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| - A votação dos eurodeputados portugueses no Parlamento Europeu sobre a Ucrânia tem dado muito que falar nos últimos dias. Nas redes sociais, multiplicam-se publicações, acusações e opiniões sobre as alegadas votações, bem como muitas tentativas de reposição da verdade. Ora, vamos por partes: há duas votações distintas (e que aconteceram em datas diferentes) e os posicionamentos de Bloco de Esquerda e PCP não foram iguais em nenhuma das delas.
No passado dia 16 de fevereiro — ainda antes da invasão russa à Ucrânia, que aconteceu na madrugada de 24 de fevereiro —, no Parlamento Europeu (PE), foi votado um programa de assistência macro-financeira da União Europeia à Ucrânia. Nesse dia, os eurodeputados portugueses de Bloco e PCP votaram da seguinte forma: José Gusmão e Marisa Matias (BE) abstiveram-se, enquanto Sandra Pereira e João Pimenta Lopes (PCP) votaram contra.
No site do Parlamento Europeu, podem consultar-se as posições em causa, bem como as dos restantes eurodeputados portugueses (aqui). Na imagem abaixo, captada nessa mesma página, é possível — tendo em conta os símbolos usados pelo PE — perceber que o vermelho é um voto contra, o azul uma abstenção (e o verde — que não está aqui visível — indica um voto a favor).
Na declaração de voto publicada no site oficial do PE, os eurodeputados bloquistas reconhecem que é “inegável que a Ucrânia está a sofrer uma crise financeira devido à situação de instabilidade e conflitualidade na região” e que, por isso, precisa de “apoio urgente”. Contudo, o Bloco de Esquerda considera necessário reconhecer que as “modalidades de ajuda financeira” em causa “não têm ajudado o país nos últimos anos a reverter a situação de crise económica, social e política”.
“A assistência financeira da UE por via do MFA [Fundo de Assistência Macrofinanceira, na sigla em inglês] é complementar ao de instituições internacionais, como o FMI [Fundo Monetário Internacional]. As condicionalidades macroeconómicas estão nos acordos do FMI e são reafirmadas no memorando de entendimento com a UE. Os condicionalismos neoliberais destes mecanismos de assistência macroeconómica foram sempre criticados por nós”, justificam os representantes portugueses do BE em Bruxelas. Ou seja, Marisa Matias e José Gusmão esclarecem que o partido “não se opõe” à ajuda financeira, mas criticam o facto de esta ser “negociada sem nenhum escrutínio democrático”.
As partilhas sobre esta votação começaram a tornar-se virais nas redes sociais e José Gusmão fez questão de tornar claro o que tinha acontecido, através de um conjunto de tweets em que explica que a posição dos bloquistas foi aquela que tem vindo a ser seguida pelo partido: “O Bloco teve a posição que tem tido sempre: apoiar a assistência financeira a países em dificuldades, opondo-se às condições associadas a essa assistência, que constituem uma agenda política destrutiva, ao arrepio das deliberações democráticas desses países.”
Alguns spinners da direita estão a espalhar uma votação do Parlamento Europeu sobre o Programa de Assistência Financeira à Ucrânia realizada há cerca de duas semanas. Como de costume, a votação é divulgada sem mais nenhuma informação, para que ninguém perceba do que se trata. pic.twitter.com/Sy8uJSLiGX
— José Gusmão (@joseggusmao) February 28, 2022
Também Marisa Matias utilizou as redes sociais para dizer que foi “intencional” falar-se de um “voto passado de assistência financeira do FMI e da UE”, quando o que estava em causa era uma votação sobre a condenação da agressão da Rússia à Ucrânia.
“É um ato intencional. Foi intencional para cumprir uma agenda política, mas não vale tudo, não pode valer tudo! Ó gente boa, tenham a posição que tiverem deixem de ser fantoches destes grupos que enquanto não enterrarem a democracia não estarão descansados. Calma”, escreveu na página oficial do Twitter.
Confesso que me surpreende a quantidade de pessoas que correm atrás da notícia falsa e do insulto sem nada verificarem. Ter trazido o voto passado de assistência financeira do FMI e da UE no mesmo dia em que se votou contra a agressão da Ucrânia não foi um acto de desconhecimento
— Marisa Matias (@mmatias_) March 2, 2022
A confusão nas redes sociais foi feita com a votação do dia 1 de março, quando o Parlamento Europeu adotou uma resolução sobre a invasão russa, com 637 votos a favor, 26 abstenções e 13 votos contra. Entre os últimos estão os votos da delegação portuguesa do PCP e não dos representantes do Bloco de Esquerda, que votaram a favor.
Nas declarações de voto, os eurodeputados bloquistas explicaram o voto contra alguns pontos em específico “porque [o partido] se opõe e opor-se-á à tentativa da direita de aproveitar a justa indignação com esta guerra para lançar uma escalada militar numa região de enorme sensibilidade, com consequências imprevisíveis”. Em causa está aquilo que José Gusmão explicou serem “os parágrafos que a direita quis incluir na resolução no sentido de uma escalada militar numa região altamente sensível” e as “emendas da direita muito genéricas sobre alargamento da NATO”.
Antes de mais, ata da votação abaixo, para que não haja dúvidas. Trata-se da primeira resolução do Parlamento Europeu na resposta à guerra, que condena a invasão da Rússia, defende várias medidas de apoio à Ucrânia de enfraquecimento da capacidade ofensiva da Rússia. BE a favor. pic.twitter.com/wCityPfX2K
— José Gusmão (@joseggusmao) March 2, 2022
“Votámos a favor da resolução no seu conjunto, apesar das divergências manifestadas, porque o seu núcleo fundamental garante um quadro de ações e sanções que enfraquecem a capacidade económica da Rússia para prosseguir a invasão da Ucrânia. Esse quadro inclui a proposta do Bloco de revogação de vistos gold. Garante o princípio de acolhimento de todos os refugiados desta guerra, que lutaremos para ver estendido a todos os refugiados. Posiciona-se claramente contra esta invasão e a favor do seu fim imediato, em nome de uma solução diplomática pacífica e duradoura, com papel ativo da ONU e OSCE”, pode ler-se na declaração em causa.
Conclusão
É falso que José Gusmão e Marisa Matias tenham votado contra a assistência macro-financeira da União Europeia à Ucrânia. Os deputados do Bloco de Esquerda, como é possível comprovar no site do Parlamento Europeu e nas respetivas declarações de voto, abstiveram-se nessa votação. A grande polémica nas redes sociais surgiu quando houve um voto de condenação à invasão russa à Ucrânia e quando várias publicações sugeriram que o BE tinha votado contra. Ao contrário do que foi dito, nessa votação, os eurodeputados bloquistas votaram a favor. A abstenção aconteceu mesmo na questão do apoio financeiro, que uma votação que ocorreu vários dias antes da invasão, e que foi justificada por ambos, como é possível ler acima.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook
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