schema:text
| - O vídeo, filmado dentro de um veículo em andamento, mostra duas crianças ensanguentadas a chorar, no colo de um homem vestido com material de proteção. Ouvem-se sirenes ao longe. O homem tenta acalmar as crianças em árabe. Segundos depois, já em inglês, fala diretamente para a câmara para explicar que se estava a dirigir para um local atingido por ataques. Quando chegou, as pessoas “entregaram-lhe dois bebés feridos pelos bombardeamentos”.
Na legenda da publicação, que entretanto se tornou viral nas redes sociais, lê-se que a gravação mostra “crianças judias resgatadas pelo exército de Israel”. Acrescenta o autor do post, no que parece ser uma referência ao grupo extremista Hamas, que “as cobardias destes terroristas não têm limites”, em particular por “fazerem isto com crianças inofensivas”. Nota-se ainda na legenda um suposto ataque à atual situação política no Brasil, com a publicação a referir que os “esquerdistas” no Brasil apoiam “esses cobardes [Hamas]”, uma situação que deixa o autor do post “revoltado”.
Mas vamos à análise da publicação. O primeiro ponto que suscita dúvidas sobre o rigor desta alegação prende-se com o facto de o homem estar a falar em árabe com as crianças, apesar de, de acordo com a publicação, estarem representadas duas crianças judias e um soldado israelita. Utilizando a plataforma Google Images, que permite pesquisar o registo histórico de imagens online, concluímos que o vídeo foi originalmente publicado a 22 de outubro de 2023 — ou seja, duas semanas depois do primeiro ataque do Hamas a Israel — na página pessoal de Instagram do protagonista da gravação. Trata-se de Motaz Azaiza. Não é um soldado israelita, mas sim um jornalista palestiniano. Nesse vídeo, Motaz Azaiza não revela, no entanto, quando as imagens foram originalmente gravadas, nem o local onde as crianças estavam quando foram atacadas.
Israel prepara uma invasão a Gaza para “esmagar” o Hamas. Mas como?
Desde 22 de outubro, a versão original do vídeo foi amplamente partilhada, inclusive por outros jornalistas. Um desses jornalistas é Matt Gutman, correspondente do canal norte-americano ABC, e que, também na sua página pessoal da rede social Instagram, explica que Motaz Azaiza estava em Gaza, em reportagem, quando lhe deram para as mãos “dois bebés feridos num ataque israelita”. O palestiniano, explica o jornalista da ABC, terá prontamente “deixado cair a câmara” e “corrido” para um hospital. Escreve também Matt Gutman, neste post, que “as crianças sobreviveram e estão a ser tratadas num hospital”.
Mas o tempo de antena não se ficou por aqui. A gravação foi também transmitida no programa matinal diário da ABC “Good Morning America”. Na reportagem do canal ABC, entretanto publicada na página oficial do programa, surgem novos dados: o vídeo foi gravado na Faixa de Gaza, num momento de intensos bombardeamentos israelitas ao enclave controlado pelo Hamas — que incluíram ataques sucessivos ao campo de refugiados de Jabalia. A peça da ABC dá conta de uma crise humanitária em Gaza, a afetar, principalmente, as faixas etárias mais jovens — há registo de várias crianças a serem levadas a correr para os hospitais, na sequência dos bombardeamentos. O correspondente do canal norte-americano em Gaza descreve mesmo que, no terreno, só há “morte e destruição”.
Ainda sobre Motaz Azaiza, pesquisando o nome do jornalista na internet, encontramos algumas entrevistas e perfis sobre o mesmo. Num desses artigos, publicado na página New Arab, Motaz é descrito como “a janela de Gaza para o mundo” pelo trabalho jornalístico que desenvolve em território palestiniano. Lê-se também que o repórter nasceu e cresceu no campo de refugiados de Deir al-Balah, em Gaza. Numa outra reportagem, essa publicada na página do canal AlJazeera, é revelado que, entre o trabalho realizado, o fotojornalista filmou os danos causados por um ataque israelita que atingiu a habitação onde morava, em Deir al-Balah. De acordo com o AlJazeera, pelo menos 15 membros da família do repórter, na maioria mulheres e crianças, morreram no ataque. O jornalista já apareceu, igualmente, em vídeos da agência das Nações Unidas para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês).
This is how #Gaza looks like right now. We are planning to go IG live with our freelance content producer Motaz Azaiza soon.Stay tuned.
As of now, add your name to the pre-drafted letter to @SecBlinken urging him to allow humanitarian aid into Gaza now: https://t.co/vfhZ2mN9UF pic.twitter.com/1WMuE3FrQA
— UNRWA USA (@unrwausa) October 19, 2023
Conclusão
O vídeo é real, mas é falso que represente um soldado israelita a resgatar duas crianças judias vítimas de um ataque do Hamas. O homem que aparece na gravação é um conhecido jornalista palestiniano, nascido na Faixa de Gaza, e que procura, através do trabalho que desenvolve, chamar atenção para a grave situação humanitária que se vive no enclave. O vídeo partilhado na publicação, e que entretanto se tornou viral, terá sido gravado após um ataque aéreo israelita a Gaza. Já foi, desde então, partilhado em meios de comunicação internacionais, como o canal norte-americano ABC.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
|