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| - A denúncia circula nas redes sociais e procura explicar a nomeação de José Guerra para procurador europeu através de um conjunto de ligações familiares e partidárias, com epicentro no PS, passando por António Costa e José Sócrates.
Ora, o autor do texto, que chegou também ao Polígrafo, garante que José Guerra é irmão não só de João Guerra, procurador do processo Casa Pia através do qual António Costa terá tentado evitar a detenção de Paulo Pedroso, como também de Carlos Guerra, antigo presidente do Instituto de Conservação da Natureza, que viabilizou o Freeport.
Paralelamente, José Guerra terá trabalhado com José Lopes da Mota, o agora adjunto de Francisca Van Dunem, a ministra responsável pela nomeação. Os dois desempenharam funções no Eurojust, um organismo europeu de cooperação judiciária, acabando Lopes da Mota por ser condenado por pressões a dois procuradores para arquivarem a investigação ao caso do Freeport.
Posto isto, será que as alegações têm algum reflexo na realidade? A maioria delas, sim.
A mensagem de texto que aqui se verifica começa por alegar que, em maio de 2003, António Costa, agora primeiro-ministro e na altura líder parlamentar do PS, fez uma chamada a Paulo Pedroso, que estava a ser investigado no processo Casa Pia, a dizer “já fiz o contacto”. Contacto, ou seja, uma pessoa que iria chegar à fala com “o procurador do processo, portanto o Guerra”, de forma a evitar a detenção de Paulo Pedroso.
O primeiro facto denunciado corresponde à realidade, e foi amplamente noticiado na altura. António Costa foi intercetado em escutas telefónicas com Paulo Pedroso, a propósito do processo Casa Pia, no dia, mas antes, da detenção do deputado do PS. No telefonema, Costa informou Pedroso que “já fiz o contacto”, e que esse contacto “disse que ia falar imediatamente com o procurador do processo, portanto, o Guerra. O receio que tem é que a coisa já tenha… Já esteja na mão do juiz”.
O “Guerra” referido por Costa tratava-se, alegadamente, de João Guerra, procurador que dirigiu o “processo Casa Pia”.
De seguida, o texto refere que “João Guerra, por sua vez, é irmão de Carlos Guerra, ex-presidente do Instituto da Conservação da Natureza, que viabilizou o Freeport”. Este facto corresponde, igualmente, à verdade. Carlos Guerra foi, de facto, presidente do Instituto da Conservação da Natureza (hoje rebaptizado como Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), entre 1999 e 2002. Viabilizou o Freeport em 200, e acabou por ser constituído arguido, tal como foi noticiado na altura.
A denúncia conclui que “Carlos Guerra e João Guerra são irmãos de José Guerra” e que o “procurador já trabalhou no Eurojust sob alçada de José Lopes da Mota”. Mais uma vez, estes dois factos são verdadeiros.
Tal como noticiou a SIC, quando José Guerra foi nomeado para o Eurojust, em 2007, durante o Governo de Sócrates, já decorriam as investigações à viabilização e implantação do outlet em Alcochete. Nessa altura, José Lopes da Mota era vice-presidente do Eurojust e, por isso, José Guerra trabalhava sob sua alçada.
Em 2009, José Lopes da Mota subiu a presidente do Eurojust, e acabou por ser condenado a trinta dias de suspensão por ter pressionado dois procuradores que investigavam o caso Freeport. Lopes da Mota terá dito aos procuradores que o Governo de José Sócrates estava incomodado com a investigação e que, se o PS perdesse a maioria absoluta, alguém “iria pagar caro por isso” e existiriam “retaliações”.
Cerca de 11 anos depois, em junho de 2020, Lopes da Mota foi nomeado adjunto de Francisca Van Dunem, para exercer funções no âmbito da preparação e acompanhamento da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, e foi precisamente o Ministério da Justiça que escolheu José Guerra como procurador europeu.
Porém, é de notar que Lopes da Mota entrou no gabinete da ministra em junho de 2020, e José Guerra foi nomeado procurador europeu em setembro 2019, ou seja, praticamente um ano antes da chegada de Lopes da Mota ao Governo.
Em conclusão, é verdade que José Guerra, magistrado cuja nomeação para procurador europeu está envolta em polémica, é irmão de João Guerra, procurador que liderou as investigações do processo Casa Pia, e que terá sido pressionado através de António Costa para evitar a detenção de Paulo Pedroso, e também irmão de Carlos Guerra, antigo presidente do Instituto da Conservação da Natureza, que viabilizou o Freeport e que foi constituído arguido no processo que investigava o licenciamento do centro comercial.
Por sua vez, José Guerra trabalhou no Eurojust com Lopes da Mota, que foi presidente daquele organismo durante o Governo de Sócrates, e condenado a trinta dias de suspensão por pressionar procuradores que estavam a investigar o licenciamento do Freeport a arquivar o processo.
Hoje, Lopes da Mota é adjunto de Francisca Van Dunem, responsável pela nomeação de Guerra para procurador europeu. Contudo, a nomeação aconteceu praticamente um ano antes da chegada de Lopes da Mota ao gabinete da Ministra da Justiça.
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Avaliação do Polígrafo:
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