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| - O relatório encomendado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), divulgado a 13 de fevereiro, validou um total de 512 testemunhos de abusos sexuais na Igreja Católica. Cerca de três semanas depois, a 3 de março, a Igreja recebeu da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, liderada por Pedro Strecht, uma lista com 100 padres suspeitos de abusos sexuais.
No mesmo dia, em conferência de imprensa, o bispo José Ornelas, da Conferência Episcopal Portuguesa, alegou que a lista era insuficiente, pois só continha nomes (uma afirmação já desmentida por Daniel Sampaio, psiquiatra e membro da Comissão Independente) e isso dificultava a investigação e consequentes medidas a tomar. Ornelas descartou o afastamento dos padres suspeitos, escudando-se na necessidade de obter “dados e descrições plausíveis para que possamos investigar concretamente”.
Na sexta-feira, 10 de março, o bispo assumiu em entrevista ao jornal “Expresso” que a comunicação realizada na conferência de imprensa “não foi a adequada”.
“Não consegui passar aquilo que levava para dizer”, confessou Ornelas.
Mas, tendo em conta a relutância inicial do bispo em afastar padres suspeitos, será que o não afastamento de funções pela Igreja poderá ser impeditivo de julgamento civil?
“A justiça civil e a justiça canónica são autónomas e independentes, mas mesmo assim colaboram e em alguns casos entrecruzam-se. Por isso, o padre pode ser julgado civilmente, independentemente da fase em que está o processo canónico. Mas claro, se a razão pela qual o padre foi julgado civilmente também corresponde a um delito canónico, algo lhe será aplicado, mais tarde ou mais cedo”, explica João Amaral Vergamota, diretor do Instituto Superior de Direito Canónico, em declarações ao Polígrafo.
Mais, “o processo canónico pode começar sem o civil, o civil também pode começar sem o canónico. Certamente ‘a meio do caminho’ vão encontrar-se e ajudar-se mutuamente”.
O doutorado em Direito Canónico remete ainda para o N.º 36 do Vademecum (documento da Santa Sé):
“Como aludido, a aquisição dos resultados das investigações civis (ou de todo o processo no tribunal estatal) poderia tornar supérflua a investigação prévia canónica. Em todo o caso, quem deve conduzir a investigação prévia tem de prestar a devida atenção no momento de avaliar as investigações civis, porque os critérios destas (por exemplo, quanto aos prazos de prescrição, à tipologia do delito, à idade da vítima, etc.) podem divergir sensivelmente daquilo que está prescrito na Lei canónica. Também nisto, em caso de dúvida, pode ser aconselhável recorrer à avaliação da CDF [Congregação para a Doutrina da Fé, atualmente denominada como Dicastério para a Doutrina da Fé]”.
Em suma, a lei civil e a lei canónica são independentes uma da outra, pelo que não é condição que a Igreja tenha afastado um padre para que se proceda a um julgamento civil. Estas podem misturar-se e convergir em alguns pontos. Não dependem uma da outra na tomada de decisão sobre qual o caminho a seguir em cada caso.
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Avaliação do Polígrafo:
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