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  • A imagem parece dramática: uma criança dorme, apoiada em duas almofadas e tapada por uma manta, entre aquilo que parecem ser duas campas. A descrição desta publicação no Facebook garante que são, em concreto, as “campas dos seus pais”. Recentemente, noutras publicações, esta mesma fotografia tem sido usada para ilustrar a situação em Gaza, com alguns utilizadores a garantirem que a criança se encontra na Faixa de Gaza e que os pais foram mortos durante o conflito no Médio Oriente. Mas não é a primeira vez que a imagem serve para, alegadamente, ilustrar as consequências de guerras e conflitos: numa pesquisa rápida, é possível encontrar publicações que garantem que o menino é um órfão do Iémen ou da Síria. Isto indica, de resto, que a fotografia nem sequer é recente: em 2014 já se faziam publicações — e, em resposta, fact checks a desmenti-las — garantindo que a imagem vinha da Síria. Na altura, um dos desmentidos foi feito pelo próprio fotógrafo que captou a imagem, e que tem precisado de se justificar, ao longo dos anos, para esclarecer a verdadeira origem da fotografia. Ela pode ser encontrada na conta de Instagram de Abdulaziz Shabab Al-Otaibi, o fotógrafo saudita que usa a rede social sobretudo para colocar o resultado das suas sessões fotográficas, embora não faça novas publicações desde outubro de 2022. Recuando até janeiro de 2014, é então possível encontrar nesta conta a fotografia original, que não remete para qualquer conflito e deixa claro que a imagem provém de uma sessão fotográfica planeada. A legenda original é esta: “Algumas crianças podem sentir que os cadáveres dos pais são mais afetuosos com eles do que as pessoas com quem vivem.” O Instagram de Abdulaziz Shabab Al-Otaibi conta também com imagens de bastidores da sessão ou com edições diferentes. Numa delas, o rapaz aparece a sorrir e a fazer um gesto de vitória para a câmara, num momento descontraído, com a legenda “nos bastidores da foto roubada”. Ao Observador, Abdulaziz Shabab Al-Otaibi responde por e-mail esclarecendo que a ideia lhe ocorreu numa altura em que a fotografia era “um hobbie e uma paixão” e que o levava a querer “criar histórias dentro das fotografias”. Esta ideia em concreto ocorreu-lhe, explica, graças à série de manga japonesa “Detective Conan”, em que um fotógrafo criminoso pega fogo a uma casa onde estão uma mãe e uma criança e capta depois o momento em que a mãe atira a criança da janela para a salvar. “O detetive pergunta porque é que o fez, e o fotógrafo responde que um fotógrafo profissional cria uma fotografia com significado, mesmo que o método seja errado.” Essa foi a “chama” de que precisava para pensar no conceito para a sua própria fotografia. “Decidi trabalhar no tópico dos órfãos, um problema universal”, e por isso criou duas “campas falsas” para a fotografia, simbolizando a “orfandade”. Segundo o relato de Al-Otaibi, viajou então à cidade de Yanbu, na Arábia Saudita, para visitar a sua família, e levou consigo o seu sobrinho Ibrahim, pedindo-lhe que levasse uma manta e uma almofada para o cenário da sessão fotográfica. Foi na fábrica de cimento em que o seu pai trabalhava que o fotógrafo criou as duas “campas” e tirou, então a fotografia. “Inicialmente, ela não teve muita atenção. Passado algum tempo, um amigo informou-me de que uma pessoa famosa chamada Abu Mutab Al-Ameriki [um membro da oposição síria] partilhara a fotografia, dizendo que era de uma criança síria. Fiquei zangado e pedi que corrigisse a informação, mas ele recusou”. A partir daí o fotógrafo começou uma “campanha no Twitter” para “expor a mentira” e expressar a sua “desilusão por a fotografia estar a ser usada com fins políticos”. “A mensagem que queria passar com a fotografia é que uma criança orfã sente conforto e segurança estando entre os seus pais, mesmo que já tenham morrido. Temos de nos focar nos órfãos e crianças que perderam os pais. Sinto muita tristeza pelas crianças na Síria, Iraque, Afeganistão, Palestina, e todos os países a sofrer com conflitos”, prossegue Abdulaziz Shabab Al-Otaibi, que já não é fotógrafo e trabalha na aplicação JAPO, como diretor de departamento. Em 2014, o fotógrafo chegou ainda a fazer uma publicação em que agradecia aos órgãos de comunicação social por terem tentado contactá-lo e “transmitido a verdade” sobre a origem da imagem. “Agradeço a todos os que me apoiaram na transmissão da verdade ao mundo”, rematava então. Conclusão A fotografia em causa não mostra uma criança a dormir junto às campas dos pais. Na verdade, a imagem foi encenada para uma sessão fotográfica em 2014 e as campas não são reais. Como o fotógrafo responsável pela sessão (e tio da criança) explica, trata-se de um cenário fictício que criou para uma sessão “conceptual” sobre o amor “insubstituível” que os filhos sentem pelos pais, inspirada num cartoon japonês que viu há dez anos. Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é: ERRADO No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é: FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos. NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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