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| - Muito menos mortes do que numa pandemia anterior, menos mortes até do que numa gripe normal, e ainda assim um alarmismo que leva à “ruína da economia mundial”. É este o balanço que uma publicação no Facebook faz sobre o impacto da Covid-19 no mundo, argumentando que no primeiro ano da pandemia, em 2020, a doença provocou ‘apenas’ 448.729 vítimas mortais e mesmo assim fez com que os peritos anunciassem “o fim do mundo”, que se fechassem “todos os negócios” e “as igrejas”.
A reação, comparando com os mortos provocados pela gripe espanhola em 1918 (50 milhões, de uma população de 950 milhões, diz o texto) e com as da gripe sazonal em 2018 (650 mil mortos com uma população de 7,5 mil milhões, um “ano típico”, descreve o post), é exagerada, argumenta-se aqui. Com apenas 0,006% da população a morrer com Covid-19, este utilizador pergunta “o que raio estamos a fazer” e questiona as medidas supostamente desproporcionais que estamos a tomar. Mas as contas não batem certo.
Começando pela Covid-19: em 2020, o ano em que foi declarada a pandemia (a Organização Mundial de Saúde — OMS — fê-lo a 11 de março desse ano), diz este utilizador que morreram menos de 500 mil pessoas com a doença, o que pelas suas contas significaria que apenas 0,006% da população mundial teria sido vítima da Covid-19.
Acontece que o número não está correto, como é facilmente verificável. Desde logo, num documento da OMS intitulado “o verdadeiro impacto da Covid-19 na mortalidade”, inclui-se informação sobre o número de mortos por Covid-19 no final desse primeiro ano: a 31 de dezembro contavam-se 1.813.188 vítimas. Mesmo assim, segundo a análise da OMS, esse valor pode ser bem mais baixo do que o número de mortes real, podendo chegar “pelo menos” aos três milhões.
Isto acontece porque, por um lado, muitos países ainda “não têm um registo civil funcional e estatísticas com capacidade para dar informação completa e atualizada sobre nascimentos, mortes e causas de mortes” (um estudo feito em 133 países indica que a percentagem de mortes que é registada varia entre os 98% declarados na Europa e apenas 10%, em média, em África).
Por outro lado, a OMS tem em conta outro parâmetro: o excesso de mortalidade que se vai acumulando — e que alguns países consideram uma medida mais “precisa” do verdadeiro impacto da pandemia — graças aos atrasos e problemas que o impacto da Covid-19 provoca nos serviços de saúde, por exemplo. Efeitos potencialmente mortais mas indiretos, portanto.
Apesar de haver, inclusivamente em Portugal, discrepâncias na forma como as mortes por Covid-19 são contabilizadas, é certo que não só havia muito mais do que o meio milhão que o post alega declaradas em 2020, como que os números redondos atingidos foram sendo noticiados por variados meios. A 27 de setembro de 2020 já era anunciado o primeiro milhão de mortes por Covid-19, ou seja, antes de acabar 2020 já se tinha atingido o dobro das mortes que o post alega.
Já depois de 2020, foram noticiados vários números marcantes — na Europa e não só — e a 2 de novembro de 2021 chegava-se aos cinco milhões de mortos a nível mundial, com António Guterres, no papel de secretário-geral da ONU, a defender que o valor traduzia uma “vergonha global” e que “se está a falhar em boa parte do mundo”, até porque enquanto muitos países avançam para as doses de reforço “só cerca de 5% da população de África está completamente vacinada”.
Cinco milhões de mortos por Covid-19 é “uma vergonha global”
Além do ponto relativo à Covid-19, há outras informações erradas: segundo o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças, a pandemia de gripe espanhola de 1918, que terá sido a “mais grave da História recente”, infetou “500 milhões de pessoas, ou um terço da população mundial” — significa isto que a estimativa de população era de cerca de 1500 milhões, e não 950, como afirma a publicação, o que faz da percentagem de infetados estimada (em números absolutos, 50 milhões) bastante mais baixa em relação ao total da população.
Já quanto à gripe sazonal, a OMS estima que possa causar, através das doenças respiratórias que provoca, 290 mil a 650 mil mortes todos os anos, o que significa que a publicação em causa só tem em conta o valor mais alto. Ainda assim, sublinha a OMS, a estimativa não reflete outras complicações que possam surgir e causar vítimas mortais, como doenças cardiovasculares.
Conclusão
O post garante que a reação à pandemia foi exagerada e teve consequências económicas (e não só) graves, mas baseia-se em números errados. Os mortos por Covid-19 em 2020 chegaram, a nível mundial, a pelo menos 1,8 milhões de pessoas, e não apenas 488 mil. Também há erros ou imprecisões nos números que apresenta sobre a população mundial em 1918 ou as mortes por gripe sazonal (ou complicações associadas).
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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