schema:text
| - Miguel Alves ainda resistiu a uma polémica, mas não a duas consecutivas. Nas últimas três semanas, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro António Costa foi acusado de adiantar um empréstimo de 300 mil euros para um projeto que ainda não saiu do papel (uma notícia avançada pelo jornal “Público”), quando exercia as funções de presidente da Câmara Municipal de Caminha, e acusado novamente, mas desta feita pelo Ministério Público, num processo em que já era arguido por suspeitas de prevaricação.
Na mesma linha de investigação também o jornal “Expresso” revelou que a empresa contratada por Miguel Alves faz parte de um grupo de investimento que foi “criado na hora“. Certo, porém, de que deveria manter confiança política no seu secretário de Estado, Costa nada fez e Alves permaneceu no “núcleo duro” do Governo até 10 de novembro, dia em que o jornal “Observador” noticiou que tinha sido acusado de prevaricação no âmbito da “Operação Teia”.
Enquanto arguido e mesmo perante grandes dúvidas internas entre os socialistas (Alexandra Leitão, ex-ministra e atual deputada, teceu duras críticas ao processo), a permanência de Alves no Governo parecia estar assegurada. Mas o que dizer relativamente a outros casos que envolveram secretários de Estado, ministros e até membros do partido que não chegaram às listas de deputados?
Comecemos pelo mais antigo, o denominado caso “Galpgate”, no qual o Ministério Público acusou, já em 2019, 18 dos 26 arguidos do caso das viagens ao “Euro 2016” que a Galp pagou a governantes e autarcas, que se viram então suspeitos do crime de recebimento indevido de vantagem. Além de assessores e chefes de gabinete, os três secretários de Estado – Jorge Oliveira, Fernando Rocha Andrade e João Vasconcelos (os dois últimos entretanto faleceram) – foram também acusados, mas a demissão aconteceu logo em 2017: na véspera de pedirem para serem constituídos arguidos.
Questionado, ainda em 2016, sobre se os membros do seu Executivo estariam em condições de continuar nos cargos, Costa reforçou a confiança política nos secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, da Indústria, João Vasconcelos, e da Internacionalização, Jorge Oliveira: “Quanto ao exercício de funções dos três secretários de Estado, não há a menor das dúvidas. Quer o primeiro-ministro, quer os respetivos ministros, manifestaram total confiança política nesses três secretários de Estado que estão a desenvolver um excelente trabalho e que vão continuar a desenvolver um excelente trabalho.”
O facto de Costa ter aceitado a exoneração deste três secretários de Estado parecia estabelecer um critério: nos próximos anos, o primeiro-ministro estaria agarrado a uma linha vermelha que nem sempre permaneceu intocada. Sempre que mantinha um membro do seu Governo, constituído arguido, pelo tempo que fosse, a sombra dos três homens que saíram em 2017 reaparecia para lembrar Costa de que a discricionariedade estava nas suas mãos.
Quem antecipou a sua constituição como arguido no processo das “golas anti-fumo” foi Artur Neves, ex-secretário de Estado da Proteção Civil, que só foi formalmente acusado em julho deste ano pelo Ministério Público, depois de lhe ser imputada a prática de factos que consubstanciam crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder.
Depois de a Procuradoria-Geral da República ter aberto um inquérito e no dia em que a Polícia Judiciária realizou buscas no Ministério da Administração Interna, o então secretário de Estado da Proteção Civil apresentou o seu pedido de exoneração, que também foi aceite. Até aqui, o afastamento prévio (antes de serem constituídos arguidos) garantia ao Governo alguma solidez na aplicação deste critério.
Com José Azeredo Lopes a história foi a mesma. Em outubro de 2018, a praticamente um ano de ser constituído arguido no processo referente ao roubo de armas em Tancos, os ex-ministro da Defesa demitiu-se do Governo para evitar o “desgaste das Forças Armadas”. Só em julho de 2019 é que o Ministério Público confirmou as suspeitas e declarou Azeredo Lopes como arguido no processo de Tancos, pelo alegado crime de denegação de justiça e prevaricação. Em setembro, já há muito fora do Governo, o ex-ministro foi formalmente acusado de ter alegadamente conspirado contra a investigação da Polícia Judiciária sobre o roubo aos paióis de Tancos. Em janeiro deste ano sairia de cabeça levantada, absolvido pelo Ministério Público.
Quanto a Eduardo Cabrita, que começou por ser ministro Adjunto do primeiro-ministro até 2017, protagonizou uma série de polémicas no cargo de ministro da Administração Interna, sobretudo entre 2020 e 2021, mas manteve sempre a confiança política de Costa. Acabaria por se demitir em dezembro de 2021, na sequência da acusação do seu motorista no caso do trágico acidente que matou um trabalhador na auto-estrada A6 (Marateca-Caia), no dia 2 de julho, provocado por uma viatura oficial ao serviço do ministro da Administração Interna que circulava em comprovado excesso de velocidade.
Ainda sem ser constituído arguido, o que viria a acontecer só em abril deste ano, Cabrita saiu do Governo de Costa. Mais recentemente, em maio de 2022, o Ministério Público anunciou a decisão de arquivar os processos contra o ex-ministro da Administração Interna e aquele que na altura era o seu chefe de segurança, no caso do atropelamento. Mantém-se apenas a acusação ao motorista do veículo.
Mais notórios são os casos de antigos deputados que não chegaram às listas: no programa televisivo “Princípio da Incerteza”, Alexandra Leitão lembrou que “a regra era: foram constituídos arguidos, saem do Governo“.
Além disso, sublinhou, “na feitura das listas [de candidatos a deputados] quer em 2019 quer em 2022, houve pessoas que ficaram de fora porque estavam constituídas arguidas“. Foi o caso de António Gameiro que, em abril de 2021, foi constituído arguido na “Operação Triângulo”. Em dezembro, apresentadas as listas de candidatos a deputados para as eleições legislativas de 30 de janeiro de 2022, não havia sinal do seu nome.
____________________________
Avaliação do Polígrafo:
|