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| - Uma publicação no Facebook afirma que “os vacinados estão criando as variantes” do coronavírus, baseando-se num artigo publicado no site de notícias falsas de extrema-direita Gateway Pundit. O artigo em causa alega que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) confirmou que 80% dos casos de Covid-19 causados pela variante Ómicron nos Estados Unidos verificaram-se em pessoas totalmente vacinadas. E que 33% dessas pessoas até já tinham apanhado uma dose de reforço.
O corpo da notícia menciona até os dados em causa: num relatório semanal publicado pelas autoridades de saúde norte-americanas em meados de dezembro, dá-se conta de que, entre os 43 casos de infeção pela variante Ómicron cuja evolução clínica foi acompanhada para efeitos de estudo, 34 (79%) tinham completado o esquema original de alguma vacina aprovada nos Estados Unidos mais de duas semanas antes do teste positivo.
Destes 34 indivíduos, 14 já tinham recebido a dose de reforço contra a Covid-19. O artigo não se esquece de apontar ainda que oito dos 43 infetados estudados pelo CDC não tinham sido vacinados contra a Covid-19; e que não é conhecido o estado vacinal de um deles.
Embora todas as informações estejam corretas, é errado concluir com estes dados que a variante Ómicron — a única a surgir com uma distribuição alargada da vacina contra a Covid-19 — teve origem no organismo de uma pessoa vacinada. O primeiro motivo é que, simplesmente, não se sabe quem é o paciente zero de uma infeção pela nova variante: só se sabe que os primeiros casos documentados foram originalmente detetados na África do Sul.
Ora, as mutações que originam novas variantes do SARS-CoV-2 ocorrem aleatoriamente e apenas são mantidas em circulação se acrescentarem alguma vantagem ao vírus — um mecanismo de seleção natural aplicado a estes agentes patológicos. É isso que já têm explicado vários peritos entrevistados pelo Observador, incluindo Celso Cunha, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) da Universidade Nova de Lisboa, como demonstra o artigo aqui em baixo.
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Ainda assim, há maior probabilidade de essas mutações surgirem em pessoas que nunca foram vacinadas do que naquelas que tomaram a vacina contra a Covid-19. Vários estudos têm comprovado que, embora as pessoas vacinadas possam desenvolver uma carga viral tão alta como os não vacinados, ela demora menos tempo a baixar graças à ação mais robusta e célere do sistema imunitário. Ou seja, o vírus tem menos oportunidade para se replicar — e para encontrar novas mutações de cada vez que origina novas partículas.
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Além disso, embora a principal missão da vacina seja evitar o desenvolvimento de quadros clínicos severos da Covid-19, ela também tem capacidade para evitar a transmissão em si. Numa reunião no Infarmed em novembro do ano passado, o epidemiologista Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, estimou que a vacinação contra a Covid-19 evitou 2.300 óbitos e 200 mil infeções só entre maio e aquele mês. E é assim porque a vacina estimula o organismo a produzir anticorpos contra a proteína S na superfície do vírus, que uma vez neutralizada é incapaz de se ligar ao recetor das células e provocar uma infeção.
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O segundo motivo por que a interpretação destes dados está errada é que a informação veiculada neste relatório dos Estados Unidos é muito limitada: como o número de infetados estudados pelo CDC é tão pequeno, as conclusões retiradas deste relatório não podem ser projetadas para toda a população norte-americana; e muito menos para a realidade de outros países. Além disso, num país onde 62% das pessoas já estão completamente vacinadas contra a Covid-19, é de esperar que a maioria dos novos casos aconteça nessa população imunizada.
Isto mesmo foi o que explicou James Lawler, médico infecciologista da Universidade do Nebraska, ao Nebraska Medicine: “A grande maioria dos casos de Ómicron detetados até agora nos Estados Unidos está relacionada com adultos que fazem viagens internacionais e domésticas“, adiantou o especialista num artigo publicado a 23 de dezembro. “Podemos esperar que a taxa de vacinação neste grupo de pessoas seja muito maior do que a população geral dos Estados Unidos. Essencialmente, 100% dos viajantes internacionais que chegam aos Estados Unidos estão totalmente vacinados”, prosseguiu.
Conclusão
Não é rigoroso afirmar que as pessoas vacinadas são a fonte de novas variantes do SARS-CoV-2; e não é isso que diz o relatório do CDC mencionado na publicação. Não se sabe em que pessoas essas variantes se desenvolveram, mas sim o país onde elas emergiram e foram detetadas pela primeira vez. A evidência científica diz mesmo que há uma maior probabilidade de as mutações originadoras de novas variantes, sendo aleatórias, surgirem entre quem não foi vacinado contra a Covid-19.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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