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| - As críticas que dirigiu ao atual Governo do PS, liderado por António Costa, catapultaram o ex-Presidente da República e antigo primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva de novo para o centro do debate político. No Twitter, por exemplo, chegou mesmo a encimar a lista de temas mais discutidos ao longo de vários dias. E algumas dessas publicações sobre Cavaco Silva geraram dúvidas e motivaram de pedidos de verificação de factos pelo Polígrafo.
Nomeadamente, um tweet de 23 de maio através do qual se questiona: “Digam-me uma boa medida que um Governo de direita tenha implementado em Portugal e que tenha mudado radicalmente a vida das pessoas para melhor. Convençam-me. Só quero uma.”
Em resposta, apresentam-se três exemplos: “O SNS [Serviço Nacional de Saúde] foi implementado por Cavaco Silva… A criação do 14.º mês, foi criado por Cavaco Silva… O programa nacional de erradicação de barracas do Governo de Cavaco Silva.”
A terceira medida não suscitou contestação, mas as outras duas sim. É verdade que o Governo de Cavaco Silva “implementou o SNS” e “criou o 14.º mês”?
Recuando na história do SNS, a 29 de julho de 1978, o despacho ministerial publicado em “Diário da República”, mais conhecido como “Despacho Arnaut”, configurava uma antevisão do que viria a ser o SNS. Foi este despacho que abriu caminho ao acesso à saúde para todos os cidadãos, independentemente da sua capacidade financeira.
Um ano depois, com a Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, nascia o SNS “no âmbito do Ministério dos Assuntos Sociais, enquanto instrumento do Estado para assegurar o direito à proteção da saúde, nos termos da Constituição”.
A lei – que foi aprovada em 1979 na Assembleia da República, apesar dos votos contra dos deputados do PSD e CDS – determinava que “o acesso é garantido a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social, bem como aos estrangeiros, em regime de reciprocidade, apátridas e refugiados políticos”.
Terá sido um Governo de Cavaco Silva (primeiro-ministro entre 1985 e 1995) a posteriormente “implementar o SNS”?
“Nunca, jamais, em tempo algum”, garante Mário Jorge Neves, médico especialista de Saúde Pública e de Medicina do Trabalho, membro fundador do Observatório de Saúde António Arnaut. “A implementação propriamente dita foi em 1979 até 1982“.
Neves explica ao Polígrafo que “o SNS já estava em amplo desenvolvimento quando Cavaco Silva chegou ao Governo em 1985″. Aliás, à data da tomada de posse de Cavaco Silva, “já haviam sido tomadas medidas, por exemplo a aprovação do diploma das carreiras médicas como sustentáculo do alargamento do SNS ou a criação, pela primeira vez, da Medicina Geral e Familiar com consagração em documento legal”.
“Foi Paulo Mendo que fez o primeiro diploma e depois as coisas foram tomando medidas pontuais, mas Cavaco Silva não implementou nada, a única coisa que o Governo dele fez foi a primeira versão da Lei de Bases da Saúde“, sublinha.
Em 1990, quando o Governo de Cavaco Silva contava com o apoio de uma maioria absoluta na Assembleia da República, foi aprovada a Lei n.º 48/90, marcada pela introdução do setor privado em articulação com o público nos cuidados de saúde prestados.
Neves considera que esta legislação “pretendia colocar o SNS em pé de igualdade, quer em termos de financiamento quer em termos de políticas prioritárias, com as estruturas privadas”. Na sua perspetiva, “foi uma tentativa clara e inequívoca de procurar matar quase à nascença SNS”.
Por sua vez, Miguel Guimarães, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, também confirma que a implementação do SNS não foi realizada por um Governo de Cavaco Silva.
“O doutor Cavaco Silva fez muitas coisas importantes, mas no SNS propriamente dito não“, indica Guimarães, ressalvando que “a Lei de Bases da Saúde é diferente da Lei do SNS”.
E quanto à “criação do 14.º mês”, ou subsídio de Férias?
Em resposta ao Polígrafo, Paula do Espírito Santo, politóloga e docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), nega que tenha sido um Governo de Cavaco Silva a “introduzir o subsídio de Férias”. Isso aconteceu “muito antes”, por volta dos “anos 30”.
“Foi sendo introduzido a pouco e pouco, mas antes de Cavaco Silva”, assegura.
Foi em 1936 que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou uma convenção que consagrava as férias pagas como direito, mas só em 1937 é que esse direito viria a ser regulamentado em Portugal com a Lei n.° 1952. No entanto, este direito abrangia somente alguns trabalhadores “dos quadros permanentes, de empresas comerciais ou industriais” que tivessem pelo menos seis empregados. E apenas se demonstrassem “bom e efetivo serviço”.
Só após a revolução de 25 de abril de 1974 é que se universalizou o direito às férias pagas. Em 1980, um diploma aprovado em Conselho de Ministros “vem regular de forma sistemática a atribuição dos subsídios de Férias e de Natal ao funcionalismo público, satisfazendo uma necessidade que já se fazia sentir à data da publicação do Decreto-Lei n.º 204-A/79”.
Nesse diploma, “esclarecem-se pontos duvidosos relacionados com as datas de atribuição e cálculo dos respectivos montantes e inova-se substancialmente na parte respeitante a subsídio de Férias”.
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Avaliação do Polígrafo:
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