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| - Durante as mais de três horas de leitura da decisão instrutória da “Operação Marquês”, a 9 de abril, o juiz Ivo Rosa deu a conhecer os seis crimes pelos quais José Sócrates será julgado. Nenhum deles é o crime de fraude fiscal qualificada que constava três vezes na acusação do Ministério Público ao antigo primeiro-ministro. O magistrado considera que “inexiste qualquer norma legal no nosso ordenamento jurídico que imponha a um cidadão a obrigação de declarar, em sede de IRS, os proventos obtidos com o cometimento de um crime“.
“Só o juiz Ivo Rosa desconhece o Artigo 10.º da Lei Geral Tributária. Fiscalistas apontam ‘erro‘ na não pronúncia dos crimes de fraude fiscal na ‘Operação Marquês’. Especialistas em Direito Fiscal recordam que mesmo os rendimentos provenientes de atividades ilícitas devem ser declarados à Autoridade Tributária”, critica-se num post de 11 de abril no Facebook.
“Durante alguns anos dei formação em Fiscalidade, nomeadamente em IRS. Na altura, lecionava com base no Código do IRS, mas agora vou ter que ensinar de acordo com a interpretação do juiz Ivo Rosa“, ironiza-se noutro post, datado de 9 de abril.
No mesmo sentido apontou António Lobo Xavier, coordenador do Departamento de Fiscal da firma de advocacia Morais Leitão, ao intervir no programa de debate político “Circulatura do Quadrado”, na TVI24, em emissão especial a 9 de abril, poucas horas depois da leitura da decisão instrutória pelo juiz Ivo Rosa.
“Acho que o leque de crimes de que José Sócrates vai ser acusado não vai ficar por aqui. O juiz diz com uma simplicidade bastante ingénua, embora obviamente tenha trabalhado e seja um profissional sério, que não considera os crimes de fraude fiscal porque, sabendo que recebeu dinheiro de Carlos Santos Silva, no valor de um milhão e 700 mil euros, o que é que deveria fazer José Sócrates? Pegar na declaração do IRS, colocava o dinheiro em que categoria? Com franqueza, peço desculpa puxar a brasa à minha sardinha, mas o Direito Fiscal em vários pontos da lei, em leis estruturantes e gerais diz claramente que as atividades ilícitas dão lugar a tributação“, sublinhou Lobo Xavier.
“Não é pelo facto de o dinheiro que José Sócrates recebeu provir de uma atividade ilícita, corrupção, que ele fica ilibado de não fazer a declaração. Eu percebo que o juiz, quando consulta o Código do IRS não veja lá uma categoria de ‘corrupção’, porque não está lá obviamente. Mas a mim parece-me óbvio que se alguém recebe uma liberalidade por conta, na condição ou na esperança de que haja favores futuros, pelo menos deveria declarar Imposto de Selo e ao não tê-lo feito, obviamente que me parece que há espaço para indagar se há ou não fraude fiscal qualificada com aqueles montantes”, concluiu.
De facto, consultando a Lei Geral Tributária (LGT), confirma-se que no Artigo 10.º está previsto que “o carácter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis”.
Questionado pelo Polígrafo sobre esta matéria, Tiago Caiado Guerreiro, advogado especialista em Direito Fiscal e Económico, indica que, além da previsão da tributação dos rendimentos de carácter ilícito no Artigo 10.º da LGT, a mesma obrigação encontra-se “prevista no Artigo 1.º do Código do IRS“.
“O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos”, lê-se referido Artigo 1.º (Base do imposto).
“A minha interpretação é que há sujeição a impostos dos rendimentos ilícitos, não faria sentido penalizar as pessoas que têm rendimentos lícitos relativamente às que têm rendimentos ilícitos”, considera o fiscalista. “É claro que os corruptos não metem na declaração de rendimentos aqueles que são provenientes de corrupção, mas poderiam colocar”.
Por sua vez, Nuno Oliveira Garcia, advogado e professor de Direito Fiscal na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, confirma que “existe de facto uma norma legal, que já tem sido referida, o Artigo 10.º da LGT, que diz que o carácter lícito ou ilícito da obtenção do rendimento não impede a sua tributação, quando os atos preencham os pressupostos das normas de incidência fiscal”.
No entanto, Oliveira Garcia aponta para a segunda parte do Artigo 10.º, salientando que “no que respeita a atos de corrupção é difícil enquadrá-los nas normas de incidência do código do IRS. Neste caso, não estamos verdadeiramente perante uma atividade empresarial que está a ser levada a cabo, portanto há dúvidas sobre se deverão e como podem ser tributados este ganhos”.
Oliveira Garcia explica que, no caso de se tributar o ganho como uma liberalidade ou doação, “não existem dúvidas de que, neste caso, a transação é sujeita ao Imposto de Selo“. Já em sede de IRS, entende que não se tratando o ganho de uma mais-valia, nem de uma atividade empresarial, “apenas dificilmente se poderá dizer que se trata de um incremento patrimonial”, inserindo-se na categoria “g)” da incidência do IRS que diz tratar-se de uma “categoria residual”.
“Não é consensual, nem na doutrina, nem na jurisprudência, que todos os rendimentos de práticas ilícitas estão sujeitos a tributação. O que se quer dizer é que as práticas comerciais devem ser tributadas, ainda que ilícitas”, conclui.
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Avaliação do Polígrafo:
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