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| - “Já dizia Groucho Marx: ‘Estes são os meus princípios, e se não gostam, eu arranjo outros’. Em bom português: ‘É mais fácil encontrar uma agulha num palheiro, do que um socialista com espinha dorsal”. Estas palavras carregadas de ironia foram publicadas a 12 de maio, no Facebook, associadas à imagem da ministra da Saúde, Marta Temido, a quem são atribuídas duas posições contraditórias num espaço temporal de cinco dias:
“8 de maio de 2022: absolutamente a favor da penalização dos médicos de família com base nos indicadores da IVG; 12 de maio de 2022: absolutamente contra a penalização dos médicos de família com base nos indicadores da IVG.”
Nenhuma das declarações proferidas pela ministra da Saúde depois de ser conhecida a proposta de novos critérios de avaliação para profissionais de saúde foi tão clara. A notícia avançada pelo jornal “Público”, na edição de 10 de maio, dava conta de que os médicos de família, assim como os restantes elementos das equipas, podiam “vir a ser avaliados por interrupções voluntárias da gravidez realizadas pelas utentes da sua lista e pela existência de doenças sexualmente transmissíveis nas mulheres“.
Em causa uma série de novos critérios, que estavam então a ser analisados pelo Ministério da Saúde, e que permitiriam às equipas “receber, de acordo com o cumprimento de metas, um valor adicional ao ordenado base”. Nesse mesmo dia, 10 de maio, Temido discursou no Parlamento no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2022 e, questionada sobre a notícia dos novos critérios de avaliação, a ministra informou:
“Estamos a falar de que o desempenho dos profissionais de saúde seja aferido pela melhor saúde dos utentes (…) e de avaliar o recurso a uma IVG como um ato indesejado, sob o ponto de vista do impacto que tem na saúde da mulher. Não está obviamente em causa a opção da mulher. Quero reforçar a inexistência de qualquer juízo relativamente à IVG ou qualquer outro tema relacionado com escolhas pessoais.”
Em forma de justificação, Temido esclareceu que o grupo técnico responsável pelos critérios recomendou que a realização de uma IVG “fosse considerado como falha do acompanhamento em planeamento familiar realizado pelos profissionais de saúde. Todos entendem que a IVG para as mulheres que a fizeram é profundamente penalizadora para a saúde física e mental. E, portanto, não considerar esse aspeto é, no mínimo, hipocrisia“.
“Podemos achar que o indicador não deve ser considerado, (…) mas estamos a falar da responsabilidade de acompanhamento no planeamento familiar, no que poderá ser uma fragilidade neste acompanhamento que colocou esta mulher numa situação em que teve de recorrer à IVG”, acrescentou Temido.
Na noite de quarta-feira, 11 de maio, o grupo técnico criado para a revisão do modelo de organização e funcionamento das Unidades de Saúde Familiar entendeu por bem retirar o aborto voluntário dos indicadores de avaliação dos médicos de família das Unidades de Saúde Familiar Modelo B (USF-B), além das infeções sexualmente transmissíveis.
“O grupo técnico (…) entendeu proceder à retirada dos indicadores ‘Ausência de IVG‘ e ‘Ausência de ITS‘ da proposta de revisão dos critérios para atribuição de Unidades Ponderadas às Atividades Específicas (AE) dos profissionais inseridos em USF de Modelo B, por reconhecer que os indicadores em causa são suscetíveis de leituras indesejáveis. O grupo técnico irá substituir estes indicadores na sua nova proposta”, informou em comunicado.
“Aproveita-se a oportunidade para fazer um pedido de desculpas a todas as mulheres que se sentiram ofendidas com esta proposta, reforçando a necessidade de continuar a defender medidas que assegurem o acesso à informação, a métodos de contracepção eficazes e seguros, a serviços de saúde que contribuem para a vivência da sexualidade de forma segura e saudável, independentemente do género”, concluiu.
Dois dias depois, a 12 de maio, Temido frisou que “sempre dissemos que não estava em causa o direito das mulheres“, sublinhando que “o Ministério da Saúde acompanha o trabalho do grupo técnico e o sentido das suas propostas, mas também tem obrigação de acompanhar com outra leitura, que é uma leitura política da nossa realidade”. Embora tenha assegurado no Parlamento que não estava em causa “uma tentativa qualquer de culpabilizar ou estigmatizar as mulheres”, referiu então que o Ministério da Saúde “não faz censura dos trabalhos dos grupos técnicos”, mas acompanha-os e “estimula-os”.
O Ministério da Saúde tem ainda “a obrigação de acompanhar com outra leitura, que é uma leitura política da nossa realidade, e de conduzir o trabalho não só para que ele reflita escolhas técnicas corretas como o sentir geral da população“, disse Temido.
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