schema:text
| - “Em 2021 cerca de 80% dos incêndios tiveram mão humana. Vamos ou não ter coragem para enfrentar isto e acabar com penas suspensas e liberdade condicional para os incendiários?” Esta foi a mensagem publicada no Twitter por André Ventura, deputado e líder do partido Chega, no dia 14 de julho, quando o país enfrentava um elevado número de incêndios rurais ou florestais.
Três dias antes, a 11 de julho, já o primeiro-ministro António Costa tinha declarado, no decurso de uma visita à sala de operações e comando da Unidade de Emergência de Proteção de Socorro (UEPS) da Guarda Nacional Republicana (GNR), que “só não há incêndios se a mãozinha humana não provocar incêndios. Portanto, aquilo que temos que fazer é mesmo evitar o incêndio. Cada um de nós tem que ter o cuidado necessário, como tivemos na pandemia, temos que ter agora para não provocar os incêndios que depois atingem todos”.
Esta afirmação, tal como o Polígrafo verificou, não corresponde exatamente à realidade portuguesa. Mas será que 80%, a percentagem indicada por Ventura, está mais próxima dos dados oficiais? E a associação explícita aos incendiários, por sua vez, tem fundamento?
O Polígrafo consultou o “8.º Relatório Provisório de Incêndios Rurais de 2021“, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), e verificou que, “do total de 7.610 incêndios rurais verificados no ano de 2021, 6.438 foram investigados (85% do número total de incêndios – responsáveis por 96% da área total ardida)”. Destes, aponta o relatório, “a investigação permitiu a atribuição de uma causa para 4.327 incêndios (67% dos incêndios investigados – responsáveis por 90% da área total ardida)”.
No que respeita à distribuição percentual das causas de incêndio do universo de incêndios investigados para os quais foi possível atribuir uma causa, as contas não são difíceis: se interpretarmos no sentido literal a expressão “mão humana”, então somente os incêndios associados a “queda de raios” (2% dos incêndios com causa atribuída em 2021), a “transportes e comunicações” (7% em 2021), a “reacendimentos” (4% em 2021) e a “outras causas apuradas” (11% em 2021) não podem ser considerados.
Quanto aos restantes, entre as causas mais frequentes para incêndios em 2021, verificamos que, somados, o “uso de maquinaria” (6%), as “queimadas extensivas para gestão de pasto” (14%), as “queimadas extensivas de sobrantes florestais ou agrícolas” (20%), as “queimas de amontoados de sobrantes florestais ou agrícolas” (10%), as “queimas de lixo” (2%), a “realização de fogueiras” (1%) e o “incendiarismo relacionado a indivíduos imputáveis” (23%) resultam num total de 76%. Não muito distante, portanto, da percentagem destacada por Ventura.
Permanece, contudo, a dúvida relativamente à associação feita por Ventura aos incendiários: afinal de contas, o facto é que apenas 23% dos incêndios em 2021 foram atribuídos a “incendiarismo relacionado a indivíduos imputáveis”. Ou seja, a associação entre “80% dos incêndios” que tiveram “mão humana” (na realidade foram 76%, ligeira imprecisão que já assinalámos) e “acabar com penas suspensas e liberdade condicional para os incendiários” é falaciosa, importa ressalvar.
_________________________________
Avaliação do Polígrafo:
|