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| - Poucos dias depois de ter sido afastado de casos de violência doméstica, transferido para uma seção cível do Tribunal da Relação do Porto, o juiz-desembargador Joaquim Neto de Moura concedeu uma entrevista ao jornal “Expresso”, publicada na edição de hoje. Questionado sobre se “teve algum processo de violência doméstica que o tenha marcado”, respondeu da seguinte forma: “Os casos que tenho julgado não são particularmente graves“. A jornalista perguntou depois se “não está a menosprezar”, mas Neto de Moura garantiu que “não”.
Vários leitores do Polígrafo pediram uma verificação de factos relativamente a esta declaração do juiz-desembargador. Trata-se de uma análise complexa e arriscada, dada a subjetividade do que se classifica como “particularmente graves”, mas os detalhes de dois dos casos mais controversos em que Neto de Moura interveio como juiz-desembargador permitem concluir que eram graves, de facto, envolvendo práticas de violência brutal. Desde o “homem que rebentou um tímpano à mulher ao soco“, até ao “marido que acabaria por agredir a mulher usando uma moca com pregos“. Passamos a transcrever os artigos jornalísticos que revelaram esses dois casos, com mais elementos que refutam a declaração de Neto de Moura:
“Rebentou o tímpano à mulher com socos. Neto de Moura tirou-lhe a pulseira electrónica”
Jornal “Público”, 25 de fevereiro de 2019
“O juiz Neto de Moura, autor do célebre acórdão sobre o apedrejamento de mulheres adúlteras, voltou a pronunciar-se sobre violência doméstica. Num acórdão que proferiu no final de Outubro passado sobre um homem que rebentou um tímpano à mulher ao soco, o magistrado do Tribunal da Relação do Porto retirou ao agressor a pulseira electrónica que os colegas de primeira instância lhe tinham aplicado para garantirem que não se voltava a aproximar da vítima, depois de o terem condenado a uma pena suspensa.
Neto de Moura alegou que os juízes que condenaram o agressor não pediram autorização ao próprio para lhe aplicar semelhante medida, nem justificaram na sentença por que razão era imprescindível recorrer a este meio de controlo à distância para proteger a mulher. E não está sozinho nesta posição: há mais decisões no mesmo sentido vindas dos tribunais superiores.
‘Esta mulher vive escondida, aterrorizada. Teve de trocar de casa‘, conta o seu advogado oficioso, Álvaro Moreira, explicando que o agressor, um electricista de 53 anos, continuou a proferir ameaças de morte contra a ex-mulher já depois de ter sido condenado, por intermédio do filho do casal, que já é adulto, e de um irmão da vítima. ‘Quando os técnicos dos serviços prisionais lhe bateram à porta para lhe retirarem a pulseira que ela também usava para prevenir as autoridades em caso de aproximação do ex-marido ficou em choque. Disse-me: ‘Estou outra vez à mercê dele’’.
Marido e mulher moravam num bairro camarário de S. Mamede de Infesta, Matosinhos, e de acordo com aquilo que ficou provado em tribunal o electricista nunca se coibiu de maltratar a companheira, nem mesmo durante a gravidez. As coisas agravaram-se, porém, nos últimos cinco anos do relacionamento, com ameaças de morte, bofetões e agressões verbais. Quando ele bebia dizia que ela era ‘uma puta, uma vaca que só tinha amantes, uma porca, que não valia nada’. Controlava-lhe os passos, e chegou a automutilar-se para lhe mostrar que não tinha medo de nada. ‘Vou-te matar e depois mato o teu filho‘, apregoava.
Houve um dia em que lhe desferiu vários socos na cabeça, perfurando-lhe um tímpano. Gerente de um café, a mulher acabou por ter de fechar o negócio. Apresentou queixa, tendo sido aplicada uma pulseira electrónica ao electricista logo nessa altura, como medida de coacção. No Verão passado o homem foi condenado por um juiz do Tribunal de Matosinhos a três anos de pena suspensa por violência doméstica agravada, a pagar 2.500 euros à vítima por danos morais e a frequentar um programa de controlo de agressores. Ficou ainda proibido de se aproximar da ex-mulher ou de a contactar de qualquer forma também durante este lapso de tempo. “Mais se determina que durante os três anos a fiscalização ocorra por meios técnicos de controlo à distância, dispensando-se o consentimento do arguido para esse efeito”, pode ler-se na sentença”.
“Juiz desculpa violência doméstica com adultério da mulher”
“Jornal de Notícias”, 22 de outubro de 2017
‘O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte’. Estas frases constam de um acórdão da Relação do Porto, que arrasa uma mulher que traiu o marido e acabou agredida pelo mesmo e sequestrada pelo amante, ambos condenados a penas suspensas de prisão por violência doméstica. Em duas dezenas de páginas, são oito as frases usadas pelo tribunal superior para manter as penas suspensas do marido e do amante, fixadas pelo Tribunal de Felgueiras, e que levaram o Ministério Público a recorrer para a Relação, na tentativa de aumentar as penas para mais do dobro.
O caso nasceu em novembro de 2014, quando um homem solteiro de Marco de Canaveses e uma mulher casada de Felgueiras se envolveram numa relação extraconjugal. Ao fim de dois meses, a mulher quis acabar tudo, mas o amante passou a persegui-la, no seu local de trabalho e com SMS. O amante acabou por revelar a traição ao marido e o casal separou-se, mas o cônjuge passou a enviar-lhe SMS com insultos e ameaças de morte.
Entretanto, também o amante continuou a assediar a vítima, ao ponto de, em junho de 2015, a ter sequestrado e transportado para perto do emprego do marido, ao qual telefonou, naquele momento, convidando-o para um encontro. Aparentemente sem premeditação, o marido acabaria por agredir a mulher, usando uma moca com pregos.
O Tribunal de Felgueiras julgou o caso e entendeu aplicar ao marido, pelo crime de violência doméstica, a pena de um ano e três meses de prisão, que suspendeu, e uma multa de 1750 euros por posse de arma proibida. Ao amante foi atribuída, pela violência doméstica, uma pena de um ano de prisão, também suspensa, mais 3.500 euros de multa por crimes de perturbação da vida privada, injúrias, sequestro e ofensas à integridade física.
Inconformado, o Ministério Público recorreu para a Relação do Porto invocando, entre outros argumentos, uma valoração errada da prova e da medida da pena, sugerindo a aplicação de uma mais grave e efetiva pena de prisão.
No acórdão do tribunal superior, assinado pelos desembargadores Neto de Moura e Maria Luísa Abrantes (enquanto adjunta), os juízes explicam que a prova foi bem avaliada pelo tribunal de primeira instância, que entendeu que o marido, socialmente inserido, agiu num quadro depressivo”.
Avaliação do Polígrafo:
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