schema:text
| - O contexto: debate na RTP entre Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda (BE), e Assunção Cristas, líder do CDS-PP, na noite de 3 de setembro; momento do debate (pode aceder aqui à gravação em vídeo) em que as duas intervenientes são questionadas sobre o problema da escassez de água em Portugal. A frase: segundo Martins, “temos barragens a mais, as barragens provocam evaporação, portanto nós estamos sempre a perder água e isto é um problema muito complicado“.
Desde então que o Polígrafo tem recebido sucessivos pedidos para uma verificação de factos sobre esta frase que se tornou motivo de chacota generalizada nas redes sociais (e não só). Eis a nossa análise, com o auxílio de dois especialistas na matéria em causa.
O Polígrafo contactou Rodrigo Oliveira, professor de Hidrologia e Recursos Hídricos no Instituto Superior Técnico e ex-presidente da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, e José Eduardo Ventura, professor do Departamento de Geografia e Planeamento Regional na Universidade Nova de Lisboa e especialista na área da climatologia, questionando-os sobre se a evaporação nas barragens é um “problema complicado” e gerador de escassez de água.
“O que acontece é que ao acumular água numa albufeira cria-se uma superfície de água que fica mais exposta aos efeitos meteorológicos“, explica Rodrigo Oliveira. “Não é que evapore mais água por unidade de área, existe é mais área para evaporar“, acrescenta.
Por sua vez, José Eduardo Ventura salienta que embora a evaporação não seja um processo exclusivo das albufeiras, estas potenciam o efeito. “É um fenómeno geral, mas a existência de barragens potencia a evaporação porque cria superfícies de água que não existiam antes”. Ou seja, “a albufeira tem um espelho de água que é muito maior do que o de um rio“, podendo assim aumentar o nível de evaporação da água.
“Em princípio, onde há água pode haver evaporação. A quantidade ou intensidade da evaporação vai depender de vários fatores: desde a capacidade da atmosfera para receber esse vapor até à quantidade de calor que existe disponível para que se dê a evaporação”, ressalva.
Ou seja, a evaporação da água acontece em qualquer circunstância: seja em rios, lagos, em albufeiras ou mesmo no mar, fazendo parte do ciclo da água. No entanto, quanto maior for a superfície de água exposta às condições meteorológicas – em particular ao calor – maior é a probabilidade de se evaporar. “Passamos de uma linha de água que pode ter de três a 20 metros para uma albufeira que tem uma superfície muitíssimo maior e isso normalmente possibilita uma maior evaporação“, reforça Ventura.
.
“O que acontece é que ao acumular água numa albufeira cria-se uma superfície de água que fica mais exposta aos efeitos meteorológicos”, explica Rodrigo Oliveira. “Não é que evapore mais água por unidade de área, existe é mais área para evaporar”, acrescenta.
.
“Na grande barragem que temos em Portugal – Alqueva -, cerca de 5 a 10% da água que chega à albufeira deve evaporar-se. Mas fica lá 95% da água e essa é utilizada. São qualquer coisa como 200 milhões de metros cúbicos perdidos comparados com 4 mil milhões que chegam”, explica Oliveira, defendendo a importância das barragens na conservação e gestão da água. O caso de Alqueva é talvez o mais extremo em Portugal, por se tratar de uma zona com clima seco e quente, característico do Alentejo, gerando uma maior perda de água por evaporação.
Ora, se a água evapora também se condensa e precipita, num ciclo contínuo que faz com que a quantidade de água existente no planeta Terra seja a mesma desde há milhões de anos. Mas será que existe uma compensação das perdas? “A água que se perde por evaporação está perdida, normalmente ela não vai condensar na mesma região, é transportada pelo vento“, afirma Ventura.
A construção de barragens tem sempre prós e contras associados e é necessário avaliar os dois lados da balança. No entanto, a evaporação não é um “problema complicado”, como disse Catarina Martins (sobretudo no âmbito da escassez de água, contexto da frase), uma vez que os benefícios associados à construção das barragens permitem a países como Portugal gerir o abastecimento de água – seja para meios urbanos, seja para a rega – durante todo o ano.
.
“Em princípio, onde há água pode haver evaporação. A quantidade ou intensidade da evaporação vai depender de vários fatores: desde a capacidade da atmosfera para receber esse vapor até à quantidade de calor que existe disponível para que se dê a evaporação”, ressalva José Eduardo Ventura.
.
“É verdade que se perde água nas albufeiras, mas também é verdade que precisamos delas”, defende Oliveira. Apesar das perdas, as barragens têm ainda uma importante função na gestão e utilização da água. Nesse sentido, Oliveira realça que “em Portugal chove durante três meses e não chove no resto do ano, portanto nós temos que armazenar água. Só há duas formas de armazenar água: uma é em albufeiras e a outra é em aquífero“.
Outro ângulo da questão que se pode abordar é a construção de pequenas ou grandes barragens. Quanto maior for a profundidade da barragem, menor é a relação entre a quantidade de água e a linha de água expostas às condições meteorológicas. Ou seja, como explica Oliveira, “se se somar todas as áreas dos planos de água das barragens mais pequenas vai dar uma superfície de água maior do que a de Alqueva. Nesse caso, se em vez de ter uma barragem grande tiver várias pequenas, vai haver maiores perdas de água“, exemplificou.
Em suma, classificamos a afirmação de Catarina Martins como falsa (ou errada) sobretudo pelo contexto em que foi proferida, isto é, o problema da escassez de água. Importa porém salientar que a evaporação de água pode ser potenciada pelas barragens, na medida em que é maior a superfície de água que fica mais exposta aos efeitos meteorológicos.
.
Avaliação do Polígrafo:
|