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| - Ao analisar os resultados das eleições legislativas na entrevista de ontem à noite na CNN Portugal, o líder do partido Chega, André Ventura, criticou a estratégia seguida por Rui Rio, do PSD, que fechou a porta a um acordo de Governo (coligação pós-eleitoral) com o Chega.
“Rui Rio disse sempre não, não e não. E mesmo assim os eleitores disseram sim, sim e sim”, afirmou Ventura, considerando que esse foi um “erro tremendo” do líder do PSD que “não sabe interpretar a vontade das pessoas”.
Questionado sobre se o eleitorado da esquerda deu uma maioria absoluta ao PS por ter “medo do diálogo à direita [do PSD] com o Chega“, Ventura rebateu essa hipótese, destacando que “em muitas zonas do Alentejo, onde o eleitorado é predominantemente de esquerda, o Chega teve votações acima de 20%. Em Elvas tivemos 18%, em muitas zonas do Alentejo, em Portalegre tivemos um excelente resultado… O nosso melhor resultado nacional é no Algarve, uma zona muito marcada pelo socialismo e em algumas zonas pela extrema-esquerda”.
“Portanto, dizer-se que a esquerda teve medo do Chega, quando os maiores bastiões do Chega estão no Alentejo, tradicionalmente comunista, quer dizer, não me parece fazer muito sentido”, concluiu.
É verdade que o Chega “teve votações acima de 20%” em “muitas zonas do Alentejo”?
Começando pelos 20 círculos eleitorais (os 18 distritos de Portugal continental e as duas regiões autónomas da Madeira e dos Açores) em que os votos já foram apurados (falta ainda conhecer os resultados dos círculos da Europa e Fora da Europa), o facto é que o Chega só superou a fasquia de 10% em quatro, a saber: Faro (12,30%), Portalegre (11,46%), Santarém (10,91%) e Beja (10,27%).
Tendo em conta que a região do Alentejo abrange 11 concelhos do distrito de Santarém, estando os restantes 10 na região do Ribatejo, até podemos concluir que três dos quatro círculos em que o Chega obteve as suas maiores percentagens de votos nas eleições legislativas situam-se no Alentejo – Portalegre, Santarém (apenas parcialmente) e Beja. Contudo, essas percentagens não se aproxima sequer da fasquia de 20%, registando-se um máximo de 11,46% no círculo de Portalegre.
Estaria Ventura a referir-se aos concelhos e não aos distritos? Ora, no que respeita aos concelhos, os melhores resultados do Chega foram registados em Elvas (18,73%), Moura (18,22%), Monforte (18,07%), Mourão (16,32%), Benavente (15,65%), Albufeira (15,21%) e Lagoa (15,12%). De facto, os quatro primeiros são do Alentejo, o quinto também pode ser integrado nessa região (embora fizesse parte da província do Ribatejo) e os restantes dois são do Algarve. Mais uma vez, porém, não há qualquer resultado acima de 20% dos votos.
Pelo que aplicamos um carimbo de “Falso” nesta alegação de Ventura.
No rescaldo da noite eleitoral, a Agência Lusa informou que o Chega obteve melhores resultados nos concelhos com menor poder de compra, baseando-se em dados compilados no portal EyeData.
Os resultados eleitorais de cada partido por concelho ou distrito (no qual concorreu isolado ou em coligação) são divididos em três, permitindo ver qual o terço dos concelhos ou distritos em que cada partido obteve os melhores resultados, os piores resultados e o resultado médio. No caso do Chega é possível verificar o seguinte:
Ambiente: Os concelhos onde o Chega obteve os melhores caracterizam-se por um baixo grau de resíduos urbanos preparados para valorização e reciclagem (35,22%, o que compara com a média nacional de 46,54%). Pelo contrário, nos concelhos onde o partido de Ventura obteve melhores resultados, os alojamentos servidos por drenagem de águas residuais são superiores à média nacional, já que registam 87,33% comparando com 85,30% ao nível nacional. Já a superfície de áreas protegidas é inferior nos concelhos onde o Chega se saiu melhor (7,14%, face a 9,58% ao nível nacional).
Demografia: Os concelhos onde o Chega apresenta melhores resultados apresentam um maior nível de nascimentos fora do casamento, 64,91% contra 57,90% a nível nacional. O número médio de filhos por mulher (1,49) no terço dos concelhos onde o Chega obteve melhores resultados é superior face à média nacional de 1,41.
Economia: Nos concelhos onde o Chega obteve melhor resultado, o poder de compra por pessoa é inferior à média nacional (índice de 92,81 face a 100,22 ao nível nacional). Também o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem é inferior à média nacional, nos concelhos onde o Chega se saiu melhor, já que é de 1.100,57 euros, face a 1.207,01 ao nível nacional. Já os desempregados inscritos em centros de emprego são em menor número nos concelhos onde o Chega conseguiu os seus melhores resultados, já que são, em média, 5,69%, face à média nacional de 8,08%.
Educação: No terço dos concelhos onde o Chega obteve melhores resultados, os estabelecimentos de ensino secundário por 10.000 habitantes (0,79) são inferiores face à média nacional de 0,94. Também o número de estabelecimentos de ensino básico por 10.000 habitantes (6,19) é inferior à média nacional de 6,54. Já a taxa de retenção no ensino básico (3,01) é superior à média nacional de 2,22, nos concelhos onde o Chega teve melhores resultados.
Sociedade: A percentagem de casamentos não católicos é de 92,25% nos concelhos onde o Chega teve melhore resultados, sendo de 87,79% ao nível nacional. Pelo contrário, o número de camas em hospitais por 1.000 habitantes é muito inferior à média nacional, já que é de 1,22 nos concelhos onde o Chega teve melhores resultados face a 3,18 ao nível nacional. Também o número de espectadores de cinema por mil habitantes é bastante menor do que a média nacional, de 369,29 contra 211,57 nos concelhos onde o desempenho eleitoral do Chega foi melhor.
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Nota editorial:
Na sequência da publicação deste artigo recebemos da parte de fonte oficial do Chega a indicação de que em algumas freguesias alentejanas foi superada a fasquia de 20% dos votos pelo partido liderado por André Ventura. A saber: freguesia de Vaiamonte (73 votos, 25%) no concelho de Monforte e distrito de Portalegre; freguesia de Monforte (123 votos, 20,1%) no concelho de Monforte e distrito de Portalegre; freguesia de Santa Eulália (99 votos, 21,29%) no concelho de Elvas e distrito de Portalegre; freguesia de São Vicente e Ventosa (97 votos, 28,28%) no concelho de Elvas e distrito de Portalegre; freguesia de Póvoa de São Miguel (110 votos, 29,33%) no concelho de Moura e distrito de Beja.
Ora, no total do concelho de Monforte, o Chega obteve 257 votos (18,07%). No concelho de Elvas obteve 1.770 votos (18,73%) e no concelho de Moura obteve 1.079 votos (18,22%). Na declaração em causa, Ventura alegou que “em muitas zonas do Alentejo, onde o eleitorado é predominantemente de esquerda, o Chega teve votações acima de 20%“.
Perante cinco freguesias em que superou essa fasquia, mas a uma escala muito reduzida, entre 73 a 123 votos, em distritos com totais de 53.528 e 67.530 votantes (94.374 e 120.888 inscritos, respetivamente), a frase não deixa de ser enganadora, na medida em que extrapola os resultados de cinco pequenas freguesias (onde o Chega obteve entre 73 a 123 votos, repetimos) para “muitas zonas do Alentejo”. De resto, freguesias de concelhos onde o Chega ficou aquém da fasquia de 20% e o mesmo se aplica aos distritos de Portalegre (11,46%) e Beja (10,27%).
Só no distrito de Portalegre há um total de 69 freguesias. No distrito de Évora há mais 69 freguesias e no distrito de Beja outras 75 freguesias. Total: 213 freguesias. Este número poderia até ser mais elevado se contabilizássemos as freguesias dos distritos de Santarém e Setúbal que estão integradas na região do Alentejo. Ou seja, apenas cinco freguesias num universo de centenas.
Pelo que mantemos a classificação final do artigo, embora não deixando de ressalvar este detalhe ao nível micro das freguesias.
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Avaliação do Polígrafo:
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