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| - Uma mulher afirmou no Twitter que desenvolveu uma vasculite após ter sido vacinada com uma dose da vacina da Janssen: “Isso é o que estão achando no sangue dos vacinados, os médicos não sabem do que se trata, tem uma suspeita ser algo plástico ou metal”, descreveu a mulher nas redes sociais, referindo-se a uma imagem que parece mostrar corpos estranhos, semelhantes a um fio, em suspensão numa amostra de sangue.
A publicação está a ser altamente difundida nas redes sociais e há mesmo quem afirme que estas substâncias foram introduzidas na corrente sanguínea através da vacina para disseminar a tecnologia 5G. Quando isso acontecer, o “sangue dos picados” vai “ferver”, antecipa um internauta que difundiu o suposto alerta: “A Bíblia diz que as ruas [se] encherão de mortos”.
Embora a publicação original não esclareça que vacina da Janssen foi administrada, é plausível assumir que a autora se referia à da Covid-19, uma vez que ela tem sido instrumentalizada em notícias falsas acerca das supostas patologias que os fármacos podem causar. Mas as imagens que a mulher partilhou não confirmam que sofre de uma vasculite, nem comprovam uma ligação com a vacinação.
Isso mesmo apontou Paolo Zanotto à AFP, um médico que já tinha visto as imagens em contexto clínico dois dias antes da publicação e que sugeriu uma explicação para elas: os corpos estranhos não são metais nem plásticos. Serão “fibras análogas a fibras de celulose de papel ou algodão que podem ter sido usados para limpar lâmina e lamínula”. As lâminas continham uma amostra de sangue que pode ter sido contaminada com as fibras.
De acordo com a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, as vasculites são inflamações dos vasos sanguíneos — uma condição que pode provocar “redução ou bloqueio da circulação de sangue dentro destes vasos ou a parede destes pode tornar-se mais fina, provocando dilatações localizadas (os chamados aneurismas)”.
As causas são difíceis de apurar e, na maior parte dos casos, ficam por descobrir. Mas sabe-se que, em alguns casos, podem ser causadas por “medicamentos e infeções, como a hepatite”. Um dos efeitos secundários muito raros da vacina da Janssen contra a Covid-19 apontados pelo Infarmed é, de facto, a “inflamação dos pequenos vasos sanguíneos”, cuja nomenclatura clínica é vasculite dos pequenos vasos.
Ainda assim, a imagem em causa não comprova o desenvolvimento de uma vasculite. Nem que, mesmo que se tratasse de uma inflamação dos vasos sanguíneos, tenha sido causada pela vacina. Desde logo porque as imagens obtidas são de uma microscopia de campo escuro, que permite analisar a morfologia das células e dos seus componentes, mas que não revela as inflamações dos vasos.
Para diagnosticar uma vasculite, esclarece a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, há outros exames laboratoriais: os hemogramas contabilizam o número de glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas no sangue, o que é útil porque mais glóbulos brancos em circulação pode significar que o organismo está a batalhar contra uma infeção.
A velocidade de sedimentação é uma análise que mede quão depressa as células suspensas no sangue sedimentam quando são deixadas num tubo de ensaio; e pode ser útil para detetar uma infeção de modo indireto. A presença da proteína C-reativa ou de anticorpos anti-citoplasma de neutrófilo também é um indicador utilizados pelos médicos. É que a proteína é produzida no fígado durante um processo inflamatório, enquanto a presença dos anticorpos indicam que o organismo está a batalhar contra alguns tipos de vasculite.
Além destes exames laboratoriais, os profissionais de saúde também podem recorrer a biópsias ou exames de raios-X para confirmar uma inflamação dos vasos sanguíneos. Mas a microscopia de campo escuro que surge nas imagens não é em momento nenhum mencionada pela Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.
De resto, embora seja verdade que em casos muito raros a vacina contra a Covid-19 da Janssen pode provocar vasculites, essa doença é mais comum em quem, não tendo sido vacinado, é infetado pelo coronavírus. Segundo os dados da EudraVigilance, a base de dados europeia para as suspeitas de reações adversas com medicamentos, entre as quase 915 milhões de doses que foram administradas no Espaço Económico Europeu, só 48 pessoas reportaram sintomas condizentes com uma vasculite. E destas, apenas três foram fatais.
Por outro lado, a Covid-19 pode causar vasculite com maior probabilidade do que a vacina porque as células que compõem os vasos sanguíneos são ricos nas estruturas que o vírus SARS-CoV-2 utiliza para causar a infeção — os recetores ACE2. A Doença de Kawasaki, que foi descrita em algumas crianças que desenvolveram casos mais graves de Covid-19, é precisamente uma inflamação dos vasos sanguíneos. E é por isso que, mesmo havendo um raro risco de desenvolver vasculite, ele acaba por ser maior para quem não é vacinado e apanhe a doença.
Conclusão
Não é verdade que as imagens partilhadas na publicação demonstrem que a vacina da Janssen, presumivelmente contra a Covid-19, provocou uma vasculite. Estas foram obtidas através de uma análise laboratorial que não é utilizada para diagnosticar esta doença; e o corpo estranho detetado nelas é muito provavelmente uma fibra do material que se usa para limpar as lâminas onde são depositadas as amostras de sangue.
Embora seja verdade que a vacina da Janssen contra a Covid-19 pode causar vasculites, esses casos são extremamente raros. Na verdade, essa doença é mais provável em quem, não tendo recebido a vacina, é infetado e desenvolve Covid-19.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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