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| - “Existem dois tipos de colesterol: lipoproteína de alta e baixa densidade, também conhecida como HDL e LDL, mas como eles afetam seu coração e sua longevidade é assunto de controvérsia contínua. Durante anos, você foi informado de que níveis elevados de colesterol eram ‘ruins‘ e que baixos eram ‘bons‘, mas evidências crescentes sugerem ser o oposto, e que é muito convincente para ser ignorado”, lê-se num post de 25 de novembro no Facebook, enviado ao Polígrafo com pedido de verificação de factos.
Destaca um artigo com o seguinte título: “Colesterol mais elevado está associado a uma vida mais longa.”
Esta principal alegação tem fundamento científico?
O Polígrafo questionou dois especialistas sobre esta matéria: José Pedro Sousa, cardiologista no IPO do Porto e membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, e Ricardo Ladeiras Lopes, cardiologista e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Ambos concordam que a relação entre o colesterol e a mortalidade – ou, neste caso, a longevidade – não é linear, mas sublinham que o colesterol – especificamente o LDL – é responsável pelo aumento da incidência de doenças cardiovasculares.
Sousa explica que a “relação epidemiológica entre colesterolémia total e mortalidade por todas as causas é, em geral, não-linear, distribuindo-se segundo uma curva em ‘U’. Assim, tanto níveis demasiadamente baixos como demasiadamente altos emergem como associados a um maior risco de morte“.
No entanto, “esta associação não deverá ser entendida como simétrica: de facto, enquanto doseamentos mais baixos são apenas um marcador – e apenas em populações específicas, nomeadamente indivíduos idosos e frágeis – de maior probabilidade de morte, doseamentos mais elevados – e sobretudo à custa de uma das suas parcelas, o colesterol LDL, vulgarmente conhecido como colesterol ‘mau’ – são verdadeiramente causais em mortalidade, particularmente na de natureza cardiovascular“.
“Esta relação algo caprichosa entre colesterolemia total e morte por todas as causas é precisamente uma das razões pelas quais deve ser a dita colesterolemia LDL – e não a colesterolemia total – tida como a análise sanguínea lipídica primária para efeitos de rastreio, diagnóstico e abordagem terapêutica das doenças do metabolismo lipídico, conforme estipulado pela Sociedade Europeia de Cardiologia”, realça Sousa.
No mesmo sentido aponta Ladeiras Lopes, começando por explicar que habitualmente quando falamos em colesterol falamos no colesterol total ou no colesterol “mau”. O colesterol total agrega o colesterol “mau” – denominado como LDL – e possui ainda uma fração de colesterol “bom” – denominado como HDL. “Este, sim, está associado a uma maior sobrevida e diminuição do desenvolvimento da doença cardiovascular”, reconhece. Porém, este HDL é apenas uma pequena fração do colesterol total.
“Quando falamos em colesterol, normalmente falamos do total ou LDL, ou seja, o colesterol ‘mau'” que, adverte Ladeiras Lopes, deve ser reduzido, sobretudo em pessoas com doenças cardiovasculares. O colesterol deve situar-se entre valores de referência, estabelecidos a partir de pessoas saudáveis. Dentro deste intervalo de referência estão “95% das pessoas normais”, os restantes estão acima ou abaixo. Mas existem diferenças, pois o valor recomendado de LDL depende da pessoa em causa.
Quando há uma condição cardiovascular, este valor recomendado deve ser o mais reduzido possível. Já numa pessoa saudável, o valor recomendado – dentro do intervalo de referência – poderá ser maior sem causar o mesmo grau de preocupação do que numa pessoa que já tenha sofrido, a título de exemplo, “dois enfartes”.
“Nunca é bom ter colesterol aumentado, o que é bom é ter dentro dos valores recomendados”, conclui Ladeiras Lopes.
Por seu lado, Sousa chama ainda a atenção para outro elemento do texto que está a ser partilhado nas redes sociais – os supostos efeitos “devastadores” das estatinas.
“As estatinas – classe de fármacos que engloba agentes como a rosuvastatina, a atorvastatina, a sinvastatina, etc. – correspondem a um dos maiores avanços em terapêutica farmacológica, no domínio da Cardiologia. São medicamentos que reduzem, em geral, o risco de eventos cardiovasculares major – por exemplo, enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral – de repetição em cerca de 25%. Conseguem-no, precisamente, por uma expressiva redução dos níveis sanguíneos de colesterol LDL, assim contribuindo para cimentar, de resto, o seu papel enquanto agente causal inequívoco de aterosclerose e, por isso, de doença cardiovascular”, esclarece o cardiologista.
“São, em geral, fármacos muito seguros e bem tolerados pelos doentes que os utilizam”, registando-se contudo “reações adversas como dores musculares, elevação da glicémia e os marcadores sanguíneos hepáticos são, em regra, infrequentes e de intensidade ligeira”.
Além destes benefícios, “as estatinas são, atualmente, medicamentosos muito baratos, estando disponíveis agentes genéricos para virtualmente todos os elementos da classe”.
Sousa conclui que o texto em causa – “não necessariamente pelos dados citados, mas pelo modo erróneo e demagógico como são interpretados” – revela “tanto uma impreparação no campo da inferência científica como uma agenda de deriva ideológica antissistema infundada, devendo, por isso, ser considerado como desinformação médica e uma verdadeira ameaça à saúde pública e comunitária“.
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Avaliação do Polígrafo:
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