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| - “Entre-Campos, Lisboa, Cidade Romana. Era uma vez uma zona urbana de hotéis e prédios de habitação… Nascendo quase certo a maior jazida arqueológica romana bem preservada da antiga Olisipo”, escreve o autor da publicação que já ultrapassou as quatro mil partilhas no Facebook desde que foi partilhada a 1 de maio.
No vídeo, com cerca de dois minutos de duração, podemos ouvir comentários como “uma cidade romana em plena Lisboa, Entrecampos city. Feira Popular, 2021. Olha aqui um hotel, olha prédios, ’tá bom ’tá. Finish“.
Confirma-se que as descobertas arqueológicas verificadas até ao momento vão inviabilizar o projeto que está em marcha para o antigo espaço da Feira Popular?
Não. Questionada pelo Polígrafo sobre as possíveis consequências das escavações que estão a decorrer em Entrecampos, a seguradora Fidelidade, que em dezembro de 2018 comprou os terrenos em hasta pública por 273,9 milhões de euros, começa por dizer que os vestígios encontrados até ao momento não justificam qualquer alteração ao projeto inicial. “A Fidelidade adquiriu um conjunto de terrenos para os quais já existia um programa e masterplan definidos pela Câmara Municipal de Lisboa (CML). O projeto que estamos atualmente a desenvolver não altera o que foi previsto“, assegura.
Para as três parcelas dos antigos terrenos da Feira Popular, com uma área total de 27 hectares, está prevista uma obra da autoria dos arquitetos Eduardo Souto de Moura, Álvaro Siza Vieira e Ana Costa. “O que irá ser construído, após a aprovação e licenciamento pela CML, serão edifícios de escritórios, habitação e espaços públicos, servidos por uma área de retalho e estacionamento”, especifica a seguradora.
“A Fidelidade adquiriu um conjunto de terrenos para os quais já existia um programa e masterplan definidos pela Câmara Municipal de Lisboa. O projeto que estamos atualmente a desenvolver não altera o que foi previsto”.
A Fidelidade recorda ainda que “tem uma longa e sólida experiência nesta matéria” e que, no passado,”todas as exigências regulamentares foram rigorosamente cumpridas e adotadas soluções, em articulação com a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que asseguraram a devida preservação de tal património, quer por registo e/ou conservação de algum espólio encontrado”.
O que foi descoberto nos antigos terrenos da Feira Popular?
Ainda em 2019, foi feito um diagnóstico para avaliar o potencial arqueológico do terreno, altura em que “foi identificado um conjunto de realidades arqueológicas de cronologias variadas, que vão da pré-história ao período contemporâneo”. Em articulação com a DGCP, começaram as escavações, a 9 de dezembro de 2020, que vão permitir “a caracterização e registo de todas as realidades arqueológicas existentes na área em análise, cumprindo-se assim com o princípio legal da conservação pelo registo”.
Ao Polígrafo, a DGCP confirma que os “trabalhos arqueológicos em Entrecampos têm vindo a documentar a ocupação humana do espaço desde a pré-história até à atualidade“. A maioria dos vestígios encontrados, e que é possível ver no vídeo em análise, corresponde a “vestígios de fundações do edificado pertencente ao Mercado do Gado e a dependências das quintas que existiram na área até meados do século XX”.
“Foi identificado um conjunto de realidades arqueológicas de cronologias variadas, que vão da pré-história ao período contemporâneo”.
Assim, as estruturas visíveis correspondem a fundações em alvenaria de pedra e argamassa de cal, poços, tanques de rega e celeiros, e ainda os alicerces do antigo Mercado de Gado de Lisboa, inaugurado em 1888 e demolido em meados do século XX. A Feira Popular passaria para esta zona de Entrecampos em 1961.
Quanto à época romana, a DGCP confirma a “existência de uma área de caráter habitacional (que carece ainda de caracterização mais objetiva) e indiciada a possível presença de enterramentos, enquadrando desta forma as lápides funerárias recolhidas nos inícios do século XX, aquando das obras associadas à instalação do Mercado do Gado. Os vestígios da ocupação romana encontram-se muito afetados pelas intervenções contemporâneas, revestindo-se em alguns casos de um carácter residual“.
Nuno Neto, um dos arqueólogos responsáveis pelos trabalhos de escavação e coordenador do projeto, considera que seria “fabuloso termos ali uma cidade romana, mas a cidade romana está em Olisipo, na zona de Alfama, da Baixa. Ali não temos uma cidade romana, o que temos identificado, sobretudo, são estruturas do período contemporâneo que existiam antes da construção da Feira Popular de Lisboa”. Foram ainda encontrados vestígios de construções da época Moderna, que remontam aos séculos XVI e XVII.
Seria “fabuloso termos ali uma cidade romana, mas a cidade romana está em Olisipo, na zona de Alfama, da Baixa”.
Foram também encontrados por todo o terreno “materiais atribuíveis à pré-história recente (Neolítico Final-Calcolítico, viragem do 4.º para o 3.º milénio a.C.)” e “uma área de ocupação humana (junto ao topo Sul do loteamento) que de forma muito preliminar está a ser associada ao Paleolítico“. No entanto, acrescenta a DGCP, os vestígios arqueológicos das fases de ocupação romana e pré-histórica “encontram-se muito afetados, não se revestindo de relevância patrimonial que justifique a introdução de alterações ao projeto para efeitos de preservação in situ e/ou integração/musealização no futuro empreendimento”.
O arqueólogo Nuno Neto explica ao Polígrafo que antigamente não havia preocupação em preservar as ruínas ou estruturas existentes, o que explica o estado das ruínas romanas encontradas. “A construção da época Moderna foi destruindo os vestígios romanos, inclusive usaram a pedra dessas construções para a construção da época Moderna. É também fruto das construções contemporâneas, do século XIX, que foram muito intrusivas e acabaram também por arrasar e por utilizar pedra não só das construções romanas como da época Moderna”, explica. “Aquela zona tem pouca pedra do ponto de vista geológico e, quando se queria construir, a primeira coisa era desmontar as ruínas que já lá estavam”, acrescenta.
Quando vão terminar as escavações?
Nuno Neto considera difícil estabelecer uma data, até porque outros prazos já foram ultrapassados devido à pandemia ou às condições climatéricas. Ainda assim, aponta final de junho para terminar os trabalhos no Lote B2, junto da Avenida das Forças Armadas, onde será construída a maioria dos edifícios previstos no projeto.
A Fidelidade adianta que o prazo está “dependente do andamento e resultados trabalhos de intervenção arqueológica e aprovação dos respetivos relatórios por parte da DGPC. O pedido de licenciamento está previsto dar entrada nos serviços da CML até ao final do 3º trimestre deste ano“. Para a restante área do terreno ainda não é possível avançar um prazo, pois os “trabalhos estão numa fase inicial”.
Em resposta ao Polígrafo, a Câmara Municipal de Lisboa esclarece que, para já, “existe um Pedido de Informação Prévia aprovado, ou seja, a fase que antecede o pedido de licenciamento para o início das obras.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
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