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| - “Além dos pensionistas e reformados, também é preciso ajudar as pessoas que estão no ativo, que trabalham, algumas que estão – transitoriamente, esperamos – desempregadas, e que têm rendimentos até 1.100 euros. Essas [pessoas] têm que ter uma ajuda igual. E depois ainda fomos mais longe e dissemos que a classe média, que ganha entre cerca de 1.100 e 2.500 euros por mês – estamos a falar de pessoas, não de agregados familiares, são conceitos diferentes -, essas pessoas também estão a pagar o excesso daquilo que são as cobranças dos impostos em Portugal“, afirmou hoje Luís Montenegro, líder do PSD, no discurso de encerramento da “Universidade de Verão” do partido que se realizou em Castelo de Vide.
Por entre muitas críticas ao Governo que acusou de inação perante o aumento da inflação, Montenegro recordou que tem vindo a defender há meses – “dissemos em abril, maio” – a necessidade de um “Programa de Emergência Social” para ajudar as pessoas a enfrentar a escalada dos preços e do custo de vida. Nesse sentido, destacou que “o Governo está a ganhar dinheiro com a inflação. É verdade. Os preços estão a subir e, de forma correlativa, os impostos também estão a ser mais do que o muito que já estava previsto que iam ser no Orçamento [do Estado para 2022]. E no primeiro semestre de 2022 foram mais 5 mil milhões de euros, não é de impostos, é acima daquilo que estava previsto. E já era a maior carga fiscal de sempre“.
Estas últimas alegações do líder do PSD têm fundamento?
De acordo com a “Síntese da Execução Orçamental de junho de 2022“, publicada pela Direção-Geral do Orçamento (DGO), “no final de junho de 2022, as Administrações Públicas registaram saldo positivo de 1.112,8 milhões de euros, que corresponde a uma melhoria de 8.429,2 milhões de euros face ao verificado no mesmo período do ano anterior, resultado do efeito conjugado do crescimento da receita (+19,7%) com a redução da despesa (-1,7%). O saldo primário situou-se em 4.448,5 milhões de euros, mais 7.827,5 milhões de euros do que em junho de 2021″.
“O crescimento da receita em 19,7% reflete, fundamentalmente, a evolução positiva da receita fiscal (28,1%) e contributiva (9,7%), evidenciando a recuperação da atividade económica e do mercado de trabalho face ao mesmo período de 2021, ainda influenciado pelo confinamento decorrente da situação pandémica. O crescimento da receita fiscal é transversal à maioria dos impostos, embora com destaque para o IRC, para o IVA, IRS e para o IMT”, realça-se no mesmo documento.
“Em junho de 2022, a receita fiscal líquida do subsetor Estado registou um crescimento de 2.218,9 milhões de euros, ou 69%, quando comparado com junho de 2021″, sublinha-se. “Este efeito é essencialmente motivado pela evolução dos impostos diretos, designadamente pelo prazo de pagamento da auto-liquidação de IRC ter terminado a 6 de junho de 2022, por oposição a 16 de julho de 2021. Assim, em junho de 2022, a receita do IRC aumentou 1.408,8 milhões de euros (crescimento de 261%) face a junho de 2021, enquanto a receita do IRS aumentou 468,2 milhões de euros (crescimento de 74,2%), motivada pela antecipação dos reembolsos em 2022″.
“Ao nível dos impostos indiretos, destaca-se o crescimento do IVA em 409,2 milhões de euros (aumento de 36,9%) e a diminuição do ISP em 66,6 milhões de euros (contração de 22,9%), do IT em 54,5 milhões de euros (diminuição de 31%) e do ISV em 7,6 milhões de euros (contração de 17%), quando comparado junho de 2022 com o período homólogo. A diminuição da receita do ISP é fruto dos descontos praticados no consumo dos principais combustíveis rodoviários, resultante da aplicação cumulativa do mecanismo semanal de revisão dos valores das taxas unitárias do ISP em função da variação semanal do preço médio de venda ao público com a redução das taxas do ISP equivalentes à redução da taxa do IVA de 23% para 13%”, detalha-se.
“Em termos acumulados, a receita fiscal líquida do subsetor Estado nos primeiros seis meses de 2022 encontra-se 5.262,3 milhões de euros acima do valor registado no mesmo período de 2021 (crescimento de 29,7%), no qual estavam ainda em vigor restrições à atividade económica devido à pandemia de Covid-19″, salienta a DGO.
No entanto, Montenegro referiu-se ao que estava previsto no Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), não ao período homólogo de 2021. Ora, no OE2022 estava previsto, de facto, um aumento da receita fiscal em comparação com os anos anteriores.
“Não obstante a recuperação sustentada da receita fiscal registada em 2021, a qual aumentou 2.303 milhões de euros face a 2020 (+5,3%), em 2021 a receita fiscal líquida ficou ainda 498 milhões de euros abaixo dos valores registados em 2019 (-1%)”, começa por se ressalvar no Relatório do OE2022, no capítulo sobre a receita fiscal do Estado.
“Na comparação entre a execução provisória para 2021 e a verificada em 2019, notam-se evoluções díspares, verificando-se um crescimento da receita de IRS (mais 1.370 milhões de euros), justificada pelo bom momento do mercado de trabalho. Por outro lado, registou-se um decréscimo da receita do IRC (menos 1393 milhões de euros), em grande medida justificada pela limitação dos pagamentos por conta, do ISV (menos 304 milhões de euros), resultante de uma queda no consumo de bens duradouros e uma maior propensão por consumo de veículos elétricos ou híbridos (os quais beneficiam de reduções de imposto) e do IVA (menos 198 milhões de euros), o qual praticamente recuperou face aos níveis de 2019”, informa-se.
“Na previsão para 2022, elaborada já considerando a evolução da receita fiscal até março de 2022, nota-se um crescimento de 3.066 milhões de euros face à execução provisória em 2021, para os quais contribuem essencialmente os crescimentos na receita do IVA e no IRS, prevendo-se um decréscimo apenas na receita do ISP”, sublinha-se.
Na execução provisória de 2021, a receita fiscal ascende a um total de 45.524 milhões de euros. A previsão de 2022 aponta para um total de 48.591 milhões de euros. Confirma-se assim o referido aumento de 3.066 milhões de euros (+6,73%).
Esse aumento baseia-se sobretudo no IRS – “prevê-se que o valor de receita [de IRS] ascenda a 15.203 milhões de euros em 2022, o que corresponde a um aumento de 5% face à estimativa de execução para 2021″ – e no IVA – “a receita de IVA deverá acompanhar o crescimento nominal do consumo privado, aumentando 1.882 milhões de euros (+11%) em 2022, face à execução provisória de 2021″.
“A maior carga fiscal de sempre”
De facto, no dia 8 de abril, o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou o mais recente boletim de “Estatísticas das Receitas Fiscais”, destacando que “em 2021, a carga fiscal aumentou 7,1% em termos nominais, atingindo 75,6 mil milhões de euros, o que corresponde a 35,8% do PIB (35,3% no ano anterior)”.
“A receita com impostos diretos subiu 2,2%, refletindo sobretudo a evolução da receita do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), que cresceu 5,7%. As contribuições sociais efetivas tiveram um crescimento de 6,9%, refletindo, nomeadamente, o crescimento do emprego remunerado e a subida do salário mínimo. Tal como verificado em 2020, as medidas de proteção do emprego, das remunerações e da retoma progressiva de atividade, explicam também a evolução positiva da receita do IRS e das contribuições sociais. Pelo contrário, a receita do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) desceu 6,6%”, informou o INE.
Por outro lado, “os impostos indiretos, com um acréscimo de 10,6%, constituíram a componente que mais contribuiu para o aumento da receita fiscal. A receita com o imposto sobre o valor acrescentado subiu 13,4%, (redução de 10,6% em 2020), destacando-se ainda o crescimento da receita com o imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos (7,7%). Registaram-se também acréscimos nas receitas com o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (+37,1%), com o imposto de selo (+10,4%) e com o imposto municipal sobre imóveis (+2,1%). Os impostos sobre o tabaco e o imposto sobre veículos apresentaram reduções de 0,1% e 3,0%, respetivamente”.
E se a carga fiscal em 2020, ao nível de 35,3% do Produto Interno Bruto (PIB), já tinha sido a mais elevada de sempre (em proporção do PIB) nos registos do INE, evidentemente que a de 2021 – 35,8% do PIB – fixa um novo máximo.
Importa porém ter em atenção a diferença entre receita fiscal e carga fiscal.
À receita fiscal correspondem os valores nos cofres do Estado que são provenientes do pagamento obrigatório de impostos pela população, excluindo as contribuições de cada cidadão para a Segurança Social. Engloba, no total, os impostos diretos e os indiretos.
Por sua vez, a carga fiscal consiste no cálculo da relação entre o total de impostos e contribuições obrigatórias da população anteriormente referidas (incluindo as contribuições para a Segurança Social) e o PIB num determinado período de tempo. Ou seja, trata-se do cálculo do peso da receita fiscal e das contribuições para a Segurança Social sobre os bens e serviços gerados no país durante um ano.
Em conclusão, Montenegro enganou-se ao dizer que “foram cobrados mais 5 mil milhões de euros em impostos acima do previsto”. Na medida em que já estava previsto no OE2022 um aumento de cerca de 3 mil milhões de euros da receita fiscal, o acréscimo de 5 mil milhões de euros (apenas no primeiro semestre de 2022) em comparação com o período homólogo de 2021 não corresponde exatamente ao que estava previsto no OE2022. Quanto à carga fiscal, pelo contrário, declaração fundamentada, sem mácula.
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Avaliação do Polígrafo:
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