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| - O debate entre Catarina Martins e André Ventura aqueceu (ainda mais) na parte final, quando a coordenadora do Bloco de Esquerda afirmou que “André Ventura é um condenado, com trânsito em julgado, por racismo”. Rapidamente, o líder do Chega interrompeu para garantir que era “falso”, e justificou-se pouco depois: “Eu não fui condenado por racismo. Sei que, de Direito, talvez perceba pouco. Eu fui condenado por ofensas a uma família, não tem nada a ver com racismo.”
É preciso recuar alguns meses para perceber o contexto do tema e a condenação de que Catarina Martins fala. Num debate para as eleições presidenciais, em janeiro de 2021, que colocou frente a frente Marcelo Rebelo de Sousa e André Ventura, o presidente do Chega levantou uma folha com uma fotografia e chamou “bandidos” a uma família do Bairro da Jamaica. Em primeira instância, Ventura e o Chega (que replicou as considerações nas suas redes sociais) foram condenados por “ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem” da família Coxi.
Depois do recurso, o Tribunal da Relação confirmou a condenação. Mas acrescentou uma avaliação do caso que contrariou, até, a avaliação que o tribunal de primeira instância tinha feito. Para a Relação, era patente, nas declarações de André Ventura, a existência de uma “vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores”.
O advogado Paulo Saragoça da Matta não tem dúvidas: a afirmação de Catarina Martins “é mentira” e André Ventura “não tem a razão completa”.
“André Ventura não foi condenado por racismo”, explica o especialista em Direito Penal, “porque os crimes de ódio estão previstos no Código Penal, e ele não foi sentenciado criminalmente pela prática de nenhum crime”. Saragoça da Matta reitera que, “na lei civil, não há um ilícito de racismo” e que, por isso mesmo, “não se pode chamar de racismo”. Na justiça portuguesa, “o único sítio onde se fala de xenofobia, racismo e todas essas circunstâncias é nos chamados crimes de ódio, que só estão previstos no Código Penal”.
No mesmo sentido, Saragoça da Matta argumentou também que André Ventura “não tem razão completa” quando diz que foi condenado por ofensas à família e não por racismo. Isto porque o líder do Chega “foi condenado por injúrias/difamação de uma família, mas o motivo dessas mesmas injúrias era precisamente uma consideração com motivações étnicas”, tal como transparece da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa — e que seria validada, mais tarde, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
É isso que os juízes do Supremo relevam quando referem que “a questão atinente ao alegado cariz discriminatório das ofensas imputadas aos réus, em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores, foi expressamente analisada pelo tribunal a quo [a Relação de Lisboa], tendo o mesmo entendido que não era essencial/necessária a inclusão de tal questão/qualificativo no dispositivo”. O acórdão do Supremo refere se “aceita” a decisão da Relação, “na medida em que as imputadas, e reconhecidas, ofensas à honra e ao direito de imagem dos autores, por um lado, absorvem a vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores e, por outro, tal autonomização não é essencial para efeitos de subsunção jurídica”.
No acórdão da Relação pode ler-se que houve uma “vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores” no caso das ofensas à família Coxi. E, portanto, o líder do Chega “não é condenado por racismo, mas é condenado por ofensas a uma família porque havia uma ligação entre a difamação/injúria de bandidos ligado à origem étnica“.
Por outro lado, o advogado também confirmou que Ventura disse a “verdade” quando afirmou que nunca tinha sido condenado a um processo-crime, tendo em conta que a família Coxi apresentou “uma ação indemnizatória cível para que André Ventura fosse condenado pelo facto de os ter difamado” e não uma queixa-crime. “A difamação tanto pode ser criminal como civil, já o racismo está previsto autonomamente apenas como crime”, insistiu.
Corrupção, Papa e um guião rígido. Catarina Martins tentou controlar Ventura, mas deu margem para o contra-ataque
Não é a primeira vez que são imputadas acusações de racismo ao líder do Chega e que essas acusações dão lugar a uma decisão judicial. Em novembro de 2017, André Ventura foi ilibado de discriminação racial, em processos que lhe foram instaurados no âmbito da sua candidatura à Câmara de Loures, nas autárquicas desse ano. Nessa campanha, Ventura teceu comentários sobre a comunidade cigana do município de Loures, considerando que a mesma era composto por pessoas que “vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado”. Na sequência desses comentário, o CDS retirou o apoio ao então candidato do PSD.
O Ministério Público viria, porém, a arquivar os inquéritos instaurados nessa altura, por considerar pela “insuficiência de indícios probatórios da prática do crime de discriminação em função da raça, designadamente quanto ao dolo específico e à intenção de ofender a honra, o bom nome da comunidade cigana, dadas as circunstâncias e natureza das declarações e o respetivo objeto factual”.
Conclusão
Apesar de a afirmação de Catarina Martins sobre a condenação por racismo não ser verdadeira — tendo em conta que os crimes de ódio apenas estão previstos no código penal — também não é possível dizer que a constatação de André Ventura, em que diz que a condenação “não tem nada a ver com racismo”, possa ser tida como verdadeira. Tal como o advogado Paulo Saragoça da Matta explicou, a decisão do Tribunal da Relação fala numa “vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores” que não é descolável do racismo. Ainda assim, e tendo em conta que não se tratou de uma queixa-crime levada a cabo pela família Coxi, a condenação nunca poderia ser por racismo.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
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