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| - Árvores, água e sais minerais, energia e dióxido de carbono (CO2) são os ingredientes da receita para a criação de oxigénio. O esquema do processo de fotossíntese está a ser difundido nas redes sociais e não seria uma publicação questionável se não fosse afirmado – na respetiva descrição – que aqueles que “defendem que devemos parar de produzir CO2 são contra a vida”.
“Sem CO2 e sem plantas não há oxigénio que todos precisamos para viver. Àqueles que permitem o negócio do fogo, a queimar áreas nunca antes vistas em Portugal… E que defendem que devemos parar de produzir CO2 são contra a vida”. Esta é a mensagem da descrição que acompanha o esquema da fotossíntese, o qual acaba por servir de pretexto para difundir outras ideias.
Na caixa de comentários da publicação no Facebook surge também uma lista de supostos factos que “qualquer pessoa culta, ou minimamente informada, deve saber”. Entre outras informações e conclusões, esses “factos” incluem a negação do aquecimento global e do efeito de estufa, assim como do aumento dos níveis de CO2 causados pela atividade humana.
Com o objetivo de conferir esses “factos”, o Polígrafo questionou professores e investigadores da área da biologia, em particular da biologia vegetal. Afinal têm ou não alguma base de sustentação factual e científica?
Comecemos pelos pontos verdadeiros: o esquema da fotossíntese está correto e poderia figurar num manual escolar da disciplina de ciências da natureza. O mecanismo da fotossíntese permite às plantas “utilizarem CO2 no seu sistema energético para produzir hidratos de carbono que são a sua base alimentar e de produção de energia”, explica Helena de Oliveira Freitas, professora na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e investigadora nas áreas de ecologia e fisiologia vegetal. O processo necessita de luz solar assim como de sais minerais e água, tal como está ilustrado na imagem.
Também a primeira parte da afirmação que acompanha o esquema – onde se diz que “aqueles que permitem o negócio do fogo, a queimar áreas nunca antes vistas em Portugal (…) são contra a vida” – pode ser classificada como correta. João Marques, biólogo e professor na mesma universidade, reforça que “quando se queima a floresta está-se a eliminar quem usa o CO2 – as árvores – e a produzir mais CO2”. Isto porque “é libertado o carbono das árvores queimadas para a atmosfera”.
“Faz sentido dizer que ‘quem queima as árvores está a danificar o ambiente’, isso é verdade, a segunda parte não é”, afirma Marques.
Relativamente à segunda parte – segundo a qual aqueles que “defendem que devemos parar de produzir CO2 são contra a vida” -, Marques salienta que o dióxido de carbono é um dos gases que contribui para o chamado efeito de estufa e que resulta no aumento da temperatura global do planeta Terra. “Quando a radiação solar chega à superfície da Terra é refletida, mas quando temos gases, como o CO2 e o metano, acontece um efeito parecido com o que as estufas fazem: há uma parte da radiação que entra, mas depois não é refletida, havendo uma parte superior que fica no planeta. E o aquecimento resulta daí”, explica o biólogo.
Mas será que havendo mais CO2 na Terra, isso significa também mais fotossíntese e, consequentemente, mais oxigénio? A resposta é não. O processo de fotossíntese não é a única alteração química que ocorre nas plantas, existe também a fotorrespiração. Enquanto que na fotossíntese as plantas utilizam a luz solar para armazenar CO2 e água, produzindo energia – que é transformada em açúcares – e libertando oxigénio, a fotorrespiração é o processo pelo qual as plantas absorvem oxigénio e libertam CO2. Apesar de muitas pessoas associarem este mecanismo à respiração, que ocorre tanto na ausência de luz solar como durante o dia, a fotorrespiração ocorre só na presença de luz e em simultâneo com a fotossíntese.
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“Quando a radiação solar chega à superfície da Terra é refletida, mas quando temos gases, como o CO2 e o metano, acontece um efeito parecido com o que as estufas fazem: há uma parte da radiação que entra, mas depois não é refletida, havendo uma parte superior que fica no planeta. E o aquecimento resulta daí”, explica o biólogo João Marques.
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Numa planta típica de zonas temperadas (conhecidas pelos investigadores por pertencerem ao grupo C3), “por cada três moléculas de CO2 que fixa, libertam-se três de oxigénio, na fotossíntese; por cada duas de oxigénio que fixa, liberta-se uma de CO2, na fotorrespiração”, esclarece Anabela Bernardes da Silva, especialista na área da fotossíntese e fisiologia vegetal na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Retirar o processo de fotorrespiração da equação já foi um objetivo da ciência agrícola para tornar mais eficiente o seu crescimento. No entanto, este mecanismo tem um objetivo muito importante para a planta: regular-se em relação ao ambiente. “Fazerem fotorrespiração é também uma maneira de as plantas se ajustarem ao ambiente”, prossegue Anabela Bernardes da Silva, “e essa ideia de que se não houvesse fotorrespiração e se houvesse mais CO2 elas faziam mais fotossínteses e deixavam de fazer fotorrespiração é errada”.
“Elas deixavam de responder aos ajustes de ambiente e, além disso, o aumento de CO2 leva ao aumento de temperatura” que é prejudicial às plantas. “Uma planta de zona temperada, se houver uma temperatura muito elevada, só fixa metade do CO2 e só liberta metade do oxigénio”, reforça.
Numa situação ideal em que a planta manteria a temperatura perfeita para se desenvolver – no caso das plantas de zonas temperadas, os 25ºC -, é possível que o processo de fotossíntese se tornasse mais eficiente. Contudo, é preciso recorrer a mecanismos para manter as condições ótimas ao desenvolvimento da espécie, como por exemplo em estufas. “O aumento do CO2 seria benéfico para aumentar a eficiência da fotossíntese nas plantas de zonas temperadas, desde que isso não viesse associado – como vem – ao aumento da temperatura. Esse aumento da temperatura é muito mais prejudicial do que o efeito benéfico”, conclui Anabela Bernardes da Silva. Uma planta cujo ambiente perfeito seja de 25ºC tem um rendimento de produção de oxigénio de 75%, enquanto que se a temperatura subir para os 30ºC, o rendimento baixa para cerca de 50%.
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“O aumento do CO2 seria benéfico para aumentar a eficiência da fotossíntese nas plantas de zonas temperadas, desde que isso não viesse associado – como vem – ao aumento da temperatura. Esse aumento da temperatura é muito mais prejudicial do que o efeito benéfico”, conclui Anabela Bernardes da Silva, especialista na área da fotossíntese e fisiologia vegetal.
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Jorge Marques da Silva, professor de biologia e fisiologia vegetal na mesma universidade, explica que se “aumentarmos um pouco a concentração de CO2, a fotossíntese provavelmente aumenta porque, de facto, a fotossíntese traduz-se na fixação do CO2 atmosférico em matéria orgânica”, mas ressalva que várias experiências “mostram que depois de um aumento inicial da fotossíntese, as plantas respondem baixando de novo o processo para níveis normais”.
Além disso, como alerta João Marques, “para que o CO2 possa ser transformado em oxigénio por via da fotossíntese é preciso haver árvores. Se não houver árvores suficientes e se emitirmos muito CO2 para a atmosfera, nunca haverá árvores capazes de utilizar o CO2. É o mesmo que termos 10 pessoas e comida para 100”.
Ou seja, um aumento do nível de CO2 na atmosfera não corresponde a um aumento da produção de oxigénio por via da fotossíntese. Com os valores da temperatura a subirem por via dos gases com efeito de estufa, as plantas necessitam de aumentar o processo de fotorrespiração para se adaptarem às novas condições. Ora, isso implica uma perda de rendimento energético e, consequentemente, uma menor libertação de oxigénio.
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O impacto do CO2 na atmosfera e os números
A acompanhar a publicação com o esquema da fotossíntese surge também – como já referimos – um comentário com um conjunto de declarações sobre o dióxido de carbono (CO2) e o seu impacto no meio ambiente. Ao analisarmos as frases verificamos que existe uma mistura entre informações verdadeiras e falsas.
Na primeira frase em que se diz que “o CO2 é um gás escasso (que só existe na atmosfera na exígua percentagem de 0,04%)”, os valores estão corretos. No entanto, isso não pode ser classificado como uma quantidade “exígua”. “Os gases permanentes cujas percentagens não mudam no dia-a-dia são o azoto, o oxigénio e o árgon. O azoto é responsável por cerca de 78% da atmosfera, oxigénio 21% e árgon 0,9%. Gases como dióxido de carbono, óxidos de azoto, metano e ozono são gases residuais”, explica Helena de Oliveira Freitas. “Mas não é por ser residual na composição global da atmosfera que não tem impacto”, ressalva.
Este valor de 0,04% corresponde a 400 partes por milhão (ppm) e, mesmo antes de atingir este patamar, os investigadores já estavam preocupados. Quando comparado com o valor registado antes da Revolução Industrial, reflete um aumento muito significativo, tendo passado de 280 ppm para 400 ppm.
Em 1960, segundo o Global Carbon Atlas, foram produzidos 9.411 MtCO2 (uma métrica que contabiliza as toneladas de dióxido de carbono) ao nível mundial. Em cerca de 50 anos, até 2017, o valor quadruplicou e está agora nos 36.153 MtCO2. No pódio dos maiores produtores estão a China com 9.839 MtCO2, os Estados Unidos da América (EUA) com 5.270 MtCO2 e a Índia com 2.467 MtCO2. Portugal surge em 57.º lugar com 55MtCO2.
Segundo um relatório divulgado pela Agência de Proteção Ambiental norte-americana (EPA), em 2017, nos EUA, as principais fontes de CO2 eram os transportes e a produção de eletricidade com 34 e 33%, respetivamente. Ambas as atividades dependem da queima de combustíveis fósseis, os quais são ricos em carbono e destacam-se como os principais emissores de CO2.
Quanto às afirmações de que o CO2 “deposita-se junto ao solo”, “não sobe na atmosfera” e “não aumenta nem diminui a temperatura da atmosfera”, também são falsas. O CO2 está presente em toda a troposfera – a camada da atmosfera mais próxima do solo – e, como já explicámos, atua como bloqueador da radiação que deveria ser expelida para o espaço.
No que respeita às atividades vulcânicas, é verdade que contribuem para a libertação de CO2. Mas é uma quantidade “residual” e “absolutamente imprevisível”, sublinha Helena de Oliveira Freitas. Os incêndios libertam carbono, sim, mas não é o calor atmosférico que os provoca. “O que aumenta é a susceptibilidade da matéria florestal para arder”, aumentando assim o risco, conclui.
No comentário em análise (na forma de uma imagem) pode ainda ler-se que “é possível simular e exponenciar alterações climáticas e catástrofes meteorológicas e geológicas, através de geo-engenharia militar pulverizando a atmosfera com químicos e com apoio de aquecedores ionosféricos”. Sobre este assunto, Jorge Marques da Silva recorda que a geo-engenharia é uma área teórica de ciência que está “no campo da ficção científica”.
“De facto, há um conjunto de cientistas que propõem a manipulação geológica em larga escala da atmosfera para controlar as alterações climáticas, mas isso não tem sido implementado por receio de que uma intervenção na tentativa de controlar a atmosfera possa ter consequências catastróficas”, esclarece.
A frase que demonstra a intenção subjacente a esta publicação aparece nos quinto e sexto tópicos da lista: “Não existe aquecimento global e muito menos originado pela atividade humana (que é escassa ao nível global)” e “as alterações climáticas são cíclicas e resultam unicamente da atividade solar e das cíclicas alterações magnéticas do planeta Terra”.
“Se as pessoas quiserem argumentar que sempre houve períodos de aquecimento e períodos de arrefecimento, isso é evidente que sempre houve. A questão é a rapidez com que eles ocorrem e o facto é que nós, como produzimos muito CO2, estamos a contribuir para que o processo seja rápido. E se o processo for rápido nós não temos tempo sequer para pensar, tudo o que nós temos está baseado num clima que teve alguma estabilidade nos últimos 2.000 anos. Não vamos saber lidar com o assunto”, alerta João Marques.
De acordo com um outro relatório do Global Carbon Atlas de 2017, se nada for feito e “continuarmos a depender dos combustíveis fósseis como principal fonte de energia”, a temperatura global do planeta Terra poderá aumentar entre 3,2 e 5,4ºC até 2100.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Falso: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
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