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| - “Código Penal: crimes contra a honra, Artigo 180.º (Difamação), 181.º (Injúria), agravados pelo meio utilizado (183.º-1a) e, mais, por ser dirigido a membros eleitos de órgão de soberania (132-2l). E é crime de incitamento ao ódio e violência (240.º) punível com prisão até cinco anos“, escreveu Paulo Sande, no Twitter, a 3 de fevereiro.
Advogado, especialista em matérias relacionadas com a União Europeia, cabeça-de-lista do partido Aliança (como independente) nas eleições para o Parlamento Europeu em 2019, Sande estava a referir-se a um tweet publicado por Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo, na madrugada de 31 de janeiro.
Aliás, exibe mesmo uma imagem desse tweet, considerando que o autor do mesmo poderá ter cometido crimes de difamação, injúria e incitamento ao ódio e violência, neste último caso “punível com prisão até cinco anos”. Tem razão?
A imputação de factos ou formulação de juízos, em ambos os casos ofensivos e que não correspondam à verdade, constituem o essencial dos crimes de difamação e injúria. O que os distingue é o facto de serem concretizados de forma indireta a uma terceira pessoa (difamação) ou dirigidos diretamente ao visado (injúria).
Assim sendo, a injúria fica desde logo afastada desta equação penal, uma vez que Mamadou Ba não se dirigiu de modo direto a qualquer um dos recém-eleitos deputados do Chega. Em sentido oposto, o teor do tweet do ativista anti-racismo e ex-assessor do Bloco de Esquerda pode mesmo configurar a prática do crime de difamação (com pena de prisão até seis meses ou de multa até 240 dias). Esse é o entendimento de dois especialistas em Direito Penal contactados pelo Polígrafo.
Carlos Pinto de Abreu considera haver matéria suficiente para que cada um dos deputados do Chega (ou os seus representantes legais) “se constitua como assistente para a dedução de acusação particular, pondendo depois o Ministério Público acompanhar ou não essa acusação”.
Na avaliação de Paulo de Sá e Cunha, também há motivo para ser colocada a questão da difamação: “Apesar da generosidade dos nossos tribunais na apreciação da tutela da honra enquanto bem jurídico, este tipo de afirmações pode ser tomado como difamação. Não há nenhum juízo político, não foram proferidas em contexto de debate eleitoral, e visam diretamente a personalidade dos retratados com insultos e a imputação de factos graves“.
Os dois advogados consideram que estas afirmações, ao terem sido veiculadas numa rede social, adquirem um carácter mais gravoso, incorrendo em penas elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo (no caso, de prisão até oito meses ou multa até 320 dias), conforme está disposto no Artigo 183.º (Publicidade e calúnia) do Código Penal.
Já quanto ao agravamento “por ser [crime] dirigido a membros eleitos de órgão de soberania”, tanto Pinto de Abreu como Sá e Cunha entendem não se aplicar a esta situação. Não apenas porque os candidatos do Chega ainda não são formalmente deputados – os resultados não foram homologados e publicados em “Diário da República”, assim como não foi dada posse à nova Assembleia da República -, mas também pelo facto de, como indica Pinto de Abreu, “as afirmações não terem sido dirigidas àquelas pessoas na qualidade de membros de órgãos de soberania, de deputados”.
Importa sublinhar que o Artigo 132.º-2l do Código Penal aludido por Sande é referente ao homicídio qualificado e contém referência explítica a “praticar o facto contra membro de órgão de soberania (…)”.
Finalmente, em relação ao crime de incitamento ao ódio e violência, os dois advogados também crêem não poder aplicar-se a esta situação.
Segundo Pinto de Abreu, para que tal pudesse ser assim considerado, a formulação da frase que levanta a hipótese da prática deste crime teria de ser diferente, de conteúdo violento explícito ou mais aproximado disso: “Se, em vez de ‘a luta não será na Assembleia da República, mas na rua’, fosse qualquer coisa do género ‘vamos apanhá-los na rua‘, aí, sim, poderíamos estar na presença de um incentivo claro à violência, passível do que é previsto no Código Penal”.
Na perspetiva de Sá e Cunha, as duas últimas frases do tweet de Mamadou Ba não se inscrevem na prática do crime de incitamento ao ódio e violência, ainda que “estejam já numa zona cinzenta, de conteúdo não cabal mas que podem ter interpretações dúbias, o que não é juridicamente suficiente para lhe ser imputado esse crime”.
O Artigo 240.º (Discriminação e incitamento ao ódio e à violência) do Código Penal estipula que quem “ameaçar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica”, ou “incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica”, é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
Assim, do ponto de vista jurídico, é verdade que o polémico tweet de Mamadou Ba é passível da prática do crime de difamação, agravada pelo meio em que foi praticado, mas não pode ser considerado como dirigido a órgão de soberania nem como incitamento ao ódio e à violência. Ou pelo menos é esse o entendimento dos especialistas em Direito Penal questionados pelo Polígrafo.
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Avaliação do Polígrafo:
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