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| - Recorrer a cigarros como tratamento para asma pode parecer algo incoerente, à luz do conhecimento atual. Segundo a Direção-Geral de Saúde, o ato de fumar está associado ao aumento do risco de cancro, de AVC e de doenças respiratórias. Contudo, há um século, tratava-se de uma prática bastante comum. Os chamados “Cigarros da Asma” permitiam ao doente inalar um conjunto de substâncias que, na altura, eram consideradas terapêuticas.
A asma é uma doença inflamatória crónica que causa obstrução nos brônquios e provoca falta de ar. Esta inflamação tem, na maior parte das vezes, um componente alergénico que pode ser agudizado em determinadas alturas do ano – como a primavera e o outono.
Atualmente, o tratamento da asma é feito à base de inaladores que contém substâncias corticoides (que atuam na infeção) e bronquiodilatadores (que aliviam a obstrução). Mas nem sempre foi assim. No início do século XX, havia, de facto, cigarros que eram prescritos para tratar os sintomas e as consequências da asma.
Rita Gerardo, pneumologista no Hospital de Santa Marta e coordenadora da Comissão de Alergologia Respiratória da Sociedade Portuguesa de Pneumologistas (SPP), confirma ao Polígrafo a utilização deste tratamento, mas ressalva que a composição dos chamados “Cigarros da Asma” “é muito diferente dos cigarros comercializados atualmente”, uma vez que eram “fabricados especificamente para doentes com asma”.
Na composição destes cigarros estava, entre outros componentes, a planta estramónio (Datura Stramonium), “muito provavelmente devido às suas propriedades muscarínicas”, explica a pneumologista. À luz do conhecimento atual, sabe-se que os ativos desta planta – “os alcaloides de beladona” – “inibem a neurotransmissão colinérgica e, assim, o processo de broncoconstrição”, que ocorre em situações de crises asmáticas.
Além de estramónio, eram também utilizados componentes que que contém metilxantinas – presentes no café e no chá – e substâncias que têm propriedades sedativas – tais como o ópio, clorofórmio ou éter. “As plantas contendo nicotinas, como o tabaco e a Lobelia Daturum (referida como erva da asma) também eram usadas”, identifica Rita Gerardo.
As folhas de estramónio já eram usadas no século XIX como forma de aliviar os sintomas dos pacientes asmáticos. Segundo um artigo publicado no Journals of Medical History, esta substância começou por ser usada como analgésico, mas em 1816, Alexander Marcet apercebeu-se dos resultados que a planta tinha no tratamento da asma. As propriedades anti-espasmódicas levaram a que os médicos recomendassem aos pacientes fumar estramónio. O uso de ópio, beladona, tabaco, café, entre outras substâncias passaram a ser incluídas neste tratamento pelo clínico e patologista francês René Laennec.
“Os ‘Cigarros da Asma’ caíram em desuso, principalmente, pela sua falta de eficácia e pelos efeitos adversos graves que causaram, como delírio, alucinações e outras reações psicoativas“, afirma ainda a especialista, acrescentando que a planta usada na composição destes cigarros é “altamente tóxica e pode provocar intoxicações graves“.
O avanço da medicina concluiu também que a inalação de fumo através do consumo de cigarros provocava irritação no sistema respiratório. Também o estudo da doença teve impacto nas prescrições médicas e passou a ser dada preferência ao tratamento da inflamação dos brônquios.
Foram ainda identificados riscos associados ao consumo de várias substâncias incluídas na composição dos “Cigarros da Asma”, como o tabaco e o ópio. O uso dos “Cigarros da Asma” como tratamento manteve-se até à década de 1980, em conjunto com terapias de inalação de broncodilatadores, esteroides e outras substâncias que atuam nos pulmões.
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Avaliação do Polígrafo:
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