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| - O desabafo não poderia ser mais fatalista: “Acabei de chegar à Fonte da Telha e a praia que nós conhecemos desapareceu. A Câmara Municipal de Almada cometeu um crime ambiental ao colocar alcatrão nas dunas. (…) Podia, e devia, ter pavimentado com calçada”.
Ainda assim, a desgraça na conhecida zona balnear da margem sul do Tejo parece não ficar por aqui: “Acrescentando a este crime, vai ser perpetuado outro, que é o de impedir que se estacione na praia, visto que a contrapartida da empresa que está a fazer o serviço é ficar com a concessão dos parquímetros a 2 euros à hora”.
A acompanhar a denúncia, feita por um utilizador do Facebook no dia 10 de junho, surge uma fotografia onde se vê que o caminho, até então de terra batida, tem agora um novo pavimento que, à primeira vista, parece igual ao de uma estrada nacional, Ou seja, parece estar alcatroado.
A par da denúncia feita por este anónimo nas redes sociais, também a associação ambientalista Zero já manifestou que não compreende a intervenção.
Como tal, procuramos responder a duas questões: Será que a Câmara Municial de Almada colocou alcatrão onde é proibido e, por isso, cometeu um crime ambiental? E o estacionamento naquela zona vai mesmo custar 2 euros à hora?
Para as duas perguntas, a resposta é não.
O Polígrafo contactou o Executivo liderado pela socialista Inês de Medeiros, o qual esclareceu que “não há colocação de alcatrão. Trata-se de betuminoso semipermeável“. O município garante, por isso, que a obra em curso cumpre “o estabelecido para a Fonte da Telha no Programa da Orla Costeira Alcobaça-Cabo Espichel“, um projeto de salvaguarda dos recursos naturais que vigora, também, na zona em causa.
Em bom rigor, a garantia dada pela Câmara Municipal de Almada tem sustentação factual, uma vez que, no Programa da Orla Costeira Alcobaça-Cabo Espichel, a praia da Fonte da Telha é classificada, na maioria da sua extensão, como uma praia seminatural. E também urbana num outro trecho, mais curto.
Ora, a lei determina que, para as praias seminaturais, “os acessos rodoviários, os parques e as zonas de estacionamento devem ser delimitados e ter pavimento permeável ou semipermeável” (Artigo 11.º). Da mesma forma, nas praias urbanas “os acessos rodoviários, os parques e as zonas de estacionamento devem ser delimitados e pavimentados” (Artigo 9.º).
Uma leitura oposta tem a associação ambientalista Zero, que defende que “as intervenções previstas no Aviso n.º 12492/2019 (o documento legal onde a Câmara Municipal sustenta a realização da obra), em particular o uso de pavimento permeável ou semipermeável, só são legítimas se estiverem no Plano de Intervenção na Praia, que é um elemento anexo desse aviso (…). Não estando tal previsto no referido plano, não é assim viável o asfaltamento da duna.” Uma consulta ao referido plano permite verificar que estão, de facto, projetados novos parques e acessos, mas nada é dito a respeito da pavimentação. Porém, essa informação já consta do texto principal do documento legal, precisamente as regras com que o município de Almada justifica a obra.
Ao Polígrafo, Francisco Ferreira, presidente da Zero, dá conta ainda que a Resolução do Conselho de Ministros que aprova o programa da orla costeira para a zona da Fonte da Telha não permite uma “obra da natureza que foi realizada”, uma vez que a norma específica 18 refere que apenas pode ter lugar a “abertura de acessos viários e estacionamentos ou a ampliação dos existentes, salvo se associadas às infraestruturas previstas nas diretivas do POC-ACE (Programa da Orla Costeira Alcobaça-Cabo Espichel)”, o que, para a associação, não acontece. Certo é que a Câmara escuda-se no facto de estar apenas a pavimentar um caminho que já existe há muito tempo, e não a ampliar ou a construir outro.
Em relação à aplicação do asfalto sobre as dunas, o município nega a acusação, deixando claro que “o betuminoso semipermeável está a ser aplicado apenas na estrada já existente há muitos anos“, o que é verificável na fotografia que acompanha a denúncia. Além disso, “com a atual intervenção, será criada uma via pedonal a vedar o acesso às dunas, impedindo assim que sejam invadidas por veículos e alvo de destruição“.
Desta forma, o cenário a evitar é precisamente aquele que se tem verificado até aos dias de hoje, com carros estacionados em qualquer espaço livre, incluindo nas dunas.
No que diz respeito ao custo do estacionamento daqui em diante, o município avança que “está a estudar uma solução de controlo da carga automóvel que poderá passar por um protocolo com a associação de moradores, o qual ainda será definido e aprovado em reunião de câmara. Logo, todas as outras considerações devem ser entendidas como especulação“. Significa isto que os evocados “2 euros à hora” denunciados no post não têm, até ao momento, fundamentação.
Por fim, a propósito das notícias que dão conta de que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) teria aprovado a colocação do asfalto, o gabinete de comunicação de Inês de Medeiros explica que “com a descentralização de competências (…), a intervenção é da responsabilidade da Câmara Municipal de Almada”, nota que vai ao encontro da tomada de posição da APA, esta segunda-feira, ao sublinhar que não autorizou o asfaltamento, “atendendo a que tal ato não é da sua competência“, mas sim do município.
Em conclusão, é falso que a Câmara Municipal de Almada tenha cometido um crime ambiental ao pavimentar o acesso à praia da Fonte da Telha. De acordo com o cruzamento entre as informações prestadas pelo município ao Polígrafo e as regras para a pavimentação dos acessos à praia, a lei foi cumprida. Igualmente falsa é a informação que dá conta que, depois da intervenção, o estacionamento na praia vai custar dois euros à hora, uma vez que, para já, nem preços nem lotação estão definidos.
Nota editorial: este texto foi atualizado às 10h13 de quarta-feira, 17, com a inserção das declarações de Francisco Ferreira, presidente da Zero. A avaliação inicial não sofreu alterações.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
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