito aflito. E, claro, existe uma flor com quatro pétalas, a epilobe [Epilobium angustifolium]. Tínhamos algumas no nosso quintal quando eu era miúdo”, contou Bill Turnier, que também revelou que, apesar de o avô paterno ter sido maçon, o pai foi sempre católico, portanto por muito que até pudesse estar familiarizado com a estética de alguns símbolos da maçonaria, não lhes atribuía qualquer tipo de significado ou conotação.
Conclusão
Há décadas que as teorias da conspiração sobre o significado oculto dos símbolos presentes nas Oreo subsistem, mas não há qualquer indicação de que no design das bolachas mais consumidas em todo o mundo existam símbolos maçónicos e/ou satânicos escondidos — e muito menos de que a ingestão de Oreo possa provocar a dilaceração da alma, “devorada pelos cães de fogo que guardam os portões do deserto de enxofre”. A própria marca responsável pelas Oreo faz pouco do assunto em publicações nas redes sociais. E uma entrevista publicada em outubro de 2016 ao filho do alegado designer responsável pelo molde das bolachas também garante que todas as suas opções foram “de natureza estética”. Apesar de várias publicações de referência, como o New York Times ou a Atlantic, terem escrito sobre o tema em 2011, conseguindo apenas que a Nabisco confirmasse que na época em que as Oreo foram redesenhadas havia um “engenheiro de design” chamado William Turnier a trabalhar na empresa, mas não arrancando a confirmação de que teria sido ele o responsável pelas alterações, a entrevista da Mental Floss a Bill Turnier aconteceu cinco anos depois — e nunca foi contestada.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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