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| - “Os refugiados ucranianos não terão todos as mesmas origens ou convicções. Não se pode excluir que existam entre eles russófonos, independentistas, refratários, ou seja, homens que fugiram da lei marcial, recusando a incorporação obrigatória nas forças armadas e a ida para a guerra, entre outros. As obrigações de proteção do Estado Português não podem excluir nenhum deles“, começa por escrever o vereador do PCP na Câmara Municipal de Lisboa, numa publicação na sua página no Facebook, no dia 9 de maio.
O texto de João Ferreira, explica o próprio, vem a propósito de uma decisão da CML que “deixa estes refugiados expostos a uma óbvia vulnerabilidade. Os dados pessoais destes refugiados (por exemplo, os refratários) e suas famílias podem agora estar à disposição da Embaixada da Ucrânia. O perigo é evidente. Isto porque a Câmara Municipal decidiu atribuir a gestão do apoio aos refugiados em Lisboa, sem qualquer concurso, a uma associação (com conhecidas e assumidas posições nacionalistas) indicada pela Embaixada da Ucrânia. Desta vez, porém, não há manchetes bombásticas, nem comentários indignados, nem pedidos de investigação, nem moções de censura. Quem responde pelas consequências desta decisão?”.
Também no Twitter, o vereador comunista escreveu um texto semelhante, limitado pelo número de caracteres, mas onde acrescenta esta nota: “As obrigações de proteção do Estado Português não podem excluí-los. A opção da Câmara de Lisboa é perniciosa e condenável.”
O que está em causa?
Três dias antes das publicações nas redes sociais de João Ferreira, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou as medidas de concretização do Programa Municipal de Emergência “VSI TUT- Todos Aqui“ para integração dos refugiados da Ucrânia. A criação do programa foi uma decisão unânime do executivo municipal tomada a 9 de março.
A proposta de medidas de concretização do programa foi aprovada por unanimidade pelo executivo municipal de Lisboa, mas a celebração de um protocolo com a Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP), incluindo a atribuição de um apoio financeiro no valor de 320 mil euros até 2023 (290 mil euros este ano e 30 mil euros em 2023), foi aprovada com os votos contra dos vereadores do PCP.
Segundo a proposta aprovada, este protocolo com a AUP, uma associação que foi constituída em 2013 e nasceu na sociedade civil, irá “garantir às pessoas refugiadas da Ucrânia, referenciadas pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e que pretendam fixar-se no concelho de Lisboa, apoio social imediato, logo na fase inicial de acolhimento e integração”. Os 320 mil euros atribuídos serão direcionados para a preparação de um novo espaço para receber os refugiados e para o Fundo de Apoio Social para responder às famílias carenciadas.
“Sempre em articulação com o ACM. Estas pessoas chegam, vêm referenciadas e nós temos a possibilidade neste espaço também do apoio pecuniário, do apoio financeiro às famílias ou às pessoas mais carenciadas”, explicou a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais, Laurinda Alves, considerando que “muda tudo, porque as pessoas têm um espaço centralizado, onde têm todas as linhas de atendimento”.
Contactada pelo Polígrafo, fonte oficial da CML nega a alegação do vereador do PCP de que este protocolo com a Associação dos Ucranianos em Portugal possa colocar em causa a privacidade de quem procura refúgio em Portugal para fugir à guerra na Ucrânia. “É falso que o acordo/documento preveja qualquer partilha de dados pessoais ou outros com qualquer Embaixada”, garante a CML.
“É falso que o acordo/documento preveja qualquer partilha de dados pessoais ou outros com qualquer Embaixada”, garante a CML.
A autarquia refuta os argumentos de João Ferreira e explica que “no âmbito do referido protocolo, o Município não tem acesso a dados pessoais dos cidadãos ucranianos. Não obstante, é expressamente prevista a obrigação da Associação dos Ucranianos em Portugal respeitar o Regulamento Geral de Proteção de Dados, bem como a legislação nacional nesse domínio”.
No protocolo entre a CML e a AUP, a que o Polígrafo teve acesso, pode ler-se: “A segunda outorgante [AUP] obriga-se, ainda, a cumprir escrupulosamente na sua atuação o disposto no Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (RGDP), bem como na demais legislação nacional que vigore no domínio da proteção de dados pessoais.”
“A segunda outorgante obriga-se, ainda, a cumprir escrupulosamente na sua atuação o disposto no Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (RGDP), bem como na demais legislação nacional que vigore no domínio da proteção de dados pessoais.”
Perante o esclarecimento da CML, o Polígrafo contactou o PCP na autarquia lisboeta para obter um comentário. Fonte oficial do partido enviou a declaração de voto dos vereadores comunistas e esclarece que “tal como manifestado na última reunião da CML, os vereadores do PCP consideram que a decisão da CML de transferir as responsabilidades de operacionalização do processo de acolhimento e apoio aos refugiados para a referida Associação suscitam dúvidas quanto à utilização que poderá vir a ser feita dos dados pessoais dos refugiados“.
“Entre outros aspetos gravosos, foi mencionada a possibilidade de que os dados pessoais de refugiados recolhidos possam ser fornecidos à Embaixada da Ucrânia, o que deixaria vários deles expostos a uma óbvia vulnerabilidade”.
“Entre outros aspetos gravosos, foi mencionada a possibilidade de que os dados pessoais de refugiados recolhidos possam ser fornecidos à Embaixada da Ucrânia, o que deixaria vários deles expostos a uma óbvia vulnerabilidade. Até ao momento, não foi prestado pela Câmara Municipal de Lisboa qualquer esclarecimento sobre que meios de fiscalização concretos serão utilizados para assegurar a correta utilização dos dados dos refugiados e a inexistência de partilha com outras entidades, pelo que não se pode garantir a inexistência dessa possibilidade”, reforça o PCP na nota enviada ao Polígrafo.
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