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| - Às vésperas da eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado para os seus dois últimos anos de mandato, que ocorreu no sábado passado (1º), o presidente Lula (PT) deu declarações enganosas sobre a relação entre Executivo e Legislativo na primeira metade de sua gestão.
O presidente inflou o número de projetos de lei e medidas provisórias aprovadas, negou que tenha havido problemas com o Congresso — apesar de já ter reconhecido as dificuldades da articulação política — e tentou tirar a responsabilidade do seu governo sobre as emendas parlamentares.
Com uma base parlamentar frágil e o comando das duas Casas fortalecido pela distribuição de recursos das emendas, Lula tem vivido uma relação conturbada com Câmara e Senado no seu terceiro mandato.
Confira abaixo o que checamos:
“Foi o momento [os primeiros dois anos de governo] em que nós aprovamos mais projetos de lei e medida provisória na história desse país” — em conversa com jornalistas, 30.jan.2025.
Não é verdade que a quantidade de projetos de lei e de medidas provisórias aprovada nos dois primeiros anos do terceiro mandato de Lula é maior que a de todas gestões anteriores, como tem sido repetido pelo presidente desde a assinatura do contrato de concessão da rodovia BR-381, em janeiro.
Levantamento feito pelo Aos Fatos a partir da base pública de dados da Câmara dos Deputados e do Palácio do Planalto mostra que a taxa de aprovação de MPs da atual gestão é a menor desde o primeiro mandato de Lula. Já a taxa de aprovação de PLs não supera a dos governos de Fernando Collor (1990–1992) e José Sarney (1985–1990).
Entre 2023 e 2024, o atual governo Lula enviou 59 PLs ao Congresso, sendo que 22 viraram normas jurídicas. Isso significa que 37,29% dos projetos de lei de autoria do Executivo foram aprovados pelo Congresso e sancionados pela Presidência.
O índice é inferior ao alcançado pelos governos Collor (38,96%) e Sarney (46,86%). Supera, no entanto, o registrado nos dois primeiros anos das gestões de Bolsonaro (25%), Temer (23,81%), dos dois mandatos de Dilma Rousseff (32% e 25,81%), de Lula (35,16% e 15,15%), de FHC (23,44 e 34,65%), e do mandato de Itamar Franco (34,65%);
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O número absoluto de projetos de lei aprovados na atual gestão (22) também é menor do que no primeiro mandato de Lula (32), nos mandatos de FHC (27 e 30, respectivamente), Itamar (44), Collor (60) e Sarney (82).
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A taxa de aprovação de medidas provisórias nos dois primeiros anos do atual governo Lula também não é a maior da história, uma vez que nesse período o Congresso aprovou somente 20 das 131 MPs editadas pelo Executivo Federal — uma taxa de aprovação de 15,27%.
O índice é inferior ao registrado nos governos Bolsonaro (37,18%), Temer (47,12%), nos mandatos de Dilma (71,60% e 47,46%) e dos anteriores de Lula (81,68% e 80%);
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O número absoluto de MPs aprovadas na atual gestão (20) é menor do que nos mandatos de Bolsonaro (58), Temer (49), Dilma (58 e 28), e anteriores do próprio Lula (107 e 88);
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No levantamento do Aos Fatos, a base de cálculo foi a mesma para todos os governos. Foram consideradas todas as MPs editadas no segundo ano de governo, ainda que caducadas ou aprovadas no terceiro, para manter a isonomia e incluir na contabilização as que seguem em tramitação na atual gestão;
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Os percentuais são próximos a de outros levantamentos feitos pela Folha de S.Paulo, CNN Brasil, e O Globo;
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As dificuldades para aprovar MPs já vinham sendo apontadas pelo jornal O Estado de S. Paulo desde 2023 em levantamentos parciais publicados em setembro e dezembro daquele ano, e às vésperas do fim de 2024.
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Discordância. Em resposta ao levantamento feito pela Folha de S.Paulo, em janeiro, a Secretaria de Relações Institucionais alegou ser equivocado considerar que houve aprovação de apenas 15% das MPs no primeiro biênio de governo. Segundo a secretaria, a taxa de aprovação seria de 94%, e para chegar ao percentual é preciso excluir MPs em tramitação e de natureza temporária, como créditos orçamentários.
Em nota ao Aos Fatos, a SRI disse que não foi feita a exclusão de qualquer texto, e sim uma “classificação” em razão de sua “natureza e de seus desdobramentos legislativos e de seus resultados”.
“Há de se considerar que houve uma mudança nos ritos de tramitação das MPs, com a suspensão das instalações de comissões especiais — condição essencial para a aprovação dos textos. Diante dessa impossibilidade legislativa, o conteúdo das MPs foi incorporado em Projetos de Lei, assegurando que seus objetivos fossem atingidos”, diz trecho da nota.
A mudança a que se refere o posicionamento ocorreu no primeiro semestre de 2023. Em abril daquele ano, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), determinou a volta das comissões mistas — compostas por 12 deputados e 12 senadores — para análise de medidas provisórias. A necessidade de instalação tinha sido suspensa em 2020, após o Congresso aprovar um rito simplificado em razão da pandemia.
Após a decisão de Pacheco 11 medidas provisórias foram apreciadas pelas comissões, mas impasses entre o presidente do Senado e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), impediram que outras comissões fossem instaladas desde então. Por isso, a SRI incluiu no seu cálculo de MPs aprovadas os projetos de lei que incorporaram o conteúdo das medidas.
Contudo, como mostrou Aos Fatos, o índice de aprovação de PLs enviados pelo Executivo no terceiro governo Lula é menor do que os dos governos Sarney e Collor. Nos dois primeiros anos da atual gestão, 76 medidas provisórias caducaram — recorde negativo desde 2001. Como comparativo, nos dois primeiros anos do primeiro mandato de Lula foram oito.
“O governo não tem nada a ver com as emendas parlamentares” — em conversa com jornalistas, 30.jan.2025
O presidente Lula engana ao afirmar que o governo não tem qualquer envolvimento com emendas parlamentares. O governo tem feito acordos de repasse de emendas parlamentares em troca de apoio político antes de votações e análises de vetos.
As emendas são uma forma dos parlamentares enviarem verbas e apoiarem programas, ações e obras em seus redutos eleitorais (estados ou municípios). A responsabilidade de encaminhar os recursos destinados pelos parlamentares é do governo federal.
Há diversos tipos de emendas que podem ser ou não impositivas — quando o governo é obrigado a pagar. O STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucionais as chamadas “emendas de relator” em dezembro de 2022, após o governo Bolsonaro operar um esquema conhecido como “orçamento secreto”.
Ao proibir o esquema, R$ 9,8 bilhões — metade do montante previsto para o “orçamento secreto” de 2023 — foi convertido em emendas individuais (RP6);
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Já a outra metade foi destinada a emendas com rubrica RP2, cuja destinação é definida pelos ministérios a pedido de senadores e deputados.
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Em 2024, um relatório da Transparência Brasil afirmou que o orçamento secreto continuou sendo operado durante o governo Lula e desdobrado em outros mecanismos, a exemplo das rubricas RP6 e RP2.
Na prática, os mecanismos continuam permitindo que o governo negocie apoio político com os parlamentares, o que já ocorreu em diversas ocasiões:
Às vésperas da votação da Reforma Tributária, em julho de 2023, o governo liberou R$ 5,2 bilhões das “emendas Pix”, denominadas oficialmente de “emendas individuais RP6 na modalidade transferência especial”;
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A “emenda Pix” é uma forma de disponibilizar recursos do Orçamento da União com maior agilidade a Estados e municípios. Esse tipo de emenda, assim como a RP9, era pouco transparente e tinha problemas de fiscalização;
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Dados do próprio governo mostram que no primeiro ano da atual gestão (2023), Lula mais que dobrou o empenho de emendas parlamentares em relação a 2022, último ano do governo Bolsonaro;
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Na época, o ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, disse que a liberação de verbas pelo governo tinha a ver com as prioridades políticas da gestão;
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Em maio de 2024, o governo fechou um acordo com o Congresso sobre emendas parlamentares e evitou derrota em veto.
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Transparência. Em agosto de 2024, o ministro Flávio Dino, do STF, decidiu que os repasses das emendas impositivas fossem suspensos até que os poderes Legislativo e Executivo criassem medidas de transparência e rastreabilidade das verbas. A decisão, mantida por unanimidade pela Corte, afetou as “emendas Pix”.
Em novembro, Lula sancionou, sem vetos, um projeto de lei que previa novas regras para dar mais transparência às emendas parlamentares. Entidades de fiscalização, no entanto, alegaram que o projeto estava aquém dos requisitos pedidos pela Corte. Mesmo com o projeto de lei aprovado, as emendas seguiram suspensas.
A retomada dos pagamentos ocorreu em dezembro, quando Dino impôs condições para execução de emendas parlamentares, após reuniões entre o Legislativo e o Executivo. Desde então, o ministro ainda tem cobrado o Congresso por transparência em relação às emendas parlamentares.
“Eu, até agora, não tive nenhum problema de conviver com um Congresso que parecia adverso” — em discurso, 16.jan.2025
Na declaração feita durante a cerimônia de sanção do texto que regulamentou a reforma tributária, Lula indica que não viu problemas em sua relação com o Congresso. O presidente omite, entretanto, que, desde o início da gestão, pautas governistas enfrentam dificuldades para avançar na Câmara e no Senado. O fato já foi reconhecido pelo próprio Lula no fim de 2023.
Na época, o presidente citou como exemplo o texto do marco temporal, que foi aprovado pelo Congresso. Lula chegou a vetar o projeto que regulamenta os direitos originários indígenas sobre suas terras, mas teve o seu veto derrubado pelo Congresso.
O presidente amargou outras derrotas na votação de vetos e viu avançar matérias que não contavam com o seu apoio. No total, 32 vetos de Lula a projetos aprovados pelo Legislativo foram derrubados total ou parcialmente pelos parlamentares, como apontou um levantamento feito pela Folha de S.Paulo. A pior marca até então era do governo Bolsonaro (31).
O número de vetos presidenciais a serem analisados pelo Senado também vem se acumulando. São 56, sendo que 33 estão travando a pauta de votações da Casa.
Um dos vetos presidenciais em análise é do PL 6.064/2023, que previa uma indenização única por danos morais de R$ 50 mil, além de uma uma pensão mensal e vitalícia equivalente ao teto do INSS (hoje R$ 8.157,41) a pessoas com deficiência causada pelo vírus zika durante a gestação;
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Pelas regras atuais, crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus, nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019 e beneficiárias do BPC (Benefício de Prestação Continuada) têm direito a uma pensão mensal e vitalícia no valor de um salário-mínimo (hoje R$ 1.518);
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Lula vetou o PL na íntegra e editou uma medida provisória que dá R$ 60 mil de apoio financeiro em parcela única, restrita a este ano, a crianças nascidas entre 2015 e 2024. A medida não prevê aumento de valores nem no escopo de beneficiários.
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Em julho de 2024, o Barômetro do Poder, levantamento mensal feito pelo InfoMoney com consultorias e analistas políticos apontou que o governo vivia seu pior momento em termos de força parlamentar.
Em checagem anterior, Aos Fatos já apontou que Lula tem enfrentado dificuldades na aprovação de projetos de lei e medidas provisórias durante o primeiro biênio de governo.
O caminho da apuração
Aos Fatos consultou bases de dados públicas como a da Câmara dos Deputados e do Palácio do Planalto. Foram consultados também manuais do governo sobre emendas parlamentares e reportagens publicadas pela imprensa sobre a liberação de emendas.
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