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| - “Duas condecorações oficiais, de Estado mesmo, não há cá misérias: uma em 1985, pela mão do comando Ramalho Eanes, a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, o das caravelas… mais tarde, em 2004, e por continuação de atividade meritória, deduz-se, mais uma medalha, desta vez pela mão socialista de Jorge Sampaio e passa a Comendador… e passou muito bem! Depois veio a “altercação” envolvendo Bancos, etc e tal com prisões pelo meio!”, começa por recordar o autor de uma publicação no Facebook, de 15 de maio.
O internauta continua o texto a recordar que “existe uma “coisa”, com membros, supõe-se que remunerados e/ou ajudas de custo, nomeada Conselho das Ordens Nacionais, cujo objectivo é justamente aferir se o condecorado merece continuar a sê-lo. Por via da sua prisão, sua do Joe, este Conselho instaurou um processo disciplinar a fim de apurar da manutenção ou dá cá as medalhitas. Este processo foi instaurado há 3 anos, Maio de 2019… Já sei, ainda vai a tempo…”, ironiza.
É verdade?
O empresário e colecionador de arte foi tornado Comendador da Ordem do Infante D. Henrique (por Ramalho Eanes, em 1985) e recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (das mãos de Jorge Sampaio, em 2004). Somente poderá perder estas distinções (“irradiação da Ordem”) por duas vias: automática – no caso de sentença judicial transitada em julgado que determine pena de prisão superior a três anos (condição que não se verifica) – ou administrativa – decisão do órgão que superintende as condecorações.
Em maio 2019, porém, na sequência da polémica participação de Joe Berardo na II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco, o presidente desta comissão emitiu um parecer em que considerava que a “conduta e a natureza das declarações” do empresário madeirense nessa audição podiam representar um incumprimento dos deveres a que estava obrigado por ter sido condecorado.
O presidente da Assembleia da República dirigiu então esse documento ao órgão que propõe as condecorações e a quem compete conduzir os processos que podem levar à sua respetiva retirada. Neste caso, pelo tipo de condecorações, é o Conselho das Ordens Nacionais (CON), integrado na orgânica da Presidência da República. Como consequência imediata, a 17 de maio, o CON anunciou a instauração de um processo disciplinar a Joe Berardo, cujo fundamento invocado foi o n.º 1 do artigo 55.º da Lei n.º 5/2011 (Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas), que refere o seguinte:
“Disciplina das Ordens
1 – Sempre que haja conhecimento da violação de qualquer dos deveres enunciados no artigo anterior, deve ser instaurado processo disciplinar, mediante despacho do Chanceler do respectivo Conselho.”
O mesmo artigo da Lei refere, no seu ponto 5, que “se a acusação for julgada procedente, é imposta ao arguido, conforme a gravidade da falta e do desprestígio causado à Ordem, a sua admoestação ou irradiação”.
Com o relatório do instrutor do processo (Mota Amaral) concluído desde novembro de 2019, o CON anunciou a reunião decisiva para 20 de dezembro. Esta realizou-se mas, afinal, não representou o desfecho do caso, uma vez que aquele órgão, apesar de dispor de todos os elementos para o fazer, não deliberou.
A 30 junho de 2021, um dia depois da detenção de Joe Berardo (de que resultaria a respetiva constituição de arguido pelos crimes de burla qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, entre outros), o Presidente da República declarou: “Há um processo em curso, que a pandemia acabou por parar ou suspender ou adiar, como tanta coisa na vida. E vamos deixar essa tramitação seguir. É da competência do Conselho da Ordem e cabe-lhe a ele a última palavra.”
E, desde então, houve algum desenvolvimento processual?
Apesar da pandemia ter condicionado a vida das instituições nos quase 11 meses que se seguiram às declarações do Presidente da República – ou seja, de junho de 2021 até hoje -, não há decisão tomada sobre as condecorações de Joe Berardo, tão pouco alguma outra reunião realizada para o efeito. O processo disciplinar está parado, três anos depois de instaurado.
O Polígrafo contactou a Chanceler do CON, Manuela Ferreira Leite, que recusou adiantar qualquer informação sobre este tema, devido à sua “natureza institucional”.
Também contactada pelo Polígrafo, a Presidência da República esclareceu que “o Presidente da República não tem intervenção no processo”, tendo remetido as demais questões do Polígrafo para o CON, até hoje sem resposta.
Recorde-se que, segundo a já citada Lei n.º 5/2011, cabe ao Chanceler de cada um dos três conselhos – neste caso, o das Ordens Nacionais – a decisão de instaurar o processo e ao respetivo Conselho, após votação, a deliberação final sobre o mesmo.
Porém, o Presidente da República é, por inerência, o Grão-Mestre das Ordens Honoríficas Portuguesas e, conforme o próprio site da Presidência da República, pode intervir no funcionamento das Ordens: “Como Grão-Mestre, o Presidente da República superintende na sua organização, orientação e disciplina das Ordens, com a colaboração dos Chanceleres e dos Conselhos das Ordens.”
Assim, é verdadeiro que Joe Berardo mantém as condecorações, isto após um processo disciplinar que lhe foi instaurado há três anos e que ainda não foi concluído, apesar do relatório do instrutor ter sido entregue há mais de dois anos.
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Avaliação do Polígrafo:
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